O implícito na produção da notícia

Publicado em 01/04/2016 - 17:19 e atualizado em 05/04/2016 - 11:38

Coluna da Ouvidoria

Joseti Marques - Ouvidora da EBC

Sombra en la Pared

As regras técnicas jornalísticas tentam salvaguardar, nem sempre com sucesso, a notícia da interferência subjetiva dos que participam da sua produção  –  repórteres, editores, pauteiros, redatores. Às vezes, nesse complexo processo de enunciação, o discurso acaba resvalando para o que a teoria classifica como “implícitos” e “subentendidos”, que são formas de “dizer” o que não está escrito, mas que os leitores, telespectadores e ouvintes percebem, às vezes, com muita nitidez.  A Ouvidoria tem recebido algumas reclamações que apontam para os discursos implícitos que se imiscuem na notícia de maneira indevida e, talvez, à revelia de seus autores, os jornalistas.

A leitora Ana Olmos, pesquisadora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo, escreveu à Ouvidoria reclamando, entre outras coisas, de uma matéria publicada pela Agência Brasil. Na opinião dela, a Agência destacou, no título, o aspecto mais negativo do assunto. A matéria, que pode ser lida aqui,  refere-se a uma reportagem publicada na revista The Economist, sobre os acontecimentos recentes e o panorama político no Brasil.

Diz a leitora: “...enquanto o The Economist diz que o impeachment abriria precedentes preocupantes, a escolha da Agência Brasil para a chamada [título] foi: “The Economist: saída de Dilma daria a chance de um 'novo começo'. ” Ana  prossegue, dando garantias de sua adesão à mídia pública: “A EBC, neste momento, é a única alternativa para o cidadão telespectador que não confia na mídia tradicional, altamente partidarizada. É muito urgente que a EBC cumpra seu papel.”

Antes de encaminhar a reclamação da leitora à Agência Brasil, analisamos a matéria e fomos também à fonte original das informações. A reportagem da revista britânica é abrangente e analítica, enquanto em seis curtos parágrafos a Agência selecionou alguns dos diversos aspectos tratados na revista. E o menos importante, temos que concordar com a nossa leitora, é a frase de efeito que deu título à matéria.

Talvez nossa leitora não tenha percebido, mas o primeiro parágrafo da reportagem – o famoso lide, onde se destaca o elemento principal da notícia – além de repetir o título, também não apresenta qualquer informação revelante:

“Artigo publicado pela revista britânica The Economist diz que a saída da presidenta Dilma Rousseff do poder daria ao Brasil a chance de um "novo começo". Para a revista,  "a maneira mais rápida e melhor para Dilma deixar o Planalto seria renunciar antes de ser derrubada".

Como se pode ver, são apenas obviedades, sem qualquer informação relevante: o fim de todo ciclo naturalmente dá lugar a um “novo começo”; mais óbvio ainda é o fato de que a renúncia seria um caminho mais rápido do que, por exemplo, o processo de impeachment ou ser “derrubada”.

Na matéria da Agência, a opção por destacar aspectos negativos no título e no lide não é coerente com as afirmações contidas nos demais parágrafos, onde temos referências que se poderiam considerar positivas, do ponto de vista da leitora:
“...a renúncia não resolveria os problemas do Brasil.”
“A guerra política do Brasil camufla algumas das lições mais importantes da crise.”
“A revista defende ainda que o impeachment de Dilma, diante da ausência de provas criminais, seria injustificado.”
“A publicação diz que um impeachment baseado na "voz das ruas", abre um precedente preocupante. "Democracias representativas não deveriam ser governadas por protestos e pesquisas de opinião".”
“The Economist considerou violação de privacidade a divulgação da conversa telefônica entre a presidenta Dilma e Lula.”

Mas como dissemos no começo dessa conversa, o enunciado de uma reportagem é fruto de um conjunto de enunciadores. No entanto, mesmo dessa forma heterogênea, o processo que antecede o ato de enunciar – ou seja, decidir a pauta, reportar, redigir, editar a matéria –, supõe a mobilização de tudo que o cada um guarda originalmente em si, sua subjetividade, onde residem crenças, valores, vivências, preferências de toda ordem.

A observância dos critérios técnicos e dos valores do jornalismo é a única forma de evitar que o texto “fale” para os leitores aquilo que nem mesmo se quis dizer. Ao editor final cabe a delicada tarefa de salvar a todos de si mesmos.

Até a próxima!

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