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"O Brasil exportava talentos, hoje exporta animação": leia entrevista com César Coelho

Criado em 26/02/16 16h25 e atualizado em 27/02/16 11h52
Por Ana Elisa Santana Fonte:Portal EBC

Uma curva positiva reflete a trajetória da produção de animação brasileira nos últimos anos. O país que já exportou profissionais como Carlos Saldanha (diretor de A Era do Gelo e Rio), hoje consegue fazer com que sua produção seja vista no exterior e tem um dos maiores festivais de animação do mundo: o Anima Mundi. A indicação do filme "O Menino e o Mundo" para o Oscar, cuja cerimônia será realizada neste domingo (28/2), reflete a capacidade de ascenção que os brasileiros têm no setor.

"A animação é hoje uma das maneiras mais viáveis de fazer cinema nacional", afirma César Coelho, diretor e um dos criadores do Anima Mundi, o Festival Internacional de Animação do Brasil. O avanço da tecnologia barateou processos e trouxe uma realidade mais favorável a pequenos estúdios ou quem deseja produzir animações de forma independente, mas ainda há dificuldades com a distribuição dos filmes de animação. Coelho conversou com o Portal EBC sobre a evolução e os desafios da produção de animação brasileira.

César Coelho, diretor do Anima Mundi
César Coelho, diretor do Anima Mundi. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Como você avalia a produção em animação nos últimos anos no Brasil?

Nos últimos 12 anos a animação brasileira mudou radicalmente, da água para o vinho. Essa mudança fica mais evidente agora com essas conquistas que a gente está tendo, como O Menino e o Mundo no Oscar, mas a gente já ganhou dois anos seguidos o Festival de Annecy, na França, e isso é a ponta de um iceberg que a gente já vem cultivando há mais de 10 anos.

E o Anima Mundi acompanhou esse crescimento no cenário da animação brasileiro...

Quando a gente fez o festival há 23 anos, a animação no Brasil era uma coisa que ninguém imaginava que existia. Era essencialmente para crianças e toda importada, da Disney ou japonesa. A animação brasileira subexistia com pequenos estúdios, à base de publicidade. O festival surgiu justamente por causa disso: a gente queria promover animação como arte no Brasil, mostrar que existia um potencial enorme de artistas brasileiros para fazer animação, e que havia um potencial enorme de público no Brasil que gostava de animação, além dessas que eram apresentadas só para crianças.

Festival Anima Mundi 2015 chega ao Rio de Janeiro
Festival Anima Mundi 2015 no Rio de Janeiro

Como a tecnologia influenciou o crescimento do setor?

A gente acabou surfando uma onda que começou também com a mudança tecnológica importante, que foi a entrada dos computadores pessoais no mercado. A computação facilitou a animação em todas as técnicas, não só a de computação gráfica, porque ela barateou todos os processos e tornou acessível fazer filmes em casa, em pequenos estúdios. Mas o grande salto mesmo foi quando a gente começou a fazer o que a gente chama de animação industrial, que é uma animação em escala para atender o mercado de televisão. A gente teve um grande apoio do governo federal, da Ancine, das secretarias de Cultura, do BNDES. Eles ficaram atentos e deram uma contribuição decisiva em termos de financiamento e apoio para começar a criar séries para a televisão. Então, uns 10 anos atrás começaram as séries brasileiras na televisão, com muita dificuldade.

Como está a produção atual?

Hoje a gente tem várias séries brasileiras que são líderes de audiência não só no Brasil como no exterior, na América Latina. Atualmente, no ar, a gente tem mais de 20 séries, e outras 30 séries sendo produzidas.

É um mercado que está em profunda evolução. Nesse momento a gente tem também em diferentes estágios de produção 20 longas-metragem de animação no Brasil.

O mercado de séries para TV é mais forte do que o de cinema para a animação do país?

São dois mercados diferentes. O mercado de séries é o "atacado" da animação. Quando se encomenda uma série de animação, é mais ou menos o equivalente a produzir de quatro a cinco longas-metragem em termos de tempo, de duração. Uma série tem em média 26 episódios, e tem alguns de 13 minutos, outros de 26 minutos... esse mercado é o grande empregador, ele emprega extensivamente mão de obra, e possibilita agora, no Brasil, existirem estúdios com até 100 animadores. A gente cresceu muito rapidamente; hoje a gente está exportando animação brasileira; mas alguns anos atrás a gente exportava animadores como o Carlos Saldanha: profissionais que não encontravam campo de trabalho no Brasil, e iam trabalhar lá fora. O Brasil exportava talentos, hoje exporta animação.

"Alguns anos atrás a gente exportava animadores como o Carlos Saldanha: profissionais que não encontravam campo de trabalho no Brasil, e iam trabalhar lá fora. O Brasil exportava talentos, hoje exporta animação"

Qual é a maior dificuldade para a animação de longa-metragem?

