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CNV recomendará que agentes respondam na Justiça por crimes da ditadura

Criado em 23/05/13 07h43 e atualizado em 23/05/13 12h13
Por Luciano Nascimento e Luana Lourenço Edição:Carolina Pimentel/Aécio Amado/Talita Cavalcante/ Fábio Massalli/ Lícia Marques Fonte:Agência Brasil

Brasília - Agentes suspeitos de terem cometido crimes durante a ditadura militar poderão ser responsabilizados judicialmente. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) anunciou nessa terça-feira (21),ao divulgar o balanço de um ano de atividades, que fará essa recomendação, seguindo tratados internacionais que classificam crimes de lesa-humanidade, tortura e assassinato por razões religiosas, raciais ou políticas.

A Coordenadora Rosa Cardoso disse que “É da natureza da Comissão aceitar os princípios internacionais dos direitos humanos e dentro destes princípios, os crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis e vamos recomendar que estes casos sejam submetidos a uma jurisdição internacional", mas descartou a possibilidade de a Comissão propor a revisão da Lei de Anistia. “Quem tem que propor isso é a sociedade civil”, argumentou.

A CNV desmentiu que a tortura tenha sido efetivada em resposta à luta armada em 1969. “A prática da tortura no Brasil como técnica de interrogatório nos quartéis é anterior ao período da luta armada, ela começa a ser praticada em 1964”, disse a historiadora Heloísa Starling, assessora responsável por sistematizar as informações levantadas pela Comissão. "O que é importante notar é que ao contrário do que supunha boa parte da nossa bibliografia, o que nós temos é a tortura sendo introduzida como padrão de interrogação nos quartéis em 64 e explodindo a partir de 69".

A Comissão também revelou que a Marinha brasileira ocultou informações sobre mortes cometidas durante a ditadura militar.

Em 1993, o então Presidente Itamar Franco determinou ao Ministro da Justiça, Mauricio Corrêa, o levantamento de informações com a Marinha, Exército e Aeronáutica sobre desaparecidos na ditadura militar.

A CNV conseguiu identificar 12.072 documentos do Centro de Informações da Marinha (Cenimar) sobre 11 desaparecidos e fez um cruzamento com as respostas prestadas ao Governo Itamar Franco.

Segundo a Comissão, um documento de dezembro de 1972 tratava da morte do ex-deputado Rubens Paiva. Em 1993, a Marinha apresentou ao Congresso Nacional, ao Ministério da Justiça e à Presidência da República a versão oficial de que Paiva teria fugido quando estava sob custódia do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do IIº Exército, no Rio de Janeiro, e que seu paradeiro era desconhecido.

“O primeiro resultado parcial [da Comissão] é o fato de que a Marinha Brasileira ocultou deliberadamente informações ao Estado brasileiro, já no período democrático. A importância desse documento é que indica que existem na Marinha Brasileira 12 mil páginas referentes aos 11 desaparecidos que apresentamos aqui", afirmou Heloísa Starling.

De acordo com a CNV, o cruzamento das respostas das Forças Armadas com os documentos obtidos durante a investigação apontou que a Marinha ocultou as mortes. "O Cenimar foi um dos organismos mais ferozes de repressão da ditadura. É uma relação muito extensa das informações que a Marinha tinha sobre as pessoas. Ela sabia que estavam mortas", disse a historiadora.

Além disso, o uso da violência política permitiu ao regime construir um Estado sem limites repressivos, segundo a Comissão. “Fez da tortura força motriz da repressão no Brasil. E levou a uma política sistemática de assassinatos, desaparecimentos e sequestros.”.

Levantamentos feitos pela CNV mostram que cerca de 50 mil pessoas foram presas só no ano de 1964, em operações nos estados da Guanabara (atual Rio de Janeiro), Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo; também foram efetuadas prisões em massa em navios-presídios, e houve a identificação de 36 centros de tortura em sete estados, inclusive na Universidade Federal do Recife e na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ). “Nós identificamos que as pessoas foram presas dentro dos campus da universidade e as práticas de violência ocorreram dentro do campus”, disse Heloísa Starling.

Ela afirmou também que a Comissão está no caminho de desmontar a tese de que a tortura foi praticada sem o consentimento do alto escalão militar, e apresentou um organograma de 1970, ano de criação do Centro de Operações de Defesa Interna (Codi), mostrando que as informações sobre o que ocorria no órgão eram de conhecimento dos altos escalões do Exército, Marinha e Aeronáutica.

Toda a bibliografia, segundo Heloisa Starling, aponta que a estrutura de comando vai até o segundo nível, onde estão o Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa), Centro de Informações do Exército (CIE) e o Centro de Informações da Marinha. “É muito pouco provável que o General Médici [Presidente Emílio Garrastazu Médici] não recebesse informações do seu ministro mais importante, que era o Ministro do Exército, Orlando Geisel”,afirmou.

A CNV tem como objetivo esclarecer fatos, mas não possui caráter punitivo, e também usa informações produzidas há 17 anos pela Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, e há 11 anos pela Comissão de Anistia.

De acordo com dados revisados pela equipe da CNV, 268 depoimentos (de vítimas, testemunhas e agentes da repressão da ditadura civil-militar de 1964 a 1985) foram tomados nesse primeiro ano de atividades.

Foram ouvidas 207 vítimas e testemunhas de graves violações de direitos humanos cometidas no período de análise da Comissão Nacional da Verdade (1946-1988). Dos depoimentos, 59 foram ouvidos em entrevistas reservadas, e 148 durante audiências públicas realizadas pela Comissão nas cinco regiões do Brasil: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Até o momento, a CNV promoveu 15 audiências públicas e uma tomada pública de depoimentos do Presidente da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, vereador Gilberto Natalini, do Partido Verde de São Paulo, e de dois agentes da repressão: o ex-sargento do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna do IIº  Exército em São Paulo (DOI-Codi-SP), Marival Chaves, que negou ter participado de sessões de tortura, e o ex-comandante do DOI-Codi-SP, entre 1970 e 1974, coronel Carlos Brilhante Ustra,que nega ter torturado Natalini. Outras 35 pessoas que estiveram diretamente envolvidas ou que conheceram as práticas usadas pelo regime para violar direitos humanos foram ouvidas em audiências privadas. Desse total, 13 depuseram sob convocação.

Entre os avanços da Comissão Nacional da Verdade, estão as investigações sobre o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, a correção do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, e as investigações sobre a morte do ex-Presidente João Goulart (Jango), a Operação Condor, e as violações de direitos cometidas contra os índios durante a ditadura militar.

A Anistia Internacional sugeriu à CNV uma sessão pública para ouvir a Presidenta Dilma Rousseff, e também que o Brasil poderia repetir a experiência da África do Sul, onde os testemunhos eram transmitidos em programas de Rádio e TV.

Para a entidade, o Brasil tem uma "oportunidade única de romper com padrões de violações de direitos humanos que ainda persistem em muitas instâncias do Estado no país", e o relatório final deve ter contribuições para as políticas públicas, além de servir de base para processos judiciais nos questionamentos feitos à Lei de Anistia.

Edição: Carolina Pimentel/Aécio Amado/Talita Cavalcante/ Fábio Massalli/ Lícia Marques

 

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