Entre o público e a plateia nas manifestações

Publicado em 07/04/2016 - 14:39 e atualizado em 07/04/2016 - 15:55

Coluna da Ouvidoria

Joseti Marques - Ouvidora da EBC

Manifestação, São Paulo, dia 31/3

No dia 31 de março, durante a transmissão das manifestações contra o impeachment, uma telespectadora, indignada, telefonou para a Ouvidoria e disparou seu inconformismo diante de um comentário que estava sendo feito ao vivo, naquele exato momento, de uma das bancadas da TV Brasil. O comentário tecia uma comparação entre o perfil dos participantes da manifestação do dia 13 de março, a favor do impeachment, e os que estavam naquela manifestação. Dizia o jornalista:

“... uma pesquisa da Folha de S. Paulo demonstrava claramente que aquela manifestação do dia 13, pelo impeachment, era formada basicamente por homens em meia idade, 40/50 anos, brancos, com curso superior, faixa de renda elevada... e nessa manifestação a gente vê um pouquinho de diferença... a começar pela cor da pele, né? Quantos negros... pardos a gente vê nessa manifestação... um número bem superior ao que se vê na outra. Essa diferença... no olho... a gente confere.”

O comentário ganhou um contorno realmente infeliz, pela entonação e modulação da voz do âncora. A telespectadora, dizendo-se branca, de classe média, com curso superior, mas contra o impeachment, vociferou contra a TV Brasil, dizendo que o comentário foi “discriminatório” e que não é isso “que se espera de uma emissora pública”.  A Ouvidoria também estava acompanhando a transmissão e, lamentavelmente, temos que concordar com a crítica da telespectadora. Não apenas por isso, mas porque houve outros momentos da transmissão igualmente inadequados.

Fizemos um levantamento das comunicações do público sobre o assunto durante o mês de março; das 21 manifestações que se referiam à cobertura política, 14 foram de reclamações, seis eram elogios e uma pedia informação. As manifestações que chegam à Ouvidoria representam não apenas a opinião daqueles que tomam a inciativa de nos escrever, mas devem ser percebidas como uma amostra do que eventualmente esteja acontecendo com as pessoas que assistem à emissora pública.

Temos insistido na crítica ao que classificamos como “discurso de militância” nas bancadas da cobertura das manifestações políticas, pela TV Brasil. E isso não significa, de forma alguma, defender qualquer posição ou restrição à liberdade de imprensa, que a TV pública tem garantida por princípio e de direito.  A preocupação reside no fato de que, ao assumir essa postura, a mídia pública está contrariando a Lei que a instituiu e também o Manual de Jornalismo da EBC, que foi elaborado pelas muitas mãos que contribuíram através de consultas públicas. O Manual de Jornalismo reafirma que “A EBC é uma empresa pública comprometida com o cidadão brasileiro e com a promoção da cidadania, não com partidos ou coalizões políticas que ocupam o poder ou fazem oposição a esses. (…) A cobertura política deve ser apartidária, justa, objetiva, autônoma e equilibrada, em sintonia com o interesse público”.

Em uma emissora de televisão, o tom de adesão a esse ou aquele ponto de vista em disputa na sociedade equivale a virar as costas para uma parte do público que não pensa de forma semelhante ou, ainda, para aqueles que não pensam desse ou daquele modo, mas apenas estão à espera de informações objetivas, claras e confiáveis.  É preciso não confundir a liberdade de imprensa e de expressão, que na mídia pública não é mera peça de retórica, com o direito de cada um defender seu ponto de vista particular da forma como quiser, como é próprio das manifestações das ruas, das relações interpessoais e nas redes sociais.

Jornalisticamente, a defesa do que se considera o viés mais correto na narrativa dos acontecimentos, ainda mais em contexto de polarização, se dá pela definição e estabelecimento de uma linha editorial que, na bancada, se traduza em argumentação consistente, e até mesmo didática, para que o público compreenda o cenário confuso em que está sendo chamado a se posicionar. Palavras de ordem ficam mais bem colocadas nas reportagens que informam sobre o clamor das ruas – o que, aliás, a reportagem da TV Brasil tem feito com competência.

As ruas é que falam para os atores que detêm o poder de virar o jogo da realidade corrente. E é a partir da compreensão dos fatos que, no sentido literal ou figurado, se vai para as ruas.  Qualquer empreendimento de radiodifusão e imprensa, mesmo os que não são públicos, têm como público-alvo toda a sociedade. Os que já estão convencidos de que devem se juntar às manifestações, estes não estarão em casa, assistindo à vida pela TV. Então, para quem a TV Brasil está falando?

A segmentação de público guarda apenas uma estratégia: a de garantir a adesão dos que já estão predispostos ao que se tem para oferecer, sem que seja preciso dispender grandes esforços na conquista de outros públicos. Embora já se tenha ouvido dizer o contrário, a comunicação pública tem que se preocupar, sim, com a questão da audiência. Não fosse pelo fato de que todos os brasileiros pagam por ela, seria porque, na relação custo benefício, falar para poucos torna a produção infinitamente mais cara, dando munição aos que não entendem a relevância dos meios públicos e, volta e meia, investem contra eles – ou mais frequentemente contra a TV Brasil.

A missão da EBC é contribuir para a formação crítica das pessoas, seja lá como isso for entendido. Falar para os que já têm a tal “formação crítica” é muito cômodo, mas em bom português é como chover no molhado, além de não atender à lógica de ampliação da audiência que, por óbvio, é também um capital de formação de opinião. Diante disso, cabem algumas perguntas: qual é o público-alvo desses discursos? Qual a estratégia de comunicação que sustenta a linha editorial que os autoriza? O que se diz, para quem e com que objetivo?

A  TV Brasil precisa ser estratégica, ou estará trocando o público pela plateia.

Até a próxima!

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