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Ribeirinhos na Amazônia pescam

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Formação de lideranças é estratégia para garantir futuro de gerações

Criado em 16/04/14 05h54 e atualizado em 16/04/14 08h18
Por Pedro Peduzzi Edição:Lílian Beraldo Fonte:Agência Brasil

Ninguém melhor para falar em nome dos ribeirinhos do que os próprios ribeirinhos. Com essa tese em mente e muitas dificuldades a superar, as comunidades têm encontrado na formação de lideranças uma arma importante para a organização e luta por melhores condições de vida.

“Candidato aqui oferece de tudo. Mas, se perde [a eleição], não faz nada porque não tem como fazer. E se ganha, não faz porque diz ser muito difícil fazer”, lamenta o presidente da comunidade São Francisco, Raimundo Ribeiro da Silva, 49 anos. Localizada na Reserva Mamirauá, a cerca de três horas em lancha rápida do município de Tefé (AM), a comunidade é o lar de 22 famílias ribeirinhas.

“Temos muitos problemas por aqui. Falta poço artesiano, energia elétrica, água tratada e uma escola mais adequada e organizada”, disse o líder local que tem como atribuição “identificar as dificuldades da comunidade e apresentá-las às autoridades públicas”. Ele reclama também da falta de financiamentos para ajudá-los a plantar e colher. “Tem muita coisa a ser feita. O que não podemos é parar”, acrescentou.

A cerca de duas horas dali (usando lancha voadeira), fica a comunidade Vila Alencar, onde mora o presidente da Associação de Auxiliares e Guias de Ecoturismo Mamirauá (Aagemam), Isael da Silva Mendonça, 33 anos, que também trabalha como guia turístico da Pousada Uacari, uma proposta de turismo ecológico de base comunitária que tem como pilar a sustentabilidade.

Foi em um dos cursos de gestão comunitária oferecidos pelo Instituto Mamirauá – parceiro das comunidades ribeirinhas na cogestão da pousada – que Isael identificou a vocação de ser líder local. “Eu senti que estava preparado para a presidência da Aagemam [posto que ocupa desde 2009]. Antes dos cursos, eu não tinha noção do que se fazia nem como se fazia uma associação. Os funcionários e os cursos oferecidos pelo instituto me ajudaram a ter essa noção e de como trabalhar com pessoas. Aprendi também como gerir as questões jurídicas tanto da associação quanto da pousada”, disse Isael à Agência Brasil.

“Antes eu ia trabalhar e pronto. Mas a visão mudou. Entendi que é necessário ter responsabilidades e cuidados para o futuro de nossas crianças, que precisam seguir com uma mentalidade voltada para a sustentabilidade daqui. Caso contrário, o futuro de nossas famílias ficará comprometido”, disse ele, pai de três filhos.

Com o caminho aberto pelos cursos, a Vila Alencar – comunidade com 30 casas, 32 famílias e 160 pessoas, das quais 42 crianças – acabou se tornando uma verdadeira “fábrica de lideranças”. Caso da agente de Saúde Comunitária, presidente do Grupo de Mulheres e 2ª tesoureira da comunidade, Ivone Brasil Carvalho, 28 anos, e da gerente da Pousada Uacari, Ednelza Martins da Silva, 42 anos.

“Os cursos técnicos de organização comunitária promovidos pelo instituto ajudaram muito a melhorar nossa comunidade”, disse Ivone ao se referir às aulas sobre pescado, agricultura e formação de lideranças, entre outros. “Aprendemos inclusive a reivindicar de forma mais eficiente com a prefeitura. Isso nos ajudou a formar lideranças e profissionais prestadores de serviços, tanto para a nossa comunidade como para comunidades vizinhas”, acrescentou.

Localizada no Lago Puraquequara, a cerca de duas horas em lancha rápida de Manaus (AM), a comunidade São Francisco do Mainã teve de se organizar porque corria o risco de ser “dizimada”, a exemplo de outras populações locais que “sempre viveram com sua paz, residências e agricultura”, disse o presidente da associação de moradores, Francisco Mateus da Silva, 56 anos. “Nossa comunidade tem mais de 100 anos, mas foi há cerca de 40 que ela começou a ficar mais organizada”, lembra.

“Temos uma história muito bonita a ser contada. Uma história como a de Davi e Golias”, acrescentou Marcelo Mateus Silva, 35 anos, irmão de Francisco, referindo-se aos problemas envolvendo a comunidade e o Exército. Nos anos 60, as terras foram doadas pelo governo do estado à União que as repassou, uma década depois, ao Exército “sem que qualquer indenização fosse paga para retirar os moradores que já viviam no local”, explicou Francisco.

As dificuldades de negociação com o Exército foram grandes porque o local é uma espécie de atalho usado pelos soldados para se deslocar pela região, com rios profundos em condições de receber navios de todos os portes. “Para nos pressionar, tentaram nos obrigar a assinar um termo que restringia todas as nossas atividades. Principalmente a pesca e a agricultura. Éramos impedidos até de plantar árvores”, disse Marcelo.

Até mesmo o advogado contratado pelas lideranças estava pessimista quanto ao caso. “Estávamos prestes a abandonar tudo. Para piorar, o advogado sempre dizia que nossa causa era impossível de ser ganha, porque estávamos brigando com uma entidade muito poderosa. Ninguém queria pegar a causa. Fomos forçados a correr atrás de apoio. Um padre local acionou a Cáritas [organização humanitária ligada à Igreja Católica], fomos à Assembleia Legislativa, à Câmara Municipal, participamos de audiências públicas no Congresso Nacional e tivemos a ajuda do Ministério Público e da Pastoral da Terra”, acrescentou.

Francisco explica que essas entidades “não iam para a frente de batalha”, mas ensinaram a comunidade a agir. “Aprendemos a não nos retrair e a não ficar esperando que façam as coisas pela gente. Aprendemos a ir e fazer”, lembra ele. Como não podiam produzir, a situação ficava cada vez mais difícil. “Mas, com organização social e colaboração, superamos todos os tipos de problemas que apareceram”, disse Marcelo. “Percebemos, então, que somos fortes”, completou.

O resultado de 40 anos de luta chegou a um desfecho em agosto de 2013, quando a comunidade de São Francisco do Mainã conseguiu, em ação coletiva, um título de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). Com isso, a ocupação e o uso dos cerca de 400 hectares de terra foram legalizados.

“Nunca quisemos sair daqui. Temos uma natureza linda e maravilhosa. Cuidamos dela, ninguém a desmata e sabemos o quão importante é preservá-la. Ficamos dois anos sem entrar no igarapé nem plantar. Agora tivemos autorização e estamos voltando a plantar para praticar agricultura familiar”, comemora Francisco.

Por 11 dias, no mês de fevereiro, a equipe de reportagem da Agência Brasil viajou pela Amazônia para conhecer o dia a dia dessas comunidades. A vida dos ribeirinhos também será destaque no programa Caminhos da Reportagem, que será exibido pela TV Brasil nessa quinta-feira (17), às 22h.

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Editor - Lílian Beraldo

Creative Commons - CC BY 3.0

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