O zepelim gigante e seu cachorro morto

Publicado em 04/07/2016 - 17:30 e atualizado em 04/07/2016 - 18:48
Coluna da Ouvidoria
Joseti Marques - Ouvidora da EBC
Ensaio geral da peça "A Ópera do Malandro", no Teatro Carlos Gomes

A expressão “chutar cachorro morto”, ditado popular de origem desconhecida, tem a seguinte explicação na enciclopédia livre Wikipédia: “Chega um ponto em qualquer discussão que o próprio debate chega a um fim naturalmente. É possível que você tenha vencido, perdido ou que ele tenha terminado num empate. Neste ponto, é recomendável que você não chute mais o cachorro morto. (...) Caso contrário, se você continuar a chutar o pobre debate, se você tentar reabri-lo, se você continuamente fizer referências àquilo que todos já sabem, se você esfregar seus argumentos na cara dos demais, é muito provável que você, na verdade, não esteja conseguindo influenciar ninguém e nem conseguindo aliados para sua causa, mas certamente estará aborrecendo todos os que são obrigados a aturá-lo”.

As discussões que volta e meia pipocam em editoriais da imprensa tradicional sobre a Empresa Brasil de Comunicação-EBC, gestora dos veículos públicos, e seu futuro tido como fatídico podem ser referidas por esse ditado – um debate que se exauriu pela repetição de argumentos de pura retórica e informações genéricas, comparando-se quase que a um torneio, entre os autores, sobre quem vai dizer melhor aquilo que o outro disse também.

Logo no dia seguinte à votação da admissibilidade do impeachment de Dilma Rousseff, em 12/5, a EBC começou a frequentar a mídia como uma espécie de Geni, personagem do musical de Chico Buarque, Ópera do Malandro, que conta a vida de uma travesti que, com seus encantos e sedução, salvara a cidade da ameaça de ataque de um zepelim gigante. Mas passada a ameaça, Geni volta a ser tratada com de sempre, com discriminação e ódio, caracterizando, teatralmente, a hipocrisia de uma sociedade pseudomoralista.

A jovem EBC também conquistou, pelos encantos de sua simples existência, o interesse de muitos setores (principalmente audiovisual, mas não apenas) ameaçados pelo zepelim de um mercado altamente concentrado, em crise, onde notáveis e outros nem tanto começaram a perder lugar. Os detalhes e números podem ser consultados nas mais diversas fontes. A EBC estava na moda; muitos queriam “contribuir” para o projeto. O conceito de “pública” funcionava como uma espécie de data venia para os índices de audiência regularmente baixos. Mas àquela época isso não rendia manchete.

No entanto, com o afastamento da presidenta, a promessa de que muitas crises em breve estarão superadas acalmou os mercados, acendendo os ânimos. E a EBC, de quem jamais se ouvira falar pela imprensa, aparece agora como uma espécie de Geni em segundo ato: “Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir!”.  Uma rápida busca na internet comprova a ciranda de artigos e notas repetitivos que afirmam que a EBC é isso; a EBC é aquilo; que fez isso, e aquilo outro... Como se a empresa fosse gestora de si mesma.

Por ser pública, todas as informações sobre a EBC estão disponíveis para quem quiser, através da Lei de Acesso à Informação – que, aliás, está sob a responsabilidade dessa Ouvidoria. O link de entrada fica naquele símbolo verde e amarelo no alto das páginas do Portal. Mas se nem os que escrevem consultam, como esperar que os que leem venham a conferir?

Um pouco mais de atenção poderia dar a conhecer os mecanismos de controle social sobre a gestão da empresa. Saberiam, por exemplo, que um diretor-presidente, dentro de regras claras, pode ser afastado pelo Conselho Curador se não corresponder ao que rezam os princípios da comunicação pública. E embora nem todos saibam, os cidadãos, através da Ouvidoria, podem fiscalizar e fazer suas críticas chegarem ao Conselho Curador, demandando soluções.

Mas não é privilégio da EBC ser tratada como um bem público que merece a extinção por sua “ineficiência”. É mais ou menos assim com tudo o que é público, como hospitais e escolas, por exemplo. A sociedade, (in) formada pela mídia, vai aprendendo que é melhor ter plano de saúde do que morrer no SUS; a pagar escola particular do que arriscar o futuro na educação pública. E assim se vai construindo uma espécie de atalho na percepção dos cidadãos, que os afasta do entendimento de que devem cobrar competência, eficiência e honestidade na gestão dos negócios públicos, porque são negócios seus.  Mas somente lhes é dado ver o “horror e a iniquidade” na forma de espetáculo.

A face mais simbólica da complementaridade que configura a EBC como pública no sistema de comunicação, estabelecido na constituição, é esse esforço cotidiano de dialogar com as pessoas como cidadãos, para além da dimensão de consumidores, que também são.  Acabar com a EBC ou transformá-la em estatal para divulgar atos oficiais, acima de tudo não faz sentido. Não seria nem um pouco estratégico, para qualquer governo, assumir o ônus de retroceder sobre um preceito constitucional, como se honrar a Constituição fosse algo relativo, que se altera como as vírgulas de um texto. Isso, sim, poderia ser comparado a um “zepelim gigante”.

A cada artigo que leio desqualificando a comunicação pública e a empresa que a abriga, lembro-me da adolescente que foi vítima de estupro coletivo no Rio de Janeiro e que foi criminalizada pelo delegado do caso...  justamente aquele que deveria defendê-la. 

De resto, esse assunto já está se tornando uma espécie de cachorro morto, que alguns, inexplicavelmente, ainda insistem em chutar.

Até a próxima!

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