A greve geral da notícia

Publicado em 03/05/2017 - 13:55 e atualizado em 04/05/2017 - 16:06

Coluna da Ouvidoria
Joseti Marques - Ouvidora da EBC

Crédito da foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A cobertura da greve geral de sexta-feira, 28/4, mereceu análises contundentes das duas únicas jornalistas que exercem a função de ombudsman em jornais brasileiros – Paula Cesarino Costa, na Folha de S. Paulo, e Tânia Alves, no jornal O Povo, de Fortaleza/CE. Paula Cesarino aponta a abordagem parcial dos fatos, pela Folha e pela imprensa em geral, que deixou de fora o interesse público ao não enfocar “o outro lado da moeda”, representado pela perda de direitos em nome do ajuste fiscal, motivo da greve: 

“Será que o vandalismo em pontos isolados do Rio e de São Paulo era notícia a destacar em enunciado de manchete, se a própria Folha escreveu que a calmaria reinou durante quase todo o dia? Por que valorizar as cenas de confronto, em vez de imagens que pudessem, por exemplo, mostrar o que diziam as faixas levadas às manifestações?”.

Destacando as reclamações dos leitores, a ombudsman do jornal O Povo criticou a decisão editorial do jornal de destacar, como manchete principal, uma matéria fria sobre projetos de construção de presídio de segurança máxima pelo Governo do Estado, deixando em segundo plano a notícia da greve geral.  Tânia Alves recorreu ao Guia de Redação e Estilo do próprio jornal para lembrar, em sua crítica, que a melhor notícia é aquela capaz de gerar consequências para o mundo, a sociedade e a maioria de seus leitores:

“Naquele dia, a convocação da greve era o assunto de maior interesse público. Disso não se poderia fugir, sob o risco de, cada vez mais, levar o impresso para a irrelevância”.

As críticas feitas pelas jornalistas aos veículos da mídia privada cabem também ao jornalismo da mídia pública. Menos conhecida do que nos dois jornais citados, a função de ombudsman, na Empresa Brasil de Comunicação-EBC, é uma atribuição da Ouvidoria, que tem a obrigação legal de produzir análises sobre a qualidade do serviço prestado pelos veículos públicos geridos pela empresa. 

E é neste âmbito que se inscreve a crítica sobre como os veículos da EBC noticiaram a greve geral contra as reformas trabalhista e da Previdência.

Portal EBC e Agência Brasil

No Portal EBC, que deveria ser a porta de entrada para os conteúdos produzidos pelos outros veículos da empresa, lia-se na manchete: “Trabalhadores de várias categorias param hoje em todo o país”. Mas o principal fato do dia logo desapareceu da janela principal, dando lugar a assuntos que naquele momento não tinham tanta relevância para o interesse público: “Justiça manda PM sair de casas ocupadas no Complexo do Alemão” e, pouco depois, a “Mais de 100 mil pessoas devem passar pela Rodoviária Novo Rio”. E neste momento, as manifestações se avolumavam.

Os acontecimentos mais relevantes do dia reaparecem no Portal somente mais tarde, em uma nota oficial, repercutindo a notícia que o Portal não deu: “Ministro da Justiça avalia que a greve foi um fracasso”. 

O Portal da EBC produz chamadas a partir do material publicado na Agência Brasil, e é para lá que deverá atrair a atenção do usuário. No entanto, sem aderência aos fatos, o internauta não se sentirá estimulado a entrar e seguir até a notícia.  O que seria uma perda, porque a cobertura da greve geral na Agência Brasil foi equilibrada e informativa. Mesmo enfatizando a paralisação dos transportes públicos – que inegavelmente afeta a vida das pessoas –, os acontecimentos foram adequadamente contextualizados; a greve e os fatos motivadores não foram omitidos como nos outros veículos da EBC; os focos de tensão entre polícia e manifestantes foram narrados de forma equilibrada na maioria das 29 reportagens.

