Abordagem oficialista desvirtua o jornalismo público

Publicado em 12/01/2018 - 19:07 e atualizado em 16/01/2018 - 16:13

Coluna da Ouvidoria

Joseti Marques - Ouvidora da EBC

O jornalismo público, representado pelos veículos da EBC, não se recupera da velha prática de repercutir, pelo viés oficial, as notícias que sequer publicou – o que geralmente ocorre quando o fato principal afeta, de alguma forma, os interesses de governo e/ou de suas autoridades, sejam quais forem os governos e/ou seus representantes.

A reportagem de repercussão do fato que não foi noticiado pela Agência Brasil tem o seguinte título: AGU defende no Supremo propaganda sobre reforma da Previdência. Para os leitores que acompanham as notícias pela agência e para os blogs e demais veículos que reproduzem seus conteúdos, o título carece de um esclarecimento básico: defende de quê? Contra quem? Por que motivo? Pois nem souberam, pela Agência Brasil, que a propaganda sobre a Reforma da Previdência estava sendo contestada pela Procuradoria Geral da República (PGR) – este o fato principal. O que receberam como informação foi apenas a suíte, ou seja, um desdobramento do fato, editado com prevalência dos argumentos da Advocacia Geral da União (AGU) sobre os da procuradora-geral, Raquel Dodge, sem nenhum equilíbrio.

A informação que a Agência não deu foi que a Procuradoria Geral da República, no dia 18 de dezembro passado, ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5863) no Supremo Tribunal Federal (STF), contra o Anexo I da Lei 13.528/2017, que abriu crédito suplementar no valor de R$ 99 milhões para comunicação institucional da presidência da República. Na ação, com pedido de liminar, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirma ser inconstitucional o entendimento de que os recursos públicos podem ser utilizados pelo governo em “campanha estratégica de convencimento público”, como a da Reforma da Previdência, sem que se dê espaço para opiniões divergentes.

Como a notícia de interesse público foi negligenciada pela mídia pública e não teve muita repercussão na dita grande imprensa, reproduzo de maneira um pouco mais alentada alguns trechos da ADI, para conhecimento dos eventuais leitores desta Coluna da Ouvidoria – a íntegra do texto da ADI pode ser lida no site da PGR.

No texto, Raquel Dodge diz que se “o governo entende que deve esforçar-se por persuadir a população do acerto de uma proposta polêmica, não pode valer-se de recursos financeiros públicos para promover campanha de convencimento que se reduza à repetição de ideias, teses e juízos que não são de consenso universal.”

A tese da procuradora-geral defende que “se a ideia do governo é propiciar, com financiamento público, debate sobre uma proposta de mudança da Constituição, a licitude desse empenho se prende a que também sejam divulgados dados colhidos pelos adversários da proposta, garantindo-lhes igual espaço de exposição de ideias. Somente assim estará sendo observado efetivamente o direito à informação e concretizando-se a democracia.”

E continua: “Não é cabível, entretanto, que o Estado subsidie, por meio de recursos públicos destinados à comunicação institucional, uma tese específica e unilateral e oriente a divulgação de informações segundo a conveniência ditada pelo desejo de convencer, em detrimento das condições necessárias para a formação autônoma de convencimento. Recursos públicos, num ambiente republicano, não podem se orientar pelo fim de manipular a opinião pública”.

Raquel Dodge diz ainda que “a comunicação pública deve ter um caráter estratégico não apenas para os governos, mas, e sobretudo, para a cidadania.”

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que recebeu o documento no plantão durante o recesso judiciário, requisitou informações com urgência e deu prazo de 10 dias para a manifestação dos presidentes da República e do Congresso.

Não tendo informado os seus leitores sobre a Ação movida pela PGR, a matéria da Agência Brasil acaba por fazer uma espécie de jornalismo de convencimento, incidindo em desvio semelhante ao que, na comunicação do governo, foi criticado pela procuradora-geral. Por exemplo, em vez de questionar o motivo pelo qual o governo não respeitou o prazo de 10 dias dado pelo Supremo, a matéria da Agência diz apenas que o parecer da Advocacia Geral da União (AGU) foi “redigido em dezembro, mas enviado apenas ontem (10) ao Supremo”. Sim, mas o motivo do descumprimento do prazo, com atraso de 10 dias, é que deveria ter interesse jornalístico e não quando o texto foi escrito, pois essa não é uma informação relevante.

Em uma abordagem oficialista, a reportagem dá grande destaque aos argumentos da AGU, deixando na opacidade o fato principal e o posicionamento da PGR na Ação ajuizada no Supremo. No mínimo, a Agência contribuiu para a desinformação de seus leitores.

A Procuradoria Geral da República trabalha em defesa dos interesses da sociedade; o jornalismo público praticado pelos veículos da EBC, segundo o seu Manual, deve ser comprometido tão-somente “com a busca da verdade, com a precisão, com a clareza, com o respeito aos fatos e aos direitos humanos, com o combate aos preconceitos, com a democracia e com a diversidade de opiniões e de pontos de vista (...) para merecer sempre a confiança da sociedade brasileira”.

Neste caso, a Agência Brasil falhou com os princípios estabelecidos em seu próprio Manual; tropeçou em normas técnicas do jornalismo, e ficou a dever à sociedade.

Até a próxima!

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