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Proposta que legaliza jogos de azar tramita em caráter terminativo na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional

Imagem: Divulgação/Senado Notícias

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Jogos de azar geram histórias de compulsão, vício e superação

Criado em 17/08/16 15h11 e atualizado em 18/08/16 15h25
Por Leandro Melito Edição:Leyberson Pedrosa Fonte:Portal EBC

A tramitação no Congresso Nacional de projetos de lei que tratam da legalização dos jogos de azar levanta a discussão na sociedade sobre o problema do jogo compulsivo chamada cientificamente de ludopatia. O problema atinge cerca de 2,3% da população brasileira, segundo levantamento feito por Hermano Tavares, psiquiatra e professor do departamento de psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).

Essa porcentagem é formada por aqueles que já tiveram um episódio de jogo compulsivo na vida (1%) e aqueles considerados jogadores problemáticos (1,3%). Considerando as pessoas atingidas de forma secundária pelo jogo, os familiares ou pessoas que vivem com jogadores compulsivos, o total de atingidos pelo problema pode chegar a 10% da população brasileira.

"A gente tem algo em torno de 2,3% da população com dificuldades com o jogo ao longo da vida e que podem, a qualquer momento, voltar a sofer com o problema, sobretudo se avançar essa questão da legalização, o que vai gerar um aumento no acesso ao jogo de azar", considera Tavares.

 

Leia a entrevista completa com Hermano Tavares

Tavares desenvolve um programa de atendimento e pesquisa voltado a esse público desde 1997 quando criou o Ambulatório do Jogo Patológico (Amjo), posteriormente renomeado para Pro-Amjo (Programa Ambulatorial do Jogo), que funciona no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas em São Paulo. Quando os bingos operavam livremente, o local recebia em torno de 240 solicitações de atendimento de novos casos por ano. 

"Tínhamos bastante demanda. Atendíamos 120 casos novos por ano, e os outros 120, infelizmente, tinham de aguardar uma oportunidade de tratamento. Isso me deixava sempre muito preocupado, pois trata-se de uma população com alto risco, risco de suicídio, risco de abuso de substâncias e acidentes", ressalta. Com a legislação atual, a demanda no Pro Amjo está estabilizada em cerca de 80 novos casos por ano. 

"Ainda que não seja uma estatística consolidada e publicada, sentimos na pele que quando o jogo está liberado e com acesso irrestrito, a demanda por tratamento praticamente triplica", aponta.

Para atender a essa demanda, existem poucas clínicas especializado hoje no país, a maior parte delas localizados nas capitais Rio de Janeiro e São Paulo. "Se você for um jogador compulsivo no Brasil você está em dificuldades. Se você for jogador compulsivo em Belo Horizonte, por exemplo, eu não saberia pra onde te encaminhar", alerta Tavares.

Ele considera que a legislação sobre o tema deve prever  a necessidade de treinamento de profissionais da rede pública de saúde para lidarem com a doença. "Não vai ser barato montar uma estrutura dessas, mas ela vai ser imprescindível quando se pretende avançar nessa discussão da legislação", avalia. 

Recuperada há oito anos, após quase 15 de vício, Anna Riccitelli conhece bem essa realidade. "Entrei em depressão, tomava oito remédios por dia e tentei suicídio. Vivi um inferno. Até hoje eu tenho pessoas que ainda não me levam a sério. Você fica com o passado sujo. Você precisa conquistar muito pra você voltar sua dignidade e mostrar que aquilo foi um problema que passou".

Nascida em uma família de alto poder aquisitivo, ela perdeu tudo no jogo. Começou a jogar aos 35 anos e só conseguiu parar com tratamento. Hoje, aos 59, e com as dívidas quitadas após perder vários de seus bens, ela vê com preocupação os projetos que pretendem legalizar novamente esse tipo de entretenimento no país. "Fico indignada de reabrirem o jogo, porque vai começar o inferno das famílias. Querem tirar dinheiro das pessoas que são ignorantes, que estão com problemas financeiros", avalia.

