A perfeição não é fiadora da credibilidade

Publicado em 11/07/2016 - 17:46 e atualizado em 12/07/2016 - 14:53

Coluna da Ouvidoria

Joseti Marques - Ouvidora da EBC
O Presidente da CNI, Robson Braga de Andrade

A Agência Brasil cometeu um erro. Até aí, nada que não possa acontecer — e acontece — a qualquer veículo de notícias. Mas dessa vez o deslize teve grande repercussão, transformando-se em combustível para o humor característico das redes sociais. O erro inicial se via logo no título: "CNI defende carga de 80 horas semanais para trabalhador brasileiro". A matéria, publicada às 14h21 de sexta-feira (8/7), permaneceu no ar dessa forma até as 15h28 — tempo suficiente para ser republicada por diversos blogs de notícia e versões digitais dos meios impressos. A maioria deles confia plenamente na competência da Agência Brasil e nem se dá ao trabalho de conferir o texto. O tempo decorrido para se retificar a matéria também propiciou a propagação da suposta defesa da carga de 80 horas semanais de trabalho, que fora atribuída à CNI.

A Agência Brasil errou, também, ao proceder à correção de forma atabalhoada. Primeiramente, corrigiu o título, que enfatizava erradamente a informação, para um texto menos retumbante: "Presidente da CNI defende mudanças previdenciárias e nas leis trabalhistas". O título corresponde aos fatos de uma forma burocrática, acanhada, já que, objetivamente, o mais importante da declaração era justamente a defesa do aumento das horas de trabalho semanal que, embora não para 80 horas, está implícita na fala de Robson Andrade. O presidente da CNI diz o seguinte, na reportagem:

"No Brasil, temos 44 horas de trabalho semanal. As centrais sindicais tentam passar esse número para 40. A França, que tem 36, passou para a possibilidade de até 80 horas de trabalho semanal e até 12 horas diárias de trabalho. A razão disso é muito simples. A França perdeu a competitividade de sua indústria com relação aos demais países da Europa. Agora, está revertendo e revendo suas medidas, para criar competitividade. 0 mundo é assim e temos de estar abertos para fazer essas mudanças. Ficamos ansiosos para que essas mudanças sejam apresentadas no menor tempo possível."

O erro ao citar o cômputo das horas foi do próprio presidente da CNI, mas isso não justifica que a reportagem reafirme o erro, errando também. Uma conta básica mostraria que com 12 horas diárias não se chegaria às 80 horas semanais, mesmo trabalhando-se aos sábados. Do ponto de vista jornalístico, seria já um indicativo da necessidade de apuração das questões trabalhistas na França, o que evitaria o erro.

A correção desse deslize, entre colchetes, na transcrição da fala de Robson Andrade, também não foi a mais oportuna: "As centrais sindicais tentam passar esse número para 40. A França, que tem 36, passou para a possibilidade de até 80 horas de trabalho semanal e até 12 horas diárias de trabalho [na verdade, são 60 horas semanais]." Grifo nosso. O único erro que a Agência deveria corrigir era o do título, e não o do presidente da CNI.

Em transcrição de declarações onde se verificam erros, o uso do "(sic)" é o mais adequado. O colchete aplica-se apenas à complementação do texto ou da informação para facilitar a compreensão do leitor. Da forma como foi usado, ficou como um desmentido ou uma correção indevida. O melhor teria sido explicar, em outro parágrafo, os detalhes de como o assunto está sendo tratado na França, com a informação precisa, e não como um remendo à declaração. Não se perde nada ao contextualizar os assuntos; muito pelo contrário, enriquece-se a reportagem.

A página da matéria ficou indisponível por um intervalo de tempo, até que reapareceu com novo título e uma explicação no pé da matéria: "O título foi atualizado às 15h28 para correção de informação. O presidente da CNI, Robson Andrade, não defendeu a ampliação da carga horária para 80 horas semanais no país, mas mudança na legislação trabalhista. No evento, ele citou as propostas de mudanças trabalhistas que estão sendo apresentadas pelo governo francês, entre elas (sic) da jornada de trabalho." No texto, um erro: falta o artigo "a", bem ali onde está o "sic" indicado pela Ouvidoria. Mas o que faz mesmo falta é a informação que justifica o motivo dessa errata. Quem não viu o título anterior, com o equívoco, não saberá a que a Agência está se referindo.

Mais tarde, porém, às 17h15, uma errata correta. Com o título explícito “A Agência errou”, segue a explicação: “O título da reportagem ‘CNI defende carga de 80 horas semanais para trabalhador brasileiro’, publicada hoje (8) às 14h21, permaneceu com erro até as 15h28. Diferentemente do informado, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, não defendeu a jornada de 80 horas semanais para o país, mas mudanças na Previdência e nas leis trabalhistas. O título da matéria foi alterado para ‘Presidente da CNI defende mudanças previdenciárias e nas leis trabalhistas’ ".

No final das contas, o erro da Agência foi apenas o da composição de um título incorreto, a partir de uma interpretação errada da fala, também equivocada, do presidente da CNI. O tempo entre o erro e a correção é que deu margem a que a gravidade do assunto se ampliasse. Em termos de credibilidade, ser infalível não é a grande questão; mas admitir a falha e corrigi-la com agilidade protege a confiabilidade e o prestígio de qualquer veículo de informação.

Até a próxima!

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