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Crianças no Pará são alfabetizadas à base do improviso
Criado em 28/08/12 11h59
e atualizado em 28/08/12 14h35
Por Ana Aranha
Fonte:Agência Pública
De fora, a pequena escola Coquirijó, uma das 177 escolas rurais que ficam à beira dos rios de Anajás, parece bem cuidada. As telhas são novas e as paredes brancas valorizam o verde bem pintado nas janelas e no nome do colégio. Na sala da professora Darlene Lobato, 23 anos, os alunos da 4a série copiam em cadernos e folhas sulfite providenciados pela professora a lição sobre “números naturais”, que enche a lousa, enquanto os meninos da 1a à 3a série tentam ler juntos o papel em que a professora transcreveu a cartilha à caneta. É o recurso disponível para alfabetizá-los.
No canto da sala, alguns livros empilhados na prateleira. “Quem dera pudesse trabalhar com eles, são muito distantes da nossa realidade”, ela diz. “Esses livros têm textos difíceis, nem os alunos da 4a série entendem. Alguns ainda não sabem ler”.
Observando de perto, os livros estão sujos e comidos por insetos. Darlene conta que foi um professor quem providenciou as prateleiras recentemente: “Antes, os livros ficavam no chão, amanhecia tudo molhado”.
A escola foi entregue pela prefeitura sem acabamento. Na cozinha, não há mesa ou prateleira. Merenda, pratos, copos e panelas ficam no chão. Por um defeito da tubulação, a caixa d’água não funciona, alunos e professores buscam água do rio com um balde.
Não há eletricidade. À noite, a professora e a servente, que dormem na escola pois moram longe, na cidade, dormem de vela acesa enroladas em redes para se proteger dos morcegos. Darlene tem planos de mandar fazer um forro, mas é difícil juntar dinheiro quando ela tem que tirar do bolso caderno, lápis e xerox para os alunos que não podem pagar e não recebem o que têm direito e foi repassado do MEC para a prefeitura.
Seguindo pelo mesmo rio Anajás, na comunidade Marituba, encontra-se a Escola Municipal Valdomiro Freitas, que fica em cima de um trapiche para evitar alagamento nas épocas de cheia. A escola foi pintada recentemente, com o mesmo verde e branco, mas a estrutura de madeira que cerca o trapiche para impedir quedas – ele está a alguns metros do chão – está solta. A merenda é insuficiente e os alunos bebem da água do rio, sem tratamento. Como Anajás fica no centro da Ilha de Marajó, e não há estradas, os rios são a principal via de transporte e de escoamento do esgoto.
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Sem escola e sem aula
Além desses dois colégios, a reportagem visitou mais quatro na zona rural de Anajás: três estavam sem aula em plena quinta-feira. “Essa escola passa mais tempo fechada do que aberta”, diz o lavrador Fabrício Paiva, que trabalha na frente da escola Laranjal. Ele conta que, mesmo quando tem aula, é comum ver os alunos saindo uma hora mais cedo. “Isso quando eles não ficam só uma hora lá dentro”, diz. “Tem uma conversa que a professora foi pra Belém aprimorar seus conhecimentos. E o conhecimento dos meninos, como fica?”
Na escola São Francisco, não houve aula porque o barco responsável pelo transporte estava quebrado. O professor Pedro Clério Sobrinho mora ao lado da escola, ou melhor, das ruínas da escola abandonada há quatro anos, quando os furos no teto e as rachaduras na parede começaram a assustar. Pedro levou a lousa e as carteiras para um galpão de madeira e teto de palha construído pelos moradores para festas e reuniões – e é ali que a escola funciona, como acontece em outras escolas do interior de Anajás e de Portel.
“Já fizemos até abaixo assinado: ou conserta essa, ou faz outra. Aqui não é local de ensino”. Mas não teve resposta. O professor também não foi atendido quando pediu cadernos, lápis, apontador e borracha esse ano. “Só veio folha de papel”.
Pedro é professor desde 1986 e até hoje é temporário. Ele já tentou o concurso para se tornar efetivo três vezes, mas não passou na prova. Só estudou até o antigo magistério.
Como ele, muitos responsáveis pelo ensino na zona rural não têm ensino superior. Até 2007, professores com magistério podiam dar aula para 1as à 4as série. Desde que o diploma passou a ser obrigatório para lecionar em todas as etapas, multiplicaram-se as faculdades privadas que oferecem cursos de pedagogia à distância com duração de dois anos.
Muitos professores da Ilha de Marajó se matricularam em faculdades, mas nem todos podem levar a graduação à sério. A reportagem conversou com uma professora da zona rural que contou, com bastante naturalidade, que seu irmão faz todas as atividades em seu nome. “Ele me ajuda porque estou isolada aqui, sem computador não dá para cursar”. Essa professora, que se formou no Ensino Médio há três anos, é responsável pela formação de uma turma de 30 alunos da 1a à 4a série.
Para remediar a deficiência na formação dos professores, o MEC oferece às prefeituras convênios de capacitação. Em março de 2006, Anajás recebeu R$ 197 mil para um curso de 15 dias para cem professores da área rural que seria ministrado por quatro educadores de Belém. O orçamento incluía tudo: os honorários dos educadores, alimentação, viagem e estadia na cidade para todos. Mas, na prática, o curso durou cinco dias e foi ministrado por uma educadora de Belém, a única a ter a viagem e hospedagem pagas. Os cem professores da zona rural viajaram e se hospedaram na cidade por conta própria.
Por meio de outro convênio, a prefeitura recebeu ainda R$ 126.800 para a compra de materiais escolares. A ideia era que os professores da zona rural saíssem do curso com mais de 6 mil kits para os alunos com régua, borracha, apontador, cadernos e diversos tipos de papeis, lápis e canetas. Mas, segundo os próprios professores, nenhum deles recebeu o kit.
A denúncia foi feita por meio do Sintepp, o Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública no Pará. “São muitos os desvios de verba, aqui a coisa é escancarada. A gente decidiu se dedicar para provar um caso, de ponta a ponta”, diz o presidente do sindicato em Anajás, Aldomir Ricardo Borges de Menezes, ou Doca, como ele é conhecido na cidade.
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