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Tião Rocha é o entrevistado do Espaço Público desta terça-feira (12/05)

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Escola vive crise porque não dialoga com seu tempo, diz discípulo de Paulo Freire

Criado em 13/05/15 19h32 e atualizado em 13/05/15 21h30
Por Portal EBC

Greves que se arrastam durante meses, com professores que se sentem desvalorizados do ponto de vista financeiro e do social, não se sentido reconhecidos pelo trabalho importante que desempenham, mesmo diante das mais adversas situações, como salas de aulas superlotadas, falta de materiais, infraestrutura, violência e insegurança nas escolas. O quadro do ensino público no Brasil, apesar dos muitos avanços realizados nos últimos anos, não é dos mais animadores.

Em entrevista ao programa Espaço Público, da TV Brasil, na noite desta terça-feira (12), o educador, antropólogo e folclorista brasileiro, Tião Rocha, diz que o sistema educacional brasileiro precisa ser repensado e que críticas à Paulo Freire nas manifestações em prol do impeachment de Dilma é uma demonização de uma figura vinda de uma direita que começou a mostrar a cara.  

Assista o Espaço Público com Tião Rocha na íntegra:

O educador, que teve a honra de trabalhar com Paulo Freire, defende que uma escola que não se prenda a currículos rígidos e estruturas físicas, mas que se baseie no afeto e na valorização do ser humano. Para ele, o modelo educacional brasileiro precisa ser repensado para se adequar às demandas da sociedade atual. “O modelo de escolarização que nós temos é incompatível com os desejos da sociedade, incompatível com o país que a gente precisa. Essa escola está para trás, ela não avançou. Ela continua indo no modelo do século XIX. Ela se parece muito com a fábrica, sistema fabril de reprodução; ela se parece com cadeia, porque tem grade”, diz ele.

Confira alguns trechos da entrevista:

Valorização dos professores

“Se for olhar do ponto de vista salarial, não há nenhum estímulo. Acho que do ponto de vista da realização pessoal, do compromisso dele [professor] com a causa é o que mantém e o que faz sentido ele se dedicar. Acho que ele não espera reconhecimento. Ele gostaria muito, eu acho que eu sinto em meio aos professores com os quais eu convivo, a vontade de mostrar a sua capacidade, seu espaço, com liberdade, com competência e que seja garantido a ele o seu trabalho, a realização do seu ofício. Agora, essa questão da remuneração, da realização, é uma luta inglória, que vai demorar. E acho que não é tanto o professor lutar, é o reconhecimento da sociedade que esse cidadão tem uma importância fundamental na vida de todos nós. E o dia que isso acontecer, a greve vai acontecer de forma diferente: quando os professores pararem, os pais dos alunos vão estar ao lado deles. Essa adesão é que é importante para lutar por um causa.”

Falta de mobilização da sociedade em prol da educação

"Acho que o povo, todos nós queremos educação e os pais querem a melhor educação para os seus filhos. Mas eles não conseguem perceber que as escolas garantem isso. Essas escolas estão fechadas em si, estão em descompasso em relação às necessidades dessas pessoas. Eu sinto isso em situações de escolas que são depredadas. Recentemente em Belo Horizonte, 104 escolas foram depredadas, houve uma reunião, chamaram a polícia para resolver, eu participei de uma dessas reuniões, e falei 'por que é que a polícia está resolvendo a questão da educação?' e eles disseram 'não, é o problema da violência contra as escolas, a segurança das escolas'. Eu fiz a seguinte pergunta: 'no bairro onde as escolas foram depredadas, as igrejas também foram depredadas?' Não. Por que uma comunidade deixa quebrar uma escola e não quebra uma igreja, se as duas são importantes? É que numa ela vê sentido, faz sentido, nem que prometa a fé, e o paraíso entrega depois em prestações, não sei como vai ser. Outra não consegue realizar. Os pais veem que a escola não dá aos filhos aquilo que gostariam. Esse descompasso é um grande problema."

