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Bloco Olodum desfila no Pelourinho (Foto: Aviachar/Creative Commons)

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Aos 35 anos, Olodum mantém raízes e luta pela afirmação da cultura negra

Criado em 25/04/14 11h09 e atualizado em 25/04/14 11h27
Por Helena Martins Edição:Lílian Beraldo Fonte:Agência Brasil

Difícil imaginar um brasileiro que tenha passado pelas décadas de 1980 ou 1990 sem ouvir “Ilha, ilha do amor, Madagascar” ou “Canta, canta Salvador, canta, canta. Canta meu amor”, sempre embaladas pelo som forte dos tambores. Autor dessas e de muitas outras músicas populares, o Olodum comemora, hoje (25), 35 anos. Criado como alternativa carnavalesca dos negros em Salvador (BA), o grupo virou expoente da cultura afro-brasileira. Cultura que ajudou a divulgar em 35 países espalhados por todos os continentes. “Protestos, manifestações / Faz o Olodum contra o Aphartheid”

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Até os anos 70, os grandes blocos do carnaval da Bahia eram compostos majoritariamente por brancos. Para garantir a festa da população negra e enfrentar o racismo, em 1974, foi criado o Ilê Aiyê, que no último carnaval recebeu homenagem pelos seus 40 anos. Depois daquela iniciativa, outras comunidades produziram seus blocos, como o Malê Debalê (1979) e o Muzenza (1981), muitas vezes reunindo moradores de bairros específicos. No caso do Olodum, o Maciel-Pelourinho.

O local – cujo nome faz referência à coluna de pedra que servia para castigar escravos no período colonial – havia perdido centralidade na economia de Salvador e, até os anos 80, sobrevivia estigmatizado como espaço de “marginais”. Sobrados eram ocupados por famílias pobres e por prostitutas. Por manterem o local, o fotógrafo Pierre Verger chegou a afirmar que “devia se erguer no Pelourinho um monumento às putas”. Ali, nos cortiços e pelas ladeiras do “Pelô”, como chamavam os moradores, a negritude conseguiu se reafirmar por meio da cultura.

Os negros da Bahia fizeram da música, da religiosidade e da linguagem, expressões de resistência. Reunindo todos esses elementos, o Olodum surgiu como projeto cultural e político de luta contra o preconceito. O presidente do grupo, João Jorge Rodrigues, destaca que o trabalho tinha como objetivo tornar conhecida a história africana. “Nos primeiros carnavais, fomos muito criticados porque falamos do Egito. Não entendiam que o Egito fazia parte da África. Nós pesquisamos e mostramos que o Egito é África, que Madagascar é África, que Etiópia é África.”

A escolha carregava profundo caráter político de valorização das tradições negras. “Nós queríamos mostrar que esses países africanos produziram elementos fundamentais para a história, como a ciência e o alfabeto”, diz. “Queríamos trazer à tona a dimensão da diversidade da África, pois sempre houve uma visão hollywoodiana dos personagens da história desses países: eles sempre foram retratados como brancos”, completa o presidente do Olodum.

“Êta cabra da peste, Pelourinho, Olodum, somos do Nordeste”

“Sei que o mar da história é agitado”, afirma o grupo em Canto ao Pescador, cuja letra mostra outra matriz cultural do Olodum: a nordestina. As referências se multiplicam, da figura do pescador à citação a Oloxum, passando pelo cantor baiano Dorival Caymmi. Os sucessos fizeram com que as letras do Olodum, palavra yorubá que significa “Deus dos Deuses”, entrasse para o repertório do brasileiro.

Toda a preparação do carnaval pretendia ser educativa. Os temas que seriam abordados eram pesquisados, transformados em apostila e, depois, entregues aos compositores e possíveis cantores para que se apropriassem dos fatos e se identificassem com as histórias. Em Revolta Olodum, o grupo faz referência à Revolta dos Búzios, também conhecida como Conjuração Baiana, assim como à Guerra de Canudos e ao cangaço: “Pátria sertaneja, independente / Antônio conselheiro, em Canudos presidente”.

