Notícias fora de tom sobre o caos nos hospitais estaduais do Rio

Publicado em 26/01/2016 - 11:25 e atualizado em 26/01/2016 - 13:00

Por Joseti Marques Editor Joseti Marques

Fonte Ouvidoria da EBC

Coluna da Ouvidoria

Joseti Marques - Ouvidora da EBC

No dia 26/12, a Agência Brasil publicou duas matérias sobre a situação caótica dos hospitais estaduais no Rio de Janeiro. Na primeira,  “Situação hoje é de normalidade nos hospitais estaduais, informa secretaria”, publicada às 15h19, a reportagem, mesmo atribuindo a informação à fonte, assume exatamente o que diz o título – a situação de calamidade nos hospitais estaduais está superada. Pelo título, o leitor também não fica sabendo de que estado são os hospitais e nem a secretaria, como se a redação partisse do princípio de que o leitor já sabe do que se está falando ou que lerá o complemento no parágrafo abaixo, o que, do ponto de vista jornalístico, é uma suposição inadequada.

No entanto, ainda mais inadequado é a reportagem considerar que informações de fontes oficiais são capazes de dar conta da realidade dos fatos: “Três dias após a decretação do estado de emergência e do recebimento de ajuda dos governos federal e municipal, os dez hospitais da rede estadual localizados na capital e na região metropolitana do Rio de Janeiro têm funcionamento normal neste sábado (26)”.

Em situações que envolvem, de forma dramática, a vida das pessoas, não é suficiente saber o que dizem as autoridades. Ainda mais quando a contradição é óbvia – em uma situação caótica, não é crível que a “ajuda dos governos federal e municipal” possa produzir efeitos tão imediatos. Às 18h16, uma outra matéria da própria agência lança dúvidas sobre as afirmações feitas na primeira.

Na reportagem “Sindicato diz que ainda não há situação de tranquilidade nos hospitais do Rio”, temos a avaliação do presidente do Sindicato dos Médicos do Estado do Rio de Janeiro (Sinmed), Jorge Darze, de que as doações de insumos hospitalares feita pelo Ministério da Saúde não seriam suficientes para resolver a crise da Saúde no estado. As duas matérias acabam sendo meras plataformas para as manifestações das fontes, substituindo (indevidamente) o necessário esforço de reportagem na verificação dos acontecimentos.

No telejornal Repórter Brasil, a edição de 25/12 sobre a crise nos hospitais pareceu um passe de mágica sobre a situação dramática que se viu na véspera, com hospitais de portas lacradas, funcionários com salários atrasados, pacientes desesperados. Da bancada, a primeira apresentadora fala sobre a entrega emergencial de materiais pelo governo federal como se o assunto se referisse a uma simples entrega de equipamentos em hospitais, sem qualquer referência à situação conturbada que justifica a medida. E o texto ainda dá garantias de que “aos poucos o atendimento está sendo normalizado”, o que não se pode comprovar a partir da bancada, já que nem a reportagem mostra isso claramente.

A outra apresentadora lê a segunda parte do texto que diz que “parte dos salários atrasados começou a ser paga, mas o décimo terceiro só deve entrar na conta dos servidores no ano que vem”. O tom da leitura é de uma boa notícia, em descompasso com a realidade do fato, já que a informação dá conta apenas de um paliativo para a situação dos salários atrasados e não traz alívio para quem esperava receber o décimo terceiro salário antes do final do ano.

A reportagem que vem logo a seguir mantém um tom que seria mais adequado a uma matéria de comportamento, onde os personagens se mostram felizes com alguma novidade ou promoção de loja. Logo na abertura, o texto diz: “O sorriso da enfermeira Fernanda tem um motivo – salário na conta!”. Como se “salário na conta” fosse um bônus e não um direito, uma necessidade de trabalhadores, e que não recebê-lo ou receber com atraso é uma situação aflitiva, portanto uma péssima notícia. E a personagem, sorridente, responde ao que parece ter sido estimulado por uma pergunta: “extremamente feliz...”.

O uso de expressões como “respiram mais aliviados” subtraem a seriedade do tema e não informam adequadamente. E até mesmo o texto que vem em seguida contradiz a possibilidade de que se possa “respirar aliviado” quando “o décimo terceiro ainda não tem data para entrar (sic)”.

Na frente do Hospital Alberto Schweitzer, com imagem de uma pessoa sendo encaminhada à porta de entrada, a reportagem diz que o hospital estava aberto para emergências, e entrevista uma mulher que havia sido atendida: “Foi ótimo. Não tenho o que reclamar do atendimento”, diz a entrevistada. Eram as únicas pessoas na cena.

Em seguida, na zona Norte da cidade, o texto informa que, ao contrário do que a reportagem encontrou no Hospital Getúlio Vargas no dia anterior, a rua estava vazia, deixando implícita a afirmação de uma normalidade difícil de se constatar. Na imagem, a entrada do hospital com faixas informando sobre a paralisação deixava claro que não haveria atendimento, o que talvez fosse a explicação mais óbvia para a “rua vazia”. E a própria reportagem diz que a emergência estava trancada com arame.

Ao final da matéria, ainda diante do Hospital Getúlio Vargas, uma deputada estadual, que também é enfermeira, fala da situação crítica daquela unidade e diz que há material apenas para atender quem já está internado. A deputada afirma, ainda, que quando chegar o caminhão com o material “a gente vai abrir para a população as portas”. Não fica claro, nesse ponto, se a deputada trabalha no hospital ou se pretende abrir as portas usando o poder de seu mandato.

Quando as declarações das fontes não batem, é na contradição que está a pauta: o que, afinal,  acontecia nos hospitais estaduais do Rio de Janeiro naquele dia? Como (e se) estão trabalhando os profissionais que vão receber salários parcelados? E como estão se virando as pessoas que dependem de atendimento naqueles hospitais? Ao considerar as declarações oficiais suficientes para dar conta dos fatos, a reportagem abre mão de um valor inestimável, que é o de ver com os próprios olhos, como se fosse os olhos de quem lê a notícia, e fazer as perguntas que qualquer cidadão faria.

E em matéria de acontecimentos, a realidade é que dá o tom. À reportagem cabe apenas seguir a pauta e se empenhar para não desafinar.

Até a próxima!

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