one pixel track analytics scorecard

Digite sua busca e aperte enter


Compartilhar:

“Polícia sem controle é polícia totalitária”, diz especialista em segurança pública

Criado em 01/10/12 10h50 e atualizado em 01/10/12 13h26
Por Elaine Patricia Cruz Edição:Graça Adjuto Fonte:Agência Brasil

São Paulo – O uso excessivo da violência pela polícia não acabou após o episódio do Massacre do Carandiru, em que 111 detentos foram mortos pelas tropas que ocuparam o Pavilhão 9, no dia 2 de outubro de 1992. Passados 20 anos do massacre, ainda falta controle à Polícia Militar. “Quando não se pisa no freio, a polícia extrapola porque é mais fácil trabalhar com violência”, disse Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em entrevista à Agência Brasil.

Saiba mais:

Passados 20 anos, não há condenados pelo Massacre de Carandiru

Ato na Praça da Sé relembra 20 anos do Massacre do Carandiru

Invasão da polícia no Carandiru deixou 111 detentos mortos

“Sou um sobrevivente do Carandiru”, relata ex-detento

“Nunca vi algo tão desumano”, conta perito ao lembrar massacre

Pastoral Carcerária vê Massacre do Carandiru como extermínio de pobres

 

Mingardi é cientista político, com doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e já foi secretário de Segurança Pública de Guarulhos, assessor do procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo e subsecretário nacional de Segurança Pública.

O especialista critica a política de segurança do estado de São Paulo e defende que é preciso “pisar no freio” para evitar excessos na atividade policial. “Combater excesso da polícia é controle. E controle é mandar a mensagem certa, que é avisar: passou desta linha será processado”, acrescentou.

Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Segurança Pública disse que não falta controle à polícia do estado. “As polícias são controladas internamente por corregedorias e, externamente, fiscalizadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Falar em falta de controle é má-fé ou sandice”, disse o órgão.

 

Sobre a crítica de que o governador Geraldo Alckmin estaria passando a “mensagem errada” à população ao promover a comandantes das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) policiais envolvidos no massacre de 1992, a secretaria respondeu que “a polícia é treinada para agir de acordo com a lei” e que, sempre que há excessos, os policiais são punidos. “Importante lembrar que, neste ano, três policiais da Rota foram presos depois de serem acusados de homicídio em uma ação. A mensagem, portanto, sempre foi a de agir dentro da legalidade”, destacou a secretaria em nota.

Confira os principais trechos da entrevista concedida por Mingardi à Agência Brasil:

Agência Brasil (ABr): Em 2000, um documento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) dizia que o histórico da Polícia Militar de São Paulo na época do massacre, em 1992, “era de uso excessivo de violência”. Esse excesso policial continua ocorrendo nos dias de hoje?
Guaracy Mingardi: O excesso da polícia não acabou ali. Houve um momento de tentativa de controle sobre isso, que foi no começo do governo Covas [governador Mário Covas], nos primeiros quatro anos [de mandato, entre 1995 e 1999]. Depois, no segundo mandato Covas e no começo do mandato Alckmin [Geraldo Alckmin, 2001-2003]. Logo depois que o Covas morreu [2001], continuou mais ou menos porque havia interesse da Secretaria de Segurança Pública. Depois disso, foi relaxando, não houve continuidade, não houve uma preocupação em segurar a polícia porque a grande questão é a seguinte: com a polícia, em qualquer lugar do mundo, é preciso pisar no freio. Quando não se pisa no freio, a polícia extrapola porque é mais fácil trabalhar com violência. Há uma tradição de violência por parte da polícia, de várias décadas, que se agravou muito nos anos 1970, quando os militares assumiram as PMs. A Polícia Militar de São Paulo não existia. Havia a Força Pública e a Guarda Civil, que não era municipal, era estadual. Por decreto-lei, as duas foram unificadas e se transformaram na Polícia Militar, em 1969. E foi posto um general para comandá-la. Isso dá outro tipo de enfoque porque o enfoque militar é diferente do policial.  Enquanto o policial é treinado para identificar e capturar, o militar é treinado para abater o inimigo e fazer com que ele se renda de qualquer forma. A partir daí, a Polícia Militar, que tinha sido criada recentemente em São Paulo, foi ficando cada vez mais violenta.