Historiador e integrante do Movimento Negro de Campina Grande, Jair Silva considera que as ações dos blocos afro foram fundamentais para a afirmação da identidade negra, no Brasil: “É um movimento que escreve história, que tem esse compromisso de desvendar fatos que foram negados pela cultura branca que ainda é hegemônica em nosso país.” De acordo com Jair, ao falar da luta pela liberdade, o Olodum, que se assume como movimento social, “criou autoestima para a comunidade negra da Bahia”.

“No início, era uma coisa bem de cada comunidade, de ir para o ensaio do bloco, inventar as danças, o cabelo, as roupas. O conteúdo das letras sempre apontando para o negro como bonito, potente, inteligente”, conta a antropóloga Goli Guerreiro, autora do livro A Trama dos Tambores – a Música Afro-Pop de Salvador. De acordo com ela, a movimentação gerada pelos blocos, especialmente pelo Olodum, foi “extraordinária”. “Vários territórios da cidade de Salvador começaram a se antenar para afirmar uma negritude, que tem a ver com autoestima, com a estética afro-baiana que ganhou uma altivez, um gostar de ser o que é, de ser negro”.

“Olodum tá hippie, Olodum tá pop / Olodum tá reggae, Olodum tá rock”

A movimentação musical e rítmica gerada nos anos 80 teve no samba-reggae “a coroa da estética baiana”, diz Goli Guerreiro. Criado por músicos baianos, entre eles Neguinho do Samba e Mestre Jackson, o ritmo se tornou característico do Olodum. Para a antropóloga, essa criação expressa a intensa circulação de informações existente entre os blocos afro e deles com o que circulava no mundo da música, como o som de Michael Jackson, de Fela Kuti e outros. “Essa troca de informações do mundo atlântico permite que cada cidade faça sua combinação de referências e invente algo próprio, local, mas que aponta para uma dinâmica continental”, diz.

Marcado pela presença intensa da percussão composta por tambores de tipos diferentes e tocados por cerca de 200 músicos, o samba-reggae mostrou tanta potencialidade que foi apropriado pelos blocos de trio elétrico. Nos anos 90, bandas do que, mais tarde, viria a ser chamado axé music, incluíram instrumentos harmônicos, como a guitarra, e diminuíram a quantidade de percussionistas para que o ritmo parasse não só nos trios, mas também nas “paradas de sucesso” das rádios e nas lojas de discos.

O sucesso acabou fazendo com que blocos tradicionais também se adaptassem. Boa parte deles criou bandas para fazer shows, introduziu a guitarra e buscou o mercado musical, onde as músicas do Olodum e demais ganhavam projeção na voz de outros cantores. Expressiva exceção é o tradicional Ilê Aiyê, que até hoje participa dos carnavais com os tambores e os pés no chão.

Goli avalia que a entrada no mercado e o fato de ter virado atração turística trouxe mudanças nas letras do samba-reggae. “As músicas ficam menos contundentes do ponto de vista ideológico, falam mais da alegria, de forma geral”. Já o presidente do Olodum, João Jorge, explica que o grupo buscou sustentabilidade para continuar existindo, adentrando, para isso, também no mercado internacional. “No mercado Brasil, um grupo que faz música, livro, que inspirou o funk e o rap nacional não é de nenhum significado, mas no exterior, sim.”

Ele defende que o grupo não perdeu as raízes, a vinculação à luta por igualdade e a ideologia do Pan-africanismo – expressa inclusive nas cores adotadas pelo grupo: verde, vermelho, amarelo, preto e branco, conhecidas como referências da luta contra o racismo. Destacando a projeção internacional do Olodum, o reconhecimento e a parceria com 49 artistas internacionais, dentre os quais Paul Simon, Michael Jackson e Alpha Blondy, ele afirma que o grupo é a “antena parabólica do candomblé: tem os pés no chão e a cabeça no mundo”.