Leia a entrevista completa com Anna Riticelli

De acordo com o projeto de lei em discussão na Câmara dos Deputados, as casas de jogos deverão, entre outras medidas, informar às autoridades a identidade de todo jogador que ganhar mais de R$ 10 mil de uma vez. Os estabelecimento também estariam proibidos de emprestar dinheiro para apostadores. 

A fim de evitar que pessoas já recuperadas da dependência dos jogos voltem a frequentar as casas, o texto também propõe que seja criado um cadastro nacional de ludopatas, como são chamados os viciados em jogos, que ficarão proibidos de entrar nos estabelecimentos. Já no projeto em tramitação no Senado não traz até o momento nenhum parágrafo sobre jogo responsável.

Para Magno José, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJBL), entidade que defende a regularização dos jogos no país considera que a legalização dos jogos trará vantagens para a população que apresenta problemas em relação a essa atividade.

"Quando você traz o jogo pra legalidade, você passa a ter dados, a ter informações precisas pra poder estabelecer qual a quantidade de jogadores patológicos que você tem, quais as políticas públicas que você vai ter que usar pra minimizar o impacto desse problema e também que tipo de campanha educativa através de um será necessário pra você minimizar o impacto do jogo", considera.

Leia a entrevista completa com Magno José

Esse também é o ponto de vista do presidente da Associação Brasileira de Bingos, Cassinos e Similares (Abrabincs), Olavo Sales da Silveira. "Não é porque existem ou não casas de jogos que teremos ou não ludopatas. A nossa proposta é para que essas pessoas sejam identificadas, assim como ocorre na Europa, e assim, não possam acessar esses ambientes. É mais fácil lidar com essa situação a partir do momento que as casas de jogos funcionam às claras, do que se omitir", considera.

Leia a entrevista completa com Olavo Sales da Silveira

Histórias de vício e de recuperação

Anna chegou a passar três dias seguidos dentro de uma casa de jogos, não levantava para ir ao banheiro e chegou a perder 20 kg durante o tempo que jogava compulsivamente. Ela conta que os proprietários faziam de tudo para que os jogadores permanecessem o maior tempo possível dentro do estabelecimento.

"Eles te emprestam dinheiro,  dão as cartelas,  colocam dinheiro no caça-níquel,  dão lanche, café. Mas a partir do momento que você deu um cheque e o cheque ficou sem fundo, como eu fiz, teve polícia na minha porta, cobradores querendo me matar, querendo me bater", lembra.

O servidor público Thiago Silva trabalhou em um bingo, na cidade de Águas Lindas (GO), em 2005 e acompanhou algumas histórias semelhantes à de Anna. À época, os bingos já haviam sido fechados em Brasília, onde ele reside, mas seguiam funcionando na região do entorno do Distrito Federal.  

Relembrando o ambiente de funcionamento do bingo, Thiago considera que grande parcela do público aparentava vício nos jogos. “Era bastante assustador porque a maioria dos clientes demonstrava realmente essa fraqueza do vício. Estavam lá todos os dias e nos contavam de suas vidas pessoais. Lembro de uma juíza federal que ficou afastada do trabalho por motivos psiquiátricos e que não saia do bingo, toda a renda dela – ela já tinha vendido imóvel e carro – era para o jogo”, recorda-se.

Leia a entrevista completa com Thiago Silva

Silva resolveu deixar o trabalho no Bingo depois de um ano por considerar o ambiente insalubre em razão dos problemas apresentados pelos frequentadores. "Nós sabíamos que os clientes já haviam perdido vários bens e que todo dinheiro que conseguiam ficava no bingo. Era perceptível que as pessoas tinha um problema de saúde e não conseguiam se afastar, o que tornava o ambiente muito ruim, insalubre tanto pros funcionários quanto para os clientes", considera.

Hoje, trabalhando como servidor público, ele não vê com bons olhos a possibilidade de legalização dos jogos no país. "Por ter trabalhado nesse ambiente, por ver de perto o que realmente acontece, não acho que seria bom pra sociedade como um todo. Não sei se arrecadação de impostos seria o mais atrativo para o governo, mas em termos sociais, a grande maioria dos clientes tem problema com o vício, perde seus bens e a vida social", relata.

 

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