ABr: Com o Carandiru, essa violência cresceu?
Mingardi: Depois do Carandiru, houve um decréscimo disso, mesmo durante o governo Fleury [Luiz Antonio Fleury Filho, governador de São Paulo entre os anos de 1991 e 1995]. A incidência de mortes diminuiu. Mas, depois, a coisa voltou a ter outro enfoque. Começamos a ter administrações que pisaram no acelerador e não no freio da polícia. O acelerador é dizer para a polícia: vá lá e resolva. O freio é dizer: vá resolver dentro de determinadas características. Qualquer polícia do mundo tem tendência a extrapolar. A polícia da Inglaterra mata menos em três anos do que matamos em duas semanas em São Paulo. Se você disser para ela: ‘se for um terrorista, atire na cabeça antes de ele explodir uma bomba’, eles matam um brasileiro que está correndo com uma mochila nas costas para pegar o trem do metrô [Jean Charles de Menezes foi morto por engano pela polícia londrina em 2005]. Se isso acontece na polícia londrina, imagina na polícia brasileira que não tem nenhum tipo do controle centenário que existe lá.

ABr: Tivemos o Carandiru, em 1992, com 111 detentos mortos, e os Crimes de Maio, em 2006, com mais de 400 mortos...
Mingardi: Esse já é outro momento. Aquele controle [policial, logo após o Massacre do Carandiru] já estava caindo. Em 2006, já era a segunda gestão do Alckmin e já havia mudado a estrutura da Secretaria de Segurança. Aí ocorreram os ataques do PCC [Primeiro Comando da Capital] e o que acontece em seguida? Você aumenta a liberdade da polícia e a polícia volta a fazer bobagem porque é sempre mais fácil trabalhar com violência. Aí foi crescendo. Quando o governador diz ‘quem não resistiu está vivo’ [frase do governador Geraldo Alckmin, dita logo após uma operação realizada pela Rota, em setembro deste ano, na cidade de Várzea Paulista, em que nove pessoas morreram e nenhum policial ficou ferido], antes de saber exatamente o que ocorreu, ele já está dizendo que [a polícia] pode fazer o que quiser. Tenho dúvidas se o governador sabia das implicações do que estava dizendo. Depois de 2006, isso foi crescendo porque, por exemplo, foi colocada [no comando] da Rota gente com passado complexo, conhecida como policial violento. O último que saiu da Rota [o tenente-coronel Salvador Madia foi substituído esta semana no comando por Nivaldo Cesar Restivo] esteve no Carandiru [os dois são réus no processo que investiga os culpados pelo massacre]. E você acaba promovendo essa pessoa para comandante da Rota? É a mensagem errada.

ABr: Você fala em controle. Como fazê-lo? Esse controle sobre a polícia é possível?
Mingardi: Tivemos, no ano do Carandiru, 1.490 mortos pela polícia. Um recorde paulista e talvez brasileiro. Dois anos depois, havia caído para 400 [mortes], diminuindo para menos de um terço. Se você consegue diminuir, em pouco tempo, para menos de um terço, em um trabalho de médio prazo se conseguiria diminuir muito mais e manter a segurança. Quando os homicídios começaram a cair, na década de 1990, em São Paulo, já havia uma política de controle das polícias. E continuou durante um tempo. Então, é possível controlar a criminalidade mesmo com a polícia matando menos. E há outra vantagem para a polícia em matar menos: matando menos, morrem menos policiais. Este ano, quando aumentou o número de pessoas mortas pela polícia, ocorreu um recorde de policiais mortos em São Paulo. A maioria em folga e muitos deles em execução. Deve estar ocorrendo represália de alguns grupos criminosos ligados ao PCC.