Qualquer produto de animação tem um prazo de estação grande. Ele demora mais ou menos uns quatro anos pra ser feito, e não é uma questão de financiamento ou de quantidade de pessoas trabalhando; é uma média mundial. E só agora, há pouco tempo, a gente começou a ter investimentos consistentes para a produção de longas, que não é só uma questão de dinheiro, mas investimento em estrutura e em treinamento. O longa exige uma especialização maior, uma excelência na produção. Você precisa de um roteiro bem mais elaborado, acabamento, trilha sonora, tudo isso... o longa é bem mais exigente do que a produção para a televisão. Agora a gente está começando a atingir essa maturidade, e isso está acontecendo de uma forma muito rápida. Acho que a produção de longas vai dar esse pulo, então a gente deve ter um fluxo de lançamentos com mais frequência.

A que se deve o aumento da produção nos últimos anos?

O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) tem uma importância muito grande na captação de recursos para essas produções. É muito complicado você ver um longa de animação ser feito de maneira independente. Consegue-se fazer curtas, mas longa é mais complicado, porque imagine ficar quatro anos sustentando uma equipe pra produzir o longa? A gente tem tido boas iniciativas de financiamento, em termos de desenvolvimento de roteiro, editais federais, estaduais e até municipais que são partes responsáveis por esse aumento na produção.

E a distribuição?

A gente tem capacidade para produzir e está produzindo, mas está encontrando barreiras na distribuição. O Menino e o Mundo foi visto muito mais vezes no exterior do que no Brasil. Na França, ele ficou um ano em cartaz, antes mesmo de ser indicado ao Oscar. E aqui no Brasil ficou semanas. A gente precisa criar mais espaço para o público encontrar a nossa produção.

É mais difícil fazer uma animação ou fazer um filme de ficção ou documentário?

Em toda a parte de legislação, todos os agentes que trabalham com financiamento para o cinema, a questão da animação é muito nova e a tendência é tratar como tratam o cinema tradicional. Não é muito diferente. Mas os prazos são diferentes, o cronograma de pagamento é diferente. A animação tem uma característica importante que é o seguinte: hoje em dia, com poucos recursos, você consegue fazer animações de excelente qualidade. Filmes como "A Noiva Cadáver, "ParaNorman" e "Anomalisa" são feitos com câmera fotográfica digital. Não é uma câmera de 100 dólares, mas não é inacessível.

Cena da animação "Anomalisa", que concorre ao Oscar 2016
Cena da animação "Anomalisa", que concorre ao Oscar 2016. Imagem: Divulgação

O que acontece é que a tecnologia está nivelando para baixo o acesso ao equipamento, à qualidade em termos de equipamento, e isso é muito bom, porque a gente tem todas as outras matérias-primas necessárias para produzir a animação, que é a capacidade de inventar, a capacidade de improvisar, criatividade... a gente tem tudo isso, e possibilitando o equipamento, a gente está conseguindo render. A animação é hoje uma das maneiras mais viáveis de fazer cinema nacional.

"A animação tem uma característica importante que é o seguinte: hoje em dia, com poucos recursos, você consegue fazer animações de excelente qualidade."

Existem escolas de animação no país, ou os profissionais são autodidatas?

As escolas de animação são um dos principais desafios agora. A gente deu passos muito largos, saindo de uma posição de desconhecidos para o destaque, inclusive concorrendo ao Oscar. Hoje há várias séries no ar, vários estúdios funcionando, mas essa velocidade no avanço teve um custo: algumas etapas foram queimadas. Uma delas foi justamente criar as boas escolas de animação. Hoje a gente não tem isso no Brasil. Há várias iniciativas sendo desenvolvidas, mas a maior parte da mão de obra ainda é autodidata. O Anima Mundi sempre teve essa preocupação e colocou à disposição do público workshops, oficinas para aprender. Da galera que esta fazendo animação agora, grande parte teve o primeiro contato no festival. Mas a gente precisa sim investir em capacitação de alto nível para animadores.

O que a indicação de 'O Menino e o Mundo' deixa como legado para a animação brasileira?

Nós já fomos os mais vitoriosos nesse Oscar. O Menino e o Mundo reafirmou o grande avanço da animação brasileira. A gente está recebendo consultas do mundo inteiro, pedindo programas especiais de animação para levar a outros países, pedindo informações, querendo saber o que está acontecendo. Uma vitória também é que é uma animação feita praticamente de maneira indepedente. O orçamento de O Menino e o Mundo é 350 vezes menor do que o de Divertida Mente, então isso é uma vitória do filme artesanal. O Menino e o Mundo representa a redenção de uma técnica que é tradicional e valoriza, acima de tudo, a artesania, a habilidade manual do artista, resgatando a capacidade que a animação tem de produzir obras-primas a partir de 'quase nada' em termos de estrutura. O filme do Alê é lápis e papel. A animação permite isso.

O Menino e o Mundo - animação brasileira concorrente ao Oscar
O Menino e o Mundo - animação brasileira concorrente ao Oscar. Foto: Divulgação
Creative Commons - CC BY 3.0

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