Uma recomendação ao final de dois mandatos

Publicado em 01/03/2018 - 08:48 e atualizado em 01/03/2018 - 15:24

Coluna da Ouvidoria
Joseti Marques - Ouvidora da EBC

Relatório Anual da Ouvidoria referente ao ano de 2017 já está publicado e poderá ser consultado na página da Ouvidoria. É também um relatório de final do segundo mandato desta ouvidora. Neste documento constam recomendações a partir dos principais problemas identificados. Mas aqui, nesta Coluna, vamos nos referir apenas aos que, de forma recorrente, afetam tanto a Agência Brasil, quanto a TV Brasil e as rádios públicas –a abordagem oficialista dos fatos e o constrangimento em noticiar assuntos incômodos para o governo federal e suas autoridades. 

Ao longo dos quatro anos de dois mandatos, temos chamado a atenção para este aspecto do tratamento das notícias, conforme se poderá ver nos relatórios mensais, também publicados na página da Ouvidoria.Mas não é necessário retroceder tanto no tempo para se constatar o problema. Em transmissão recente (17/2), ao vivo, do Desfile das Campeãs, a passagem da Unidos do Tuiuti, escola de samba vice-campeãdo Carnaval 2018 e a que apresentou em seu desfile o discurso mais crítico de todas as escolas, a TV Brasil omitiu imagens e se absteve de citar as alas que traziam patos como marionetes, em uma referência ao pato gigante inflado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo-Fiesp nas manifestações a favor do impeachment da então presidente da República, Dilma Rousseff.

Também não foi mostrada a ala com as carteiras de trabalho danificadas, em um protesto contra a Reforma Trabalhista do governo de Michel Temer. O carro alegórico do vampiro neoliberal, representando o presidente – agora sem a faixa presidencial – mereceu comentários ligeiros e constrangidos por parte da apresentadora. 

Na tela da emissora eram mostrados apenas comentários elogiosos sobre a transmissão, enquanto o perfil da TV Brasil no Facebook registrava um número crescente de comentários que mostravam a insatisfação do telespectador, revelando a percepção do público sobre as omissões – sim, porque não se pode falar de censura quando uma única emissora ignora fatos tão amplamente noticiados. Uma ingenuidade, para dizer o mínimo.

No Relatório Anual, fizemos a seguinte recomendação sobre casos como este, potencializado no Desfile das Campeãs:

“Promover a conscientização dos jornalistas, principalmente daqueles que ocupam cargo de gestão, sobre os prejuízos à comunicação pública quando da exibição de reportagens e/ou programas jornalísticos que omitem ou tentam contornar informações que poderiam ser incômodas ao governo federal e suas autoridades. O viés oficialista destas abordagens gera descrédito para a emissora pública; ao mesmo tempo, não traz benefício para os eventuais interesses envolvidos, já que diante do crescimento das mídias e da velocidade das notícias por meios digitais o público sempre estará informado por outras fontes – e obviamente que a comparação será inevitável. O resultado disso é o afastamento do público, já que a emissora passa a ser vista como meio de propaganda governamental.”

Do ponto de vista da Ouvidoria – que é baseado nos preceitos legais que informam os princípios e diretrizes da Comunicação Pública –, este é o aspecto de maior gravidade entre os problemas observados, porque afeta diretamente o caráter público dos veículos geridos pela EBC. 

Como disse certa vez quando fui interpelada por um repórter, a radiodifusão pública tem sido utilizada como meio de divulgação de governos, partidos e suas autoridades. Foi assim antes e continua sendo agora. A qualidade da comunicação pública acaba ficando dependente da qualidade dos governos, e por isso é sempre precária – às vezes mais, às vezes menos, mas nunca independente, com personalidade própria. Se os governos fossem menos patrimonialistas e o público fosse mais informado sobre a comunicação como um direito fundamental, talvez a comunicação pública tivesse mais independência, prestando um serviço de qualidade na perspectiva da formação crítica da sociedade. Talvez esteja nisso a mágica da conquista da audiência.

Chegamos ao final desta difícil tarefa de mediação e defesa dos direitos dos usuários dos serviços prestados pela EBC. Nem sempre produzindo o resultado esperado, mas fazendo o meu melhor e mais sincero esforço pela qualidade da comunicação pública. Desejo a quem me suceder uma trajetória de avanços e fortalecimento deste instrumento democrático de participação social que é a Ouvidoria. Ao público que sempre contou com a nossa atuação, os meus agradecimentos. Aos empregados e empregadas da EBC, meu afeto e esperança.

Até!

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