ABr: O que acontece hoje em São Paulo então é revanchismo?
Mingardi: Em princípio, há [revanchismo]. A polícia mata, os criminosos vão se vingar de determinado policial e a coisa vai crescendo. Aí, quando se mata um policial, a polícia vai lá e mata mais. Inclusive porque existe uma falha no nosso sistema. Policial morto deve ser prioridade um ou prioridade zero, se você preferir. Tem que ser a maior das prioridades porque quando não se resolve o caso do policial morto e não se prende logo os criminosos, cria-se uma ideia de revanchismo na polícia. A regra básica do trabalho policial naquele tempo, agora e em qualquer parte do mundo, é uma só: no fim do dia, o criminoso tem que ir para a cadeia, e o policial tem que voltar inteiro para casa. Quando se entra em uma espiral de violência, nem o criminoso vai para a cadeia, porque morre, nem o policial volta inteiro para casa porque a probabilidade de ele morrer é maior.

ABr: Mas há quem defenda que segurança é ter mais policiais na rua e matando criminosos. Essas pessoas têm consciência da onda de violência que isso pode gerar?
Mingardi: A maior parte das pessoas não pensa nisso. Se a pessoa foi roubada uma vez, ela está com raiva e quer que qualquer criminoso, não necessariamente aquele, pague por isso. Então tem a resposta emocional da população. E aquela história de que ‘vagabundo bom é vagabundo morto’ é uma coisa corrente na nossa população. O que as pessoas não percebem é uma coisa muito simples: isso não diminui a criminalidade. O que diminui a criminalidade é trabalho policial benfeito: boa prevenção da Polícia Militar para evitar que o crime aconteça e investigação da Polícia Civil, o que normalmente não ocorre. Muitos roubos não chegam a ser investigados. Em 30% dos homicídios na capital se chega à autoria. Matar na rua é bom para lavar a alma: ‘fui roubado ontem e mataram o criminoso - joia, me vinguei’. Mas não resolve o problema. Segurança pública não é para vingar. Resolver o problema não significa acabar com a criminalidade porque isso não existe em sociedade nenhuma nem vai existir. Mas significa diminuir muito a criminalidade e fazer com que o criminoso tenha a certeza de que será punido.

ABr: O senhor fala que é preciso resolver o maior número de caso de roubos e de homicídios. Como isso aconteceria? Não é preciso aumentar o número de policiais?
Mingardi: [Isso se resolve] com a polícia trabalhando melhor. Talvez até seja bom mais policiais. Mas não adianta colocar mais fazendo o mesmo. É preciso ter gente trabalhando de forma melhor. E trabalhar melhor é criar condição de trabalho, é o policial saber o que está fazendo, ser treinado e ter disposição. Não adianta ter um policial muito bem treinado e muito bem pago, mas sem ânimo de investigar. É preciso ter essa gente motivada, o que passa por [melhores] salários, treinamento... Mas passa também por uma mudança de mentalidade em determinados setores policiais.

ABr: Tivemos 111 mortos no Carandiru e, em 2006, tivemos as mortes nos crimes de maio, atribuídos a confrontos entre policiais e membros do PCC, grupo que dizem ter sido criado exatamente como resposta ao Massacre do Carandiru. O caso de 2006 é consequência do que aconteceu no Carandiru?
Mingardi: Isso é certeza absoluta. O PCC não existiria como tal, não teria o poder que tem se não tivesse havido o Carandiru.

ABr: Como combater os excessos policiais?
Mingardi: Combater excesso da polícia é controle. É controle e mandar a mensagem certa, que é avisar: passou desta linha será processado. E tem que ter apoio de cima, apoio político para isso. Tem que trabalhar junto com o Ministério Público e dar condições para o policial trabalhar. Se ele simplesmente achar que tem que resolver com violência e que não tem outro jeito, a coisa fica complicada. Dar condições para ele trabalhar significa equipamento, treinamento, salário, organização. Polícia sem controle é polícia totalitária.

Edição: Graça Adjuto

Creative Commons - CC BY 3.0

Dê sua opinião sobre a qualidade do conteúdo que você acessou.

Para registrar sua opinião, copie o link ou o título do conteúdo e clique na barra de manifestação.

Você será direcionado para o "Fale com a Ouvidoria" da EBC e poderá nos ajudar a melhorar nossos serviços, sugerindo, denunciando, reclamando, solicitando e, também, elogiando.

Fazer uma Denúncia Fazer uma Reclamação Fazer uma Elogio Fazer uma Sugestão Fazer uma Solicitação Fazer uma Simplifique

Deixe seu comentário