one pixel track analytics scorecard

Digite sua busca e aperte enter


canoagem velocidade

Imagem: Rio 2016

Compartilhar:

Jesus Morlán: espanhol linha dura é segredo de medalhas na canoagem

Criado em 21/08/16 10h22 e atualizado em 21/08/16 10h35
Por Edgard Matsuki - Enviado especial do Portal EBC Edição:Adriana Franzin

Uma conversa durante um almoço meses antes das Olimpíadas ficou marcada na cabeça dos integrantes da equipe brasileira de canoagem. Concentrado em Lagoa Santa (MG), Isaquias Queiroz fez uma proposta ao técnico Jesus Morlán. “Ele propôs ganhar férias até janeiro de 2017 se ganhasse as três medalhas olímpicas”, conta Morlán. Essa foi a primeira vez que Isaquias falou em ganhar medalhas e o técnico aceitou o desafio. Aceitou, mas não dá mostras que vai pagá-lo.

“Não, não é assim. Um menino de 22 anos como Isaquias não pode ter quatro meses de férias. Quem tem 28, 30 anos pode parar. Mas ele ainda está engatinhando no esporte. De repente, ele pode ter férias até outubro, fazer um estágio pequeno, depois voltar para casa. Temos que ver”, disse o técnico ao ser indagado sobre a proposta do canoísta. Essa postura do espanhol ajuda a explicar como a seleção ganhou tantas medalhas no esporte em 2016.

Linha dura, Morlán chegou ao Brasil em 2013 para revolucionar o sistema de treinos da canoagem. Trabalhando com uma equipe promissora, mas sem grandes conquistas em nível mundial, Morlán “confinou” Isaquias Queiroz, Erlon Silva, Ronilson Oliveira e Nivalter Santos em Lagoa Santa. Lá, ele pode começar mudar a mentalidade dos atletas. Estava tão focado que chegou a esconder um problema familiar.

“A gente trouxe o Jesus para o Brasil e, na semana seguinte, a mulher dele teve um grave acidente de moto na Colômbia. E ele não contou nada a respeito para a gente. Só foi visitar a esposa quatro meses depois do acidente, quando teve uma folga dos treinos. Ele não quis contar nada e interromper o trabalho aqui justamente porque estava implantando um método novo”, conta Guilherme Bechara, membro da Confederação Brasileira de Canoagem.

Colocando a seleção brasileira acima até da própria família, Jesus começou a moldar os próprios atletas ao seu estilo. No meio de “meninos”, Jesus pediu mudanças no físico deles. “Quando Jesus chegou, a gente era muito mais forte. Nivaldo era como se fosse o Hulk. Mas aí ele falou: vocês vão perder esse corpinho aí. O Nivaldo começou a secar mais, eu também comecei a perder um pouco mais de massa”, conta Isaquias.

Além da mudança na parte física, Jesus também quis mudar o comportamento dos atletas. “A casa é extraordinária. Criamos uma rotina. A rotina leva a disciplina. Eles não tinham tanta disciplina e melhorou muito”, conta Jesus. Claro que isso não significa que o local se tornou um “quartel”. “A gente tá sempre brincando um com outro. Ninguém escapa, nem mesmo o Jesus. Ele chegou com o cabelo pretinho e tá branco agora comigo”, brinca Isaquias.

Técnico bancou Isaquias em três provas

Logo os resultados começaram a aparecer. E, no meio das conquistas, o nome de Isaquias Queiroz se destacou. Contrariando a lógica do esporte, ele estava conseguindo boas posições em provas de curta e de média distâncias. E, nesse momento, Jesus teve que tomar uma decisão primordial para os resultados nas Olimpíadas: bancar o nome dele para participar dos 200m, dos 1.000m e dos 1.000m em duplas. E aí os nomes de Nivalter e Ronílson passaram a ser primordiais.

Antes da escolha de colocar Isaquias nas três provas, a seleção era formada por Nivalter nos 200m, Isaquias nos 1.000m e Ronílson e Erlon nos 1.000m em duplas. “É difícil para oRonilson, por exemplo, ele tinha feito o melhor tempo da vida dele e estava fora. Mas o Isaquias tinha chance de medalha. Não tinha como não escolher”, conta Jesus. Mesmo sendo obrigados a ceder as vagas, Ronílson e Nivalter tiveram papeis primordiais.

Enquanto Isaquias se poupava para correr as provas individuais, Ronilson é que treinava com Erlon nas duplas. Durante a concentração, Ronílson também tinha um papel importante na manutenção do grupo. “Quando o Ronilson recebeu a notícia que não iria para os jogos, ele poderia ter saído. Mas ficaria complicado para mim. Ele é o cara que mais brinca comigo. Ele é muito legal. Não sei nem se ia ganhar. A gente cresceu muito no coletivo e ele sempre me ajudou”, diz Isaquias.

Com tudo planejado, faltava apenas uma coisa para o caminho das medalhas: evitar que eles ficassem deslumbrados com as Olimpíadas. Jesus já tinha conhecido o gosto de treinar um medalhista olímpico (David Cal, ídolo do esporte na Espanha) e não havia gostado do assédio da imprensa. Para que as coisas ocorressem de forma diferente, ele isolou a equipe e proibiu entrevistas.

A tática parece ter dado certo. Tanto que após conquistar três medalhas, o próprio Isaquias não tinha muito noção do que havia acabado de fazer. “No hotel, eu me perguntei: é essa a sensação de ganhar a medalha olímpica? Não tô sentindo nada, respondi para mim. Sinceramente, um dia de treino do Jesus é muito mais difícil do que correr as Olimpíadas todas”, respondeu Isaquias com sinceridade.

Jesus quer projeto para ficar

Assumidamente supersticioso como “alguém do norte da Espanha”, Jesus evitava falar em renovação de contrato com a seleção brasileira até a conquista das medalhas. “Eu não falo de futuro enquanto vivo o presente. Agora que a gente ganhou a medalha, podemos conversar”, diz Jesus. “Mas precisamos ter um projeto. Um que justifica um time de quatro anos. Falta isso ainda”, completa.

O técnico diz que quer ficar e o tal projeto sem dúvida foca nos Jogos Olímpicos de 2020 e em fazer mais história. Para tanto, ele vai ter uma atenção especial com Isaquias. “O caminho de Isaquias é largo. Ele tem 22 anos, vai ter que ter uma maturidade para suportar o sucesso. Com sucesso, você tem obrigações sociais, mais ainda tem que treinar muito. Quando se vem de trás, é fácil. Agora a pressão vai crescer muito. Ele pode até ganhar mais medalhas, mas o caminho não é fácil”, diz.

Na equipe, o desejo é que Jesus não vá embora. “O Jesus passou uma filosofia de chegar e ficar focado nos treinamentos. Ele é muito importante”, conta Isaquias, que mesmo sem os quatro meses de férias prometidos pelo técnico, espera que a parceria Brasil-Espanha na canoagem continue por pelo menos mais quatro anos.

Creative Commons - CC BY 3.0

Dê sua opinião sobre a qualidade do conteúdo que você acessou.

Para registrar sua opinião, copie o link ou o título do conteúdo e clique na barra de manifestação.

Você será direcionado para o "Fale com a Ouvidoria" da EBC e poderá nos ajudar a melhorar nossos serviços, sugerindo, denunciando, reclamando, solicitando e, também, elogiando.

Fazer uma Denúncia Fazer uma Reclamação Fazer uma Elogio Fazer uma Sugestão Fazer uma Solicitação Fazer uma Simplifique

Deixe seu comentário