TV Brasil

Na edição da tarde do telejornal Repórter Brasil, o texto de apresentação da notícia reproduziu a distorção de foco apontada em toda a imprensa pela ombudsman do jornal Folha de S. Paulo. O destaque, logo na chamada, foi para o transtorno ao transporte público e para um fato policial que sequer mencionado na reportagem que veio a seguir: 

“A greve geral contra as reformas trabalhista e da Previdência paralisou o transporte público em São Paulo pela manhã. Ônibus, trens e metrô não circularam; apenas a Linha quatro, que é privatizada, opera normalmente. Cerca de três milhões de passageiros ficaram a pé. Também houve manifestações e dezesseis pessoas carregando pregos e gasolina foram presas, depois de jogar objetos na polícia.”

A reportagem reproduziu o que a chamada anunciou, abordando a falta de transporte e os focos de tensão sem, contudo, mostrar ou se referir às “dezesseis pessoas carregando pregos e gasolina”. Na edição, a seleção de depoimentos de transeuntes destacou apenas a reclamação sobre a paralisação dos transportes. A greve geral que motivou os fatos narrados sequer foi mencionada na matéria. 

Ao final da reportagem, de volta ao estúdio, o apresentador promete: “Daqui a pouco vamos mostrar como foi esta manhã tumultuada em outras cidades do país”. 

Na matéria que veio a seguir, o principal da notícia desaparece para dar lugar ao acessório sem relevância: 

“Mais de 20 estados e o Distrito Federal tiveram paralisações e manifestações. No Rio de Janeiro, houve confusão e até briga”. O esforço de uma reportagem feita a partir de Brasília se perdeu em meio à falta de foco geral do noticiário.

Na edição da noite do telejornal, a notícia da greve geral foi a primeira da escalada – relação de notícias mais importantes da edição que abre o telejornal. Mas a interferência da subjetividade dos editores, explícita em uma frase do texto, frustra logo de início a expectativa de qualidade da informação:

“O dia de greve geral. Manifestantes protestam contra as reformas da Previdência e trabalhista. O movimento prejudicou o transporte público em várias cidades, mas não parou o país.”

O que é parar – ou não – o país? Como se mede isso? Uma das possibilidades seria através de um balanço de greve; mas como a greve não foi o foco das notícias e também não havia informações de balanço, a frase de efeito ficou sem sentido, principalmente sentido jornalístico. Mais adiante, em outra reportagem, ainda no primeiro bloco do jornal, o tom da apresentação muda completamente: “Trabalhadores foram às ruas hoje contra as reformas trabalhista e da Previdência. Na maioria das cidades, as manifestações foram pacíficas”.

Não houve reportagem a seguir, mas uma sequência de imagens curtas de manifestações em várias cidades. Ao contrário das narrativas que vinham sendo veiculadas, foram excluídas, do texto descritivo destas imagens, quaisquer referências a prejuízo nos transportes e focos de tensão que, afinal, também ocorreram e eram parte acessória da notícia. As manifestações no Rio de Janeiro foram apresentadas separadamente, com um texto pouco informativo sobre confrontos entre policiais e manifestantes, dizendo que, “na Cinelândia, onde acontecia um ato pacífico, o clima esquentou”.  

A expressão “o clima esquentou” não foi esclarecida na matéria que veio a seguir – um curto flash dando o balanço dos ônibus queimados da cidade. Mas talvez se referisse a um fato noticiado em reportagem da própria Agência Brasil, sobre uso desproporcional de violência por parte de policiais, que atiraram bombas de gás contra a população que cantava o Hino Nacional em ato na Cinelândia. 

A segunda matéria do telejornal sobre o assunto, uma reportagem mais alentada, enfocou apenas o transtorno causado pela paralisação do transporte público, o bloqueio das estradas e os focos de tensão entre polícia e manifestantes. 

Nas edições radiofônicas do Repórter Brasil e do Repórter Nacional, dois principais informativos nas rádios da EBC, a mesma abordagem parcial. Em meio a tantas pessoas nas manifestações, o radiojornalismo ouviu apenas aquelas que reclamavam da paralisação dos transportes públicos.

Como disse a ombudsman da Folha, “na sexta-feira, o bom jornalismo aderiu à greve geral. Não compareceu para trabalhar”. Mas certamente esse dia será descontado do capital de credibilidade do jornalismo público e da imprensa em geral. 

Até a próxima!

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