Greve dos professores e crise educacional

Você tem professores comprometidos com uma causa e ter um modelo educacional fechado em si mesmo, ensimesmado, descomprometido, anacrônico, com uma grade curricular – grade, cadeia. Escola ainda tem uma figura que chama disciplinário. Há uns anos eu falei que a única escola que eu conhecia nesse país e que nunca teve greve, evasão, briga, confusão, segunda época – disseram não existe. Eu falei existe: é a escola de samba. Já viram greve em escola de samba? Crise na escola de samba. As pessoas ficaram muito indignadas porque achavam que eu estava descomparando. Disseram 'não, escola de samba é uma bagunça'. Eu disse 'escola de samba não tem disciplinário, tem diretor de harmonia'. Nós estamos falando de outra coisa, é outra lógica. [Escola de samba] tem compasso e tem as pessoas envolvidas por uma causa, um sentindo, convoca as pessoas para alguma coisa. O que eu percebo nisso, com todo horror que essa greve [em Curitiba], esse movimento teve, jogando bombas e pitbulls para cima dos professores, absolutamente um absurdo total, é que precisamos repensar [a escola]. O modelo de escolarização que nós temos é incompatível com os desejos da sociedade, incompatível com o país que a gente precisa. Essa escola está para trás, ela não avançou. Ela continua indo no modelo do século XIX. Ela se parece muito com a fábrica, sistema fabril de reprodução; ela se parece com cadeia, porque tem grade; ela se parece com um quartel, porque é tudo em ordem, hierarquizada; ou às vezes se parece com um hospício, absolutamente esquizofrênica. Como é que ela sai disso? Ela tem que romper com esse pensar e ir para outro lado: pensar em educação.”

Desafios da escola

“Educação só existe no plural, não existe no singular. Para que haja educação são necessárias no mínimo duas pessoas: eu e o outro. E educação não é o que cada um tem, mas aquilo que eles trocam, então é aprendizagem. É possível fazer educação em qualquer lugar, mas é impossível fazer boa educação sem bons educadores. Se você tiver bons educadores, você faz boa educação em qualquer lugar. Não é a questão do espaço físico. Se nós tivéssemos esses bons educadores comprometidos com o destino desses meninos, nós poderíamos aproveitar todos. Qual que é o grande desafio? É formar bons educadores. E o outro desafio da escola é que toda escola deveria ter o compromisso ético de dizer 'nós não podemos perder um'. Nenhum a menos. Que todos os meninos que entrarem na escola deveriam aprender, no seu ritmo, tudo o que eles precisam para serem cidadãos. [Isso] ia mudar a perspectiva. Ela ia olhar para a criança, pelo potencial da criança, e dar para ela no seu tempo, no seu ritmo. O que não pode é o menino chegar na escola e a escola já estar pronta há 500 anos, não importa de onde eles venham. Então, meu manequim é 40, mas eu uso 42 ou 38. Corta o braço, companheiro! Você tem que se encaixar num modelo, numa fórmula, numa forma. O problema é que essa forma está tão cristalizada, que vira formol."

Plano municipal de educação

“A elaboração dos planos é muito fechada. Não há uma convocação para que as pessoas discutam como é que gostariam que seus filhos fossem educados. O que eu percebo é que quando os pais percebem que aquela escola está fazendo a diferença na formação dos seus filhos, eles são os primeiros a lutar por ela. Construir esse link é o desafio. Precisava quebrar isso e trazer a comunidade para discutir essa escola. Há 30 anos eu me perguntava se era possível a gente fazer educação sem escola ou se era possível fazer boa educação debaixo do pé de manga. E eu descobri que é possível, sim, fazer boa educação sem escola, que é possível fazer boa educação debaixo do pé de manga.

Proposta de currículo nacional comum

“Eu acho que é bom e é um perigo. É um perigo por que se isso vira uma norma para fazer um modelo para ser repassado como regra, você vai cristalizar e você vai uniformizar. E se uniformiza, você perde a grande riqueza desse país que se chama diversidade. Nós somos únicos porque somos diferentes. Então, a mesma lógica não pode ser a de enquadramento de todo mundo no mesmo padrão. Se nós pensarmos do ponto de vista de um plano nacional que leve em consideração que nós não podemos perder nenhum, que todos os meninos devem aprender no seu tempo, que a escola tem que garantir isso, a sociedade tem que garantir isso, aí sim nós temos uma base curricular que garanta que esse menino vai aprender."

Caminhos para a educação no Brasil

“Eu acho que a gente precisa estabelecer alguns desafios, a gente tem um que eu ouvi recentemente que é pensar o Brasil como Pátria Educadora. (…) Isso não pode ser um slogan. Eu não estou falando de povo, de governo, estou falando de pátria. (…) Se nós pensarmos nessa pátria e a pátria amada seja educadora no sentido pleno, como é que a gente faz para que todo um movimento vá nessa direção? É convocar as pessoas para uma causa. Nós somos movidos por bandeiras”.

Transformação das comunidades

"A mudança do olhar é a mudança do paradigma. Nós fomos acostumados a olhar a comunidade pelo lado vazio copo e medir o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano]. Há muitos anos que eu digo não meça o IDH. Eu não quero chegar na comunidade e olhar o lado de carência. Carentes somos todos nós. Eu olho pelo IPDH – Índice de Potencial de Desenvolvimento Humano que está lá. (...) Quando eu olho para a comunidade pelo lado cheio do copo, é isso o que garante a ela desenvolvimento e transformação. Porque a transformação é de dentro para fora. Não é de fora para dentro. Essa mudança de perspectiva é fundamental e quando ela acontece, você percebe nas pessoas isso."

