O difícil caminho do meio na cobertura das manifestações

Publicado em 15/12/2015 - 18:18 e atualizado em 26/01/2016 - 11:19

Por Joseti Marques Editor Joseti Marques

Fonte Ouvidoria EBC

Coluna da Ouvidoria

Joseti Marques - Ouvidora da EBC

No dia seguinte às manifestações do último domingo, 14/12, a Ouvidoria recebeu uma crítica do leitor Roberto das Graças Alves, que mora em Pedro Leopoldo, Minas Gerais. Ele reclama do texto das reportagens da Agência Brasil sobre o ato ocorrido em Brasília, a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Ele diz que “não é razoável uma agência do GOVERNO ser CONTRA e não ser fiel aos fatos” – assim mesmo, com letras maiúsculas.  Um outro leitor que mora em Recife, Pernambuco, e não autorizou sua identificação, diz que se sente “assustado e envergonhado” com o que classificou como falta de isenção na mesma cobertura em Brasília, reclamando ainda do texto de chamada para a matéria na capa do Portal da EBC.  Ele transcreveu trecho da reportagem, como que para atestar o motivo de sua indignação:

"Com enterro simbólico do PT no gramado em frente ao Congresso Nacional, milhares de pessoas, vestidas de verde e amarelo, encerraram a manifestação pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em Brasília. O ato, que começou por volta das 11h...".

E ao final, ele justifica: “milhares de pessoas é forçar demais!”.

Apenas essas duas mensagens chegaram à Ouvidoria sobre a cobertura das manifestações, mas para nós é motivo suficiente para analisarmos o trabalho realizado pela reportagem da Agência Brasil sobre o assunto.

Antes, no entanto, precisamos informar ao leitor Roberto das Graças Alves que a Agência Brasil não é uma agência do Governo, como ele indicou na sua reclamação. A agência Brasil é um veículo público de comunicação e não um veículo de comunicação governamental – o que significa dizer que o compromisso da Agência é com o interesse público, sem distinção de espécie alguma, não importando de que forma pensam as pessoas e nem as suas preferências políticas ou partidárias. Aliás, esse deveria ser o compromisso de todo jornalismo, não importando se é de empresa pública ou privada.  E é a partir dessa compreensão que vamos analisar as reportagens feitas pela Agência Brasil, embora o fato de ser pública não salve seus profissionais de cometer eventuais equívocos.

No caso da reclamação do nosso leitor pernambucano, não houve incorreção na referência a serem “milhares de pessoas”, já que pelos cálculos da PM havia cerca de “5 mil a 6 mil” pessoas; portanto, milhares.  Mas a falta de objetividade do parágrafo gera uma espécie de falseamento da realidade, no caso, por exemplo, de não haver mais “milhares de pessoas” no momento final do “enterro simbólico” a que se refere o texto.

Na avaliação da Ouvidoria, a cobertura foi deficiente, apresentando muitas falhas. Não houve referência, por exemplo, ao fato de as manifestações estarem ocorrendo em outras cidades.  A Agência Brasil cobriu apenas Rio, São Paulo e Brasília. Esse dado, embora seja uma fragilidade da cobertura, poderia ser visto como apontando na direção contrária à parcialidade reclamada pelos leitores.

ANÁLISE DAS REPORTAGENS

Em Brasília

Na primeira matéria feita em Brasília, às 11h43, com atualização às 13h38 – Manifestantes vão às ruas em Brasília a favor do impeachment – o primeiro problema que logo se nota é que a legenda da foto tem exatamente o mesmo texto que dá início à matéria. Outra inadequação é a referência aos números de manifestantes. Diz o texto: “a PM divulgou algo entre 500 e 600 pessoas, (...) mas a reportagem da Agência Brasil estimou que, nesse horário, havia entre mil e 1,5 mil pessoas”. Esse não é um território em que a reportagem deva imiscuir-se, sob pena de, aí sim, ser considerada contra ou a favor de grupos. Afinal, a metodologia de verificação dessas proporções não faz parte das competências jornalísticas e o jornalista não é fonte autorizada para isso. Em seguida, no texto, informa-se que “a PM reviu o número e informou que entre 4 mil e 5 mil pessoas participaram...”. A revisão dos números em tão curto espaço de tempo apenas faz pensar que a informação inicial foi uma precipitação da reportagem.

Na parte final do texto, sobre grupos que panfletavam contra o impeachment em outro local, a reportagem não foi capaz de quantificar, como fez no outro caso, embora talvez o número fosse bem menor.  Segundo a reportagem, o ato teve “participação de poucas pessoas”.

