A política pelo viés do Repórter Brasil

Publicado em 21/09/2017 - 13:18

Coluna da Ouvidoria
Joseti Marques - Ouvidora da EBC

Sessão do STF para decidir sobre suspeição do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nas investigações relacionadas ao presidente Michel Temer

A cobertura de acontecimentos que afetam diretamente o governo federal e seus integrantes sempre foi o calcanhar de Aquiles dos veículos públicos. Não precisa ser especialista em análise de discurso das mídias para perceber o constrangimento com que os telejornais e os programas jornalísticos tratam estes fatos, às vezes chegando mesmo a se atrapalharem com a informação. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a reportagem da TV Brasil sobre a rejeição, pelo STF, do pedido da defesa de Michel Temer para que o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fosse afastado das investigações contra o presidente.

Tecnicamente, este julgamento era a principal matéria do dia 13/9, pelo peso que a decisão poderia vir a ter sobre os desdobramentos da Operação Lava Jato e por envolver o supremo mandatário da República. Naquele mesmo dia, em segundo lugar na hierarquia das notícias, pelo ineditismo do fato, estava a prisão do presidente da JBS, Wesley Batista, irmão de Joesley Batista. Em terceiro lugar, o depoimento do ex-presidente Lula ao juiz Sérgio Moro. Era o segundo depoimento de Lula a Moro, sendo que desta vez havia um ingrediente novo que ampliava o valor-notícia: as acusações, em depoimento na semana anterior, do ex-ministro Antônio Palocci sobre o envolvimento do ex-presidente com propinas da Odebrecht.

A prisão do ex-governador do Rio de Janeiro, ocorrida também naquele mesmo dia, poderia estar entre as principais manchetes políticas da edição de qualquer telejornal, embora com menos ênfase por não se tratar de um fato nacional. Anthony Garotinho foi preso sob a acusação de compra de votos na eleição de 2016, em Campos, no Norte Fluminense.

No entanto, a edição da noite do telejornal Repórter Brasil daquele dia estabeleceu um critério confuso na ordem das notícias. A reportagem sobre o principal assunto do dia teve erros de edição que, ao final, deram a impressão de que a reportagem se debatia contra a decisão do STF de rejeitar o pedido do presidente Temer para afastar Janot das investigações, como se o assunto causasse constrangimento.

Mas a edição do telejornal certamente considerou a relevância do julgamento, tanto que colocou o assunto entre as chamadas da escalada do telejornal, onde são anunciadas as pautas principais da edição – o depoimento de Lula figurou em primeiro lugar e o resultado do julgamento no STF veio logo em seguida:

O Supremo rejeita o pedido da defesa de Michel Temer e mantém Rodrigo Janot à frente das investigações contra o presidente”.

Por óbvio, os telespectadores da TV Brasil poderiam esperar pela notícia completa naquela edição. Mas não foi o que aconteceu: abrindo o primeiro bloco do telejornal, uma reportagem extensa sobre o depoimento de Lula, incluindo a memória do depoimento de Palocci. Em segundo lugar, a prisão de Wesley Batista. Em seguida, uma nota sobre a cassação pela OAB, por 90 dias, do registro profissional do ex-procurador do Ministério Público Federal Marcello Miller; uma reportagem sobre a prisão do ex-governador do Rio Anthony garotinho; uma nota sobre a liminar que autorizou a transferência para prisão domiciliar do morador de rua Rafael Braga, que foi preso durante as manifestações de 2013 por estar portando uma garrafa de detergente que foi confundida com explosivo; e uma reportagem sobre os 30 anos do acidente radiológico com Césio 137, em Abadia de Goiás/GO, em 1987.

Na abertura do segundo bloco, o texto de apresentação da primeira reportagem deixa a impressão de que o julgamento ocorrido no STF seria narrado de ponta-cabeça, a partir do final:

O Supremo Tribunal Federal adiou o julgamento que vai decidir se suspende ou não o andamento de uma possível nova denúncia contra o presidente Michel Temer”.

Esta parte da sessão ocorreu apenas ao final do julgamento que negou o pedido de afastamento de Janot das investigações sobre o presidente, e foi uma pequena parte, conforme a própria repórter informa logo no início. Mas o assunto se estende:

Vamos entender agora o contexto do pedido da defesa de Michel Temer”, convida a repórter, para esclarecer a motivação do pedido de Temer, a partir dos argumentos do advogado dele, Antônio Claudio Mariz de Oliveira.

No meio desta reportagem, a mesma repórter refere-se, finalmente, à parte inicial da sessão do STF, quando ocorreu o julgamento em que foi negado o pedido do advogado de Temer. Mas a notícia não foi anunciada da forma correta, como na chamada do início do telejornal. Ao contrário, o texto abordou o assunto pelo viés dos argumentos da defesa do presidente; não pelo resultado final ou pelo julgamento em si:

Os advogados também pediram ao Supremo que Rodrigo Janot fosse considerado suspeito em investigações que envolvem o presidente. O argumento é que Janot teria extrapolado limites constitucionais e legais por inimizade e que teria acusado Temer de atos que não ocorreram.”

O texto traz uma notícia velha, já que o pedido do advogado de defesa de Temer ocorreu muito tempo antes. A notícia, naquele momento, era o resultado do julgamento deste pedido. Era ainda de se esperar que a reportagem trouxesse os detalhes do julgamento, mas logo após a fala da repórter entra uma parte do discurso do advogado de Temer no STF, ainda questionando os fatos que foram imputados ao presidente e que ele afirma que não ocorreram. E a repórter emenda em seguida:

Mas os ministros não concordaram e negaram o pedido.” A reportagem sobre o principal assunto do dia se resumiu a isso – quatro linhas de reportagem, sem qualquer referência ao fato principal.

E esta última frase da repórter foi dita com a imagem do ministro Gilmar Mendes em tela. Ocorre que Gilmar Mendes sequer esteve nesta etapa do julgamento – ausência que, aliás, gerou repercussão imediata em toda imprensa. A matéria encerra com um trecho curto e protocolar do longo relatório lido pelo ministro Edson Fachin sobre o caso.

Os telespectadores mais atentos e que certamente terão acompanhado o julgamento por outros noticiários poderão perguntar, com toda a razão, por que o principal assunto do dia foi tratado de forma tão incompleta, escondido em meio a uma reportagem onde teve maior destaque a opinião do advogado de defesa de Temer, mesmo tendo ele perdido a causa? Por que a edição da reportagem ignorou o que eventualmente teriam dito os ministros que negaram provimento ao pedido de Temer, se os assuntos ligados ao depoimento de Lula e à defesa do presidente foram todos tratados de forma ampla, com direito a memória dos fatos e contextualização?

A edição deixou transparecer uma insatisfação com a derrota do advogado de Temer, o que não cabe ao jornalismo, e acabou soando como uma espécie de desagravo ao Supremo Tribunal Federal.

Até a próxima!

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