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Racismo prejudica produção científica de pesquisadores negros no Brasil

Criado em 13/05/15 13h53 e atualizado em 13/05/15 13h50
Por Mariana Tokarnia - Repórter da Agência Brasil Edição:Lílian Beraldo Fonte:Agência Brasil

O dia 13 de maio marca a abolição formal da escravatura, mas o Brasil está longe de acabar com o racismo presente nas instituições. Nas universidades, locais de construção do saber, a questão ainda se perpetua na graduação, apesar do sistema de cotas, e mais ainda na pós-graduação e na pesquisa científica, onde são raras as ações afirmativas. Pesquisadores negros relatam à Agência Brasil as dificuldades que enfrentam na academia, desde o ingresso e a permanência até as barreiras para abordar temas que envolvem questões raciais. Para esses especialistas, a tentativa de invisibilidade de negros como protagonistas de processos acadêmicos impacta toda a sociedade.

As trajetórias se repetem em diferentes universidades e ambientes acadêmicos. A mestra em educação Verônica Diano Braga conta que não conseguiu, ainda na graduação, um professor que concordasse em fazer a orientação sobre o tema “O rap para a juventude de periferia”. Por conta própria, ela pesquisou, escreveu e apresentou o trabalho de conclusão de curso.

As pessoas tendem a achar que discutir relações raciais, discutir sobre as questões da população negra, é falar sobre algo limitado. Não é, diz a historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto (Valter Campanato/Agência Brasil)

"As pessoas tendem a achar que discutir relações raciais, discutir sobre as questões da população negra, é falar sobre algo limitado. Não é", diz a doutora em história Ana Flávia Magalhães Pinto Valter Campanato/Agência Brasil

A doutora em história Ana Flávia Magalhães Pinto tentou ingressar no mestrado em comunicação social com o tema imprensa negra no século 19, mas não foi aceita. A recomendação foi que ela - que tinha graduação em jornalismo - tratasse do assunto no departamento de história, onde foi aceita. Atualmente, Ana Flávia é referência no tema, inclusive, na própria comunicação.

"Uma série de preconceitos levava a restringir [o estudo do tema] e isso acontece em várias áreas. Existe uma incapacidade das pessoas de compreenderem que falar da experiência negra no Brasil é falar sobre a população brasileira [majoritariamente negra]. As pessoas tendem a achar que discutir as relações raciais, discutir sobre as questões da população negra, é falar sobre algo limitado. Não é", diz Ana Flávia.

“A questão do preconceito, do racismo começa quando eu me declaro mulher negra. Quando eu me declaro mulher negra, pós-graduada e professora universitária, ele aumenta muito mais”, diz Verônica, que trabalha em uma instituição privada onde, segundo ela, de 300 professores, três são negros, sendo ela a única mulher.

“Já houve situações em que fui a eventos e a secretária disse: ‘senhora, não posso te atender, estamos muito ocupados’, e eu era a palestrante principal. Eu deixo. Quando a pessoa que me convidou chega e pergunta porque eu não me apresentei, eu digo que tentei, mas não consegui. Há discriminação estética. As pessoas não estão preparadas para que uma mulher negra e jovem seja a doutora ou a mestre”, acrescenta Verônica, também conhecida no hip hop como Vera Veronika.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, mais da metade da população brasileira (52,9%) é negra (soma daqueles que se declaram pretos e pardos). A porcentagem, no entanto, não se repete em espaços como a academia. A Pnad mostra que 0,19% da população do país cursa mestrado ou doutorado. De um total de 387,4 mil pós-graduandos, 112 mil são negros – menos da metade dos 270,6 mil brancos.

Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), Paulino Cardoso, defende maior presença de negros na pós-graduação (Valter Campanato/Agência Brasil)

Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), Paulino Cardoso, defende maior presença de pretos e pardos na pós-graduação Valter Campanato/Agência Brasil

“A pós-graduação é estratégica, pois é da pós-graduação que saem aqueles que vão dirigir o nosso país, os órgãos governamentais, as empresas brasileiras. São todos mestres e doutores os que ocupam os espaços de poder”, explica o presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), Paulino Cardoso. "É um espaço onde a produção de conhecimento é reatualizada e, sem a presença dos estudantes afros, essa diversidade não é incorporada como um tema de pesquisa. E isso vai para todas as áreas", acrescenta.

A dificuldade de ingresso aliada à escolha do tema de pesquisa são dificuldades dos pós-graduandos negros. Faltam linhas de pesquisa que contemplem questões étnico-raciais e faltam orientadores que se interessem pelos temas, analisam os especialistas entrevistados pela Agência Brasil.

O mestre em antropologia social e doutorando em transportes Paíque Duques Santarém avalia que os estudantes negros sofrem na academia quatro tipos de segregação. A primeira, já no processo de seleção, quando são feitas entrevistas orais por professores majoritariamente brancos. A segunda é o financiamento, a dificuldade em se manter em cursos que pedem, na maior parte das vezes, dedicação exclusiva, sem o auxílio financeiro da família. Ele cita ainda a convivência com colegas majoritariamente brancos e a necessidade de lidar com uma ciência que historicamente excluiu os saberes negros.

"São normais os casos de ser o primeiro, o segundo, o décimo estudante negro em um curso de pós-graduação. O isolamento ocorre no tempo presente, em que você está ali com poucos pares para compartilhar as suas angústias do ponto de vista racial. Além disso, não há pessoas que passaram por essa experiência e que possam te repassar vivências. E ainda tem a sensação de que talvez não vá ter ninguém ali posterior a você", diz Santarém.

Editor Lílian Beraldo
Creative Commons - CC BY 3.0

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