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Criança precisa de ócio para decidir como e com o que quer brincar, diz educadora
Criado em 03/05/16 11h16
e atualizado em 03/05/16 11h38
Por Portal EBC
Fonte:Fundação Maria Cecília Souto Vidigal
Idealizadora do projeto Teritório do Brincar, Renata Meirelles percorreu o Brasil entre 2012 e 2013, para pesquisar como se comportam e do que brincam as crianças de cada canto do país: comunidades rurais, indígenas, quilombolas, grandes metrópoles, sertão e litoral.
Com a experiência de educadora e o material que colheu durante este tempo de pesquisa, Renata lançou o documentário "Território do Brincar", em 2015. Neste ano, ela está prestes a colocar mais uma produção em cartaz: “O Começo da Vida”, que deverá chegar aos cinemas ainda este mês.
Sobre a importância de um brincar livre, do silêncio e do contato da criança com a natureza, Renata conversou com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Confira:
FMCSV – Para você, Renata, existe um brincar ideal?
Renata Meirelles – O brincar é a oportunidade de a criança ser o que é. Quanto mais você restringe esse brincar, com tutela, serviços, tecnologia, brinquedos elaborados, menos contato ela terá consigo mesma. A criança precisa desse espaço de ócio onde decide o que, como, quando e com quem quer brincar. Vemos crianças muito supervisionadas, sob o olhar do adulto, especialmente nos centros urbanos e nas famílias de classe média e alta. Dessa forma, a criança perde um espaço de liberdade e dessa escuta interna e essencial.
FMCSV – Então, o brincar solitário faz bem à criança?
RM– A criança necessita do silêncio, e conseguir se escutar. Mas isso não, necessariamente, signifique estar sozinha. Algumas vezes sim, e deve ser respeitado. Mas as crianças não estão precisando de mais falas externas, de tantos estímulos de mídia, tantas orientações sobre o que fazer, e desses conteúdos que chegam de fora para dentro. Ela mesma precisa responder questões básicas, como “o que quero fazer?”, “como posso fazer isso?”. Digo sempre que essa escuta no brincar é um exercício do desejo. Quanto mais ela tem a liberdade de escolher o que quer brincar, com quem quer brincar, onde quer brincar, mais acesso ela terá a quem ela é. Ou seja, no brincar, a criança se reconhece a partir de um desejo seu e de como ele se configura por meio das ações que ela realiza no mundo.
FMCSV – Muitos adultos continuam delegando à criança várias atividades durante o dia.
"Pois é. Há uma ilusão de que é preciso preencher todo o tempo da criança para que ela não se sinta sozinha. É preciso mudar essa concepção."
FMCSV – Como você vê o brincar em grupo, com outras crianças?
RM– Vejo como essencial. Por meio dessa interação, a criança encontra referências de como o outro age e o que ele faz. Isso lhe dá oportunidade de experimentar, explorar, buscar novas formas de fazer o que os outros estão fazendo, e cria um contorno para que ela entenda seus limites, como funcionam as regras sociais, e conheça o contexto ao seu redor. A mesma coisa quando brinca com o adulto ou simplesmente fica perto dele enquanto faz algo como um bolo, jardinagem, construções em geral etc. A referência é aprendida sem precisar ser ensinada, apenas vivenciada em conjunto.
FMCSV – Como que a mãe gestante pode, desde a gravidez, preparar esse ambiente do brincar para seu filho que está chegando?
RM – Existe uma comunicação afetiva desde os primórdios da gestação. Uma comunicação não formalizada entre mãe e bebê que está ali, acontece naturalmente. Por isso, quanto mais a mãe puder ter contato com coisas boas, dando-se prazer e bem-estar, ela vai construir uma relação leve. Além disso, falar com a “barriga”, contar histórias, cantar, exprimir suas emoções sobre a chegada dessa criança, tudo isso é um passo para construir sentimentos saudáveis que serão vividos no brincar de seu filho.
FMCSV – No filme “O Começo da Vida”, você fala da importância do brincar e de outro aspecto: o contato da criança com a natureza.
RM – Sim. Esse contato é muito importante. A criança, de forma muito autêntica, entende todas as relações intrínsecas à natureza e a ela própria. Ela se sente parte de tudo isso. Comunga com esse ambiente. Afastá-la da natureza é afastá-la de sua essência. O contato com a natureza é vivencial e não se dá pelo conhecer, informar, alertar. É poder explorar, sentir, testar, algo bem simples, como é o brincar. Sozinha ou na companhia do adulto, ela pode olhar o céu, observar as plantas, admirar os insetos, vivendo o que aquele momento permite, com liberdade e alegria.
FMCSV – E como se dá a interação com o adulto? Muitos falam que “gente grande” não sabe brincar…
RM – Precisamos abandonar esse discurso de que o adulto não sabe brincar ou, ainda, de que a criança de hoje não sabe brincar como a criança de antigamente. O brincar é de todos, está em todos e se realiza na ação, no cantar junto, no correr e pular. Na alegria, na liberdade, na diversão. É dessa forma que se cria vínculo, empatia, autonomia. Todos são capazes disso, crianças e adultos.
* Renata Meirelles é Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da USP, idealizadora do Projeto BIRA – Brincadeiras Infantis da Região Amazônica – e do Projeto Território do Brincar, em correalização com o Instituto Alana. Autora do livro “Giramundo e outros brinquedos e brincadeiras dos meninos do Brasil”, vencedor do Prêmio Jabuti em 2008, e do “Cozinhando no quintal”. Codiretora de diversos filmes de curta-metragem e do documentário “Território do Brincar”.
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