O último parágrafo da matéria informa sobre uma festa simbólica de aniversário para a presidenta Dilma Rousseff, organizada por grupos que apoiam o governo. Ao não citar a fonte ou vincular a informação ao grupo de manifestantes, o texto fica parecendo uma agenda.

Na segunda reportagem – Ato pró-impeachment em Brasília termina de forma pacífica em frente ao Congresso – duas questões, que já estão se tornando lugar-comum na cobertura dessas manifestações, merecem uma reflexão: por que referir-se ao fato de ter sido uma manifestação pacífica?  Por que citar que “o movimento foi marcado pela presença de famílias com crianças e idosos”? No mais, a matéria reproduzia o que a primeira já havia relatado, inclusive a “agenda” do aniversário da presidenta.

No Rio de Janeiro

A primeira matéria, publicada às 14h57 – No Rio, manifestantes defendem impeachment e novas eleições – foi muito sucinta, como um boletim, não dando maiores detalhes do que estava realmente ocorrendo.  A segunda reportagem, publicada às 18h21, tem duas inadequações de texto: uma é a que diz que a manifestação terminou “pontualmente às 15h30”, sem que tenha havido qualquer indicação de que o evento teria hora marcada para acabar.  Outra, a de que os grupos foram se dispersando, indo “em direção às suas casas”. Como saber se realmente estavam indo para suas casas?

Uma contradição incontornável entre título e texto nos leva de volta à reflexão sobre o que se quer dizer com “sem incidentes” e “de forma pacífica”. O título da matéria diz: “Manifestação por impeachment é encerrada sem incidentes no Rio”. No entanto, no último parágrafo do texto, lê-se que “a manifestação foi pacífica e os policiais tiveram que agir apenas para dispersar um grupo de skatistas que participavam de um encontro na Avenida Atlântica e foram confundidos com petistas pelos organizadores do protesto. Um PM chegou a apontar uma arma para o grupo, que não reagiu. O policial acabou convencido por pessoas que passavam no local a baixar a arma”.  Se isso não foi um “incidente”, certamente terá sido algo muito pior, que a reportagem não poderia desconhecer ou negligenciar.

Em São Paulo

A matéria publicada às 14h45 – Manifestantes pró-impeachment concentram-se na Avenida Paulista – também faz referência a famílias na manifestação, ao creditar um dos entrevistados: “acompanhado da esposa e das duas filhas, de 7 e 5 anos...”.  Que tipo de cenário se pretende fazer com essa referência, em um ato que reúne milhares e pessoas?  A reportagem descreve muito mais os motivos dos manifestantes, através das entrevistas, do que propriamente o que está ocorrendo na manifestação. O texto apenas dá gancho para as falas dos entrevistados, que explicitam seus discursos e críticas. No último parágrafo, são citados os grupos que, na manifestação, defendem outras causas, como os da Fiesp, que são contra aumento de impostos e a volta da CPMF. Apesar de ter citado isso, não houve, na reportagem, qualquer referência ao pato gigante que a Fiesp levou para a avenida e que pode ser visto na foto da própria agência. É como se a reportagem não tivesse sido feita a partir do local.

Na segunda matéria, publicada às 19h36 – PM diz que manifestação pró-impeachment reuniu 30 mil na Avenida Paulista – traz na legenda da foto uma informação ambígua e também inadequada: “Organizadores da manifestação, que esperavam menos adesão que a de outros protestos realizados neste ano, surpreenderam-se com o número de pessoas que foram ao ato na Avenida Paulista”. A informação é inadequada porque despreza o dado objetivo da foto e da pauta para noticiar impressões dos grupos organizadores, reforçando a ambiguidade da frase, que sugere que a adesão de manifestantes terá superado a de outros atos. O texto da reportagem praticamente repete os dados da primeira matéria, ainda privilegiando informações retiradas das declarações dos organizadores do ato. No terceiro parágrafo, mesmo que atribuindo a informação a um dos líderes dos grupos organizadores, a reportagem informa a agenda da próxima manifestação.  Pelas matérias, o leitor não consegue saber como foi a manifestação em São Paulo.

A nota do ministro

Às 20h51, a Agência Brasil publicou declaração do ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) sobre as manifestações  – Edinho Silva: “manifestações são normais em uma democracia”. No curto texto da nota, uma frase mal construída pode soar equivocadamente: “A assessoria da Secom disse que é um posicionamento do ministro”. A matéria, feita em Brasília, é ilustrada com foto da manifestação em São Paulo.
Os leitores que reclamaram atiraram no que viram e acabaram acertando no que não viram.

Até a próxima!

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