“Se o futuro nos pertence / Então temos que lutar”

O chão do Olodum, diz João Jorge, continua a ser o Pelourinho. Desde 1983, quando foi criado o Projeto Rufar dos Tambores, o grupo oferece aulas de percussão para moradores do bairro Maciel-Pelourinho. Desde 1984, quando o então bloco de carnaval tornou-se o Grupo Cultural Olodum, desenvolve atividades de educação em diálogo com diversas linguagens artísticas.

“Os projetos sociais dos blocos afro são uma consequência natural deste desejo de mudar a realidade e, mais que os projetos sociais, esses blocos oferecem um espaço positivo de convívio para crianças e jovens negros, abrindo perspectivas para além do cotidiano determinista de pobreza e exclusão ao qual as camadas negras da população estão historicamente submetidos”, avalia a professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Rita Maia.

Hoje chamado Escola Criativa Olodum, o projeto que resultou na formação da primeira Banda Mirim Olodum, envolveu, ao longo de 30 anos, cerca de 20 mil crianças e adolescentes, de 7 a 21 anos de idade, de acordo com a coordenadora da escola, Cristina Calácio. Ela considera a escola “um espaço pioneiro de participação da comunidade afrodescendente e inovador por trabalhar com arte e educação de forma conjunta”.

Tendo como critério a matrícula dos estudantes na rede municipal ou estadual de ensino, a escola se propõe a “revelar grandezas, muito mais do que simplesmente ensinar o toque do tambor. As atividades têm o objetivo de potencializar as crianças e os adolescentes, para que a inclusão deles na cidadania étnico cultural seja possibilitada”, avalia Cristina.

Além da música, “o forte da instituição”, segundo a coordenadora, é que os participantes do projeto também participam de seminários, oficinas de danças afro e de canto coral, além de aulas de informática. O sucesso do projeto, para Cristina, deve-se ao fato de ser “uma escola diferente, plugada com aquilo que os jovens gostam e com o que eles estão interagindo no dia de hoje, que é a cultura, a tecnologia”.

Outro projeto iniciado pelo grupo, em 1990, o Bando de Teatro Olodum encenou contos africanos e histórias vinculadas aos negros e projetou atores como Lázaro Ramos, Tânia Tôko e Jorge Washington Rodrigues, que participaram da montagem teatral e do filme Ó Pai, Ó, que virou série de televisão.

Em um dos intervalos dos ensaios das peças que o grupo apresenta, nesta semana, no Festival do Teatro Brasileiro, em Rio Branco, Jorge Rodrigues concedeu entrevista à Agência Brasil.

“Eu comecei a fazer teatro no Calabar [bairro de Salvador] e fui mordido por esse teatro de transformação que é uma ferramenta de luta contra o preconceito racial, por igualdade. Quando vi no jornal a manchete: ‘Olodum monta companhia de teatro negra’, o projeto tinha a participação do Márcio Meirelles, que já era um diretor consagrado, aí eu disse: 'É nesse teatro que eu quero estar’.”

O ator, que só deixou de atuar em uma das montagens do grupo, ao longo de 24 anos, quando teve que sair da Bahia para acompanhar o nascimento da filha, diz que o projeto se espalhou pelos bairros da capital baiana e pelo país, por meio dos atores que foram formados pelo Olodum. Também no campo da música, as influências dos projetos do Olodum são perceptíveis. Músicos que cresceram ouvindo samba-reggae despontam no cenário cultural, como Anderson Souza, Mariela Santiago e Afro Jhow.

Para Jorge Washington Rodrigues, o desafio dessa proposta de produção cultural está em não mudar a rota e fortalecer o caminho que vem sendo trilhado pelo grupo. “Precisamos buscar esse teatro de afirmação, essa música de afirmação, porque o mercado é tentador e nos tenta a todo momento.”

O presidente da entidade, João Jorge, também avalia que é preciso continuar a se reinventar, inovar e seguir como parte das lutas por políticas públicas, educação e trabalho para negros. “O racismo é uma doença. E o Brasil não superou isso, portanto, o Olodum é atual, contemporâneo”, defende.

Editor: Lílian Beraldo

Creative Commons - CC BY 3.0

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