Redução da maioridade penal

“Vejo isso como um equívoco, uma visão de uma miopia tremenda. É um retrocesso. Mas eu também sou a favor da redução [da maioridade penal] se no dia em que nós esgotarmos todos os nossos recursos e possibilidades para não perder nenhum menino, que as escolas nossas cumprissem sua função social plena, ou seja, não deixar nenhum para trás, o dia que isso se esgotar, aí eu sou a favor da redução da maioridade [penal]. Mas, como isso não foi feito ainda, se nós pegarmos o Estatuto da Criança e do Adolescente, que não foi cumprido ainda, nada, fundamentalmente, porque lá está estabelecido que ele é a garantia, privilégio, o fator fundamental a essa criança e nós não garantimos isso, nem nas nossas práticas, nem na nossa conduta. Então, não adianta. Se nós não cumprirmos enquanto adultos gestores esse compromisso, não adianta querer mudar para baixar [a maioridade penal], porque é tirar da gente a responsabilidade enquanto sociedade. Acho isso um equívoco, porque nós estamos querendo é diminuir o nosso peso, o nosso ônus e jogando a culpa neles [meninos] o resultado do fracasso. Esse é o grande problema: é quando os meninos sentem que não conseguem crescer porque a culpa do fracasso dentro da escola é dele e não da escola ou da sociedade. Aí a autoestima vai baixando e chega no nível de autodesprezo. E no autodesprezo, companheiro, não tem solução. No autodesprezo o cara cai num buraco sem fundo. Então, por que os meninos vão cair no mundo das drogas e não sei o quê? Porque caiu no autodesprezo. A menos valia da vida, menos sentido. Não permitir isso é fundamental. Quer dizer, se nós não fizemos ainda nem o bê-á-bá, nós não podemos fazer isso, reduzir a nossa culpa nesse processo."

Paulo Freire

"Eu tive o privilégio de conhecer e conviver [com o Paulo Freire]. Nós participamos de um projeto, onde ele era o coordenador em Poços de Caldas (MG), uma convocatória da cidade para analfabetismo zero, e ele era o mentor. Foi na volta dele [ao país], depois ele estava em Campinas (SP), era professor em Campinas. A gente queria discutir a obra dele e estav discutindo um texto do Antonio Cícero de Souza, que é um lavrador do sul de Minas falando sobre educação. E ele dizia assim: 'o que o Ciço falou em quatro horas, eu passei 40 anos para escrever'. E a gente ficava assim [admirada], pois ele era um cara que ouvia um trabalhador e começava a pensar. Ele foi o ser humano para mim, do ponto de vista ético, equilibrado, de uma bondade e generosidade para ouvir, com a voz tranquila e era muito bom, porque não fugia de nenhuma questão. Então eu tive o privilégio de trabalhar com ele."

Críticas à doutrinação marxista nas escolas e a Paulo Freire nas manifestações

"Ele [Paulo Freire] sempre foi ligado aos movimentos populares, de esquerda, que tinham um compromisso com a transformação social e com a equidade. Então, eu acho que é uma espécie de demonização disso [vindo] de uma direita que começou a mostrar a sua cara. Eu acho que é um direito que eles têm [protestar]. Na prática, no nosso trabalho, há 30 anos, eu falo que, ao contrário do evangelho de São João, que o verbo se fez homem, eu falo que, no caso do Paulo Freire, o homem se transformou em verbo. Então, há 30 anos para nós o Paulo Freire virou um verbo, que é conjugável e conjugável só no presente do indicativo: eu 'paulofreiro', tu 'paulofreiras', ele 'paulofreira', nós 'paulofreiramos', vós 'paulofreiras', eles 'paulofreiram'. Não existe o 'paulofreiraria'. Fazer 'paulofreiragem' é usar todo esse recurso: o outro, o amor ao próximo, a dignidade, o desenvolvimento das pessoas, é o ser político, integral, é o compromisso ético. Não é um método, é uma inspiração fantástica. E quando eu vejo esse negócio [críticas a Paulo Freire nas manifestações], cada vez mais eu quero conjugar esse verbo e transformá-lo em algo concreto."

A preocupação com a educação como elemento de transformação social levou Tião Rocha a desenvolver a chamada "pedagogia da roda", uma experiência inovadora com seguidores em vários estados brasileiros e em países, como Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, na África, na qual o foco e a matéria-prima de todo processo de aprendizagem são as pessoas, "seus saberes, fazeres e quereres", como o educador costuma dizer. Com vários livros publicados e prêmios recebidos, ele também é o idealizador e presidente do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), na cidade de Curvelo, em Minas Gerais, uma organização sem fins lucrativos que atua na área de educação popular com foco na qualidade e no desenvolvimento comunitário sustentável.

 

Creative Commons - CC BY 3.0

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