Uso de tecnologias em sala de aula

Imagem: Thomas Galvez/Flickr

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REA: entenda o que são recursos educacionais abertos

Criado em 10/09/15 16h15 e atualizado em 10/09/15 23h46
Por Fernanda Duarte* Edição:Ana Elisa Santana Fonte:Portal EBC

Uma das tendências que emergem com o surgimento da internet e o uso das mídias na educação é a da Educação Aberta. Norteada pela colaboração e interatividade da cultura digital, a proposta deste movimento é a de que todos devem ter a liberdade de usar, personalizar, melhorar e redistribuir ferramentas educativas, sem restrições, ampliando assim o conhecimento. E para isso, é necessária a utilização de Recursos Educacionais Abertos (REA).

Os REA vêm conquistando a atenção de pesquisadores, educadores e governos em todo o mundo por representarem uma alternativa econômica para a ampliação do acesso ao ensino e melhoria da qualidade da educação.

Em seminário realizado em Brasília [2], o Portal EBC conversou com alguns especialistas e ativistas sobre o tema.

O que é REA?

De acordo com a definição dada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2002, pode ser considerado recurso educacional aberto qualquer tipo de ferramenta, material ou técnica de ensino e pesquisa, desde que seja suportado por uma mídia e esteja sob domínio público ou sob uma licença livre, de forma a permitir sua utilização ou adaptação por terceiros.

Assista ao vídeo explicativo sobre REA produzido pelo Projeto MIRA [3]:

De acordo com uma das fundadoras do Projeto REA.br [4], Carolina Rossini, são três os elementos principais em que estão baseados os recursos educacionais abertos:

1) os conteúdos de aprendizado, como um livro, uma imagem ou até mesmo um curso que seja utilizado para fins educacionais;

2) as ferramentas tecnológicas, que possibilitam gerenciar ou disponibilizar esse conteúdo on-line; e

3) os recursos para implementação, que são as licenças de propriedade intelectual para promover a publicação aberta de materiais. 

Confira a entrevista com a Carolina Rossini:

Para ser considerado um REA, o recurso precisa permitir quatro liberdades mínimas, chamadas de"4Rs": revisar, reusar, remixar e redistribuir.

Segundo Carolina, essas liberdades possibilitam que o usuário o original possa adaptar, aprimorar, fazer recombinações e adequar o material ao contexto educativo, além de redistribuí-lo para que mais pessoas tenham acesso.

Experiência norte-americana

Dois pontos principais têm despertado o interesse de pesquisadores e gestores de políticas públicas sobre este tipo de ferramenta em todo o mundo: a melhoria do desempenho dos estudantes e a redução de custos com materiais didáticos.

Para o consultor sênior do Creative Commons, Hal Plotkin, a metodologia aberta se apresenta como uma ótima solução para ampliar o acesso à educação, sem que isso represente elevados custos aos governos. "Estamos vendo um enorme progresso conforme as pessoas vão percebendo que os recursos educacionais livres e gratuitos produzem melhores resultados do que os recursos comerciais, que são mais caros", diz ele, que participou do projeto de implantação do programa de Livros Didáticos Abertos nos Estados Unidos, a pedido do governo de Barak Obama. 

Confira a entrevista com Hal Plotkin:

Segundo Plotkin, o projeto começou beneficiando alunos das Faculdades Comunitárias (Community College) que passaram a ter acesso a livros que antes não podiam ser comprados devido a preços altos. Os materiais foram elaborados e validados pela comunidade acadêmica e disponibilizados livremente aos alunos e à sociedade com licenças abertas do Creative Commons. Em 2011, foi anunciado um investimento de 2 bilhões de dólares no programa Trade Adjustment Assistance Community College and Career Training Grant Program (TAACCCT), o primeiro programa federal norte-americano para alavancar o uso dos REA e apoiar o desenvolvimento de uma nova geração de programas educacionais no ensino superior. 

Os livros didáticos representam um entre os maiores custos para o governo americano e para o aluno, segundo revela a diretora de Educação Aberta da ONG norte-americana Sparc [5], Nicole Allen. De acordo com ela, cada livro custa cerca de 300 dólares (o equivalente a aproximadamente R$ 1.088), o que torna difícil a aquisição do material didático. Já com as ferramentas de licença aberta, os alunos podem ter acesso ao material desde o primeiro dia de aula, e os custos são supridos com as taxas governamentais pagas pelos contribuintes. 

Confira a entrevista com Nicole Allen:

"Estamos descobrindo agora que, além de ampliar a oferta das oportunidades [de estudo], os REA ajudam os alunos a aprender mais rápido e melhor", conta Plotkin. "[Por causa disso], muitas instituições estão mudando suas práticas e deixando os recursos [educacionais] comerciais em favor dos recursos educacionais abertos." 

Uma das razões apontadas para o sucesso do aprendizado dos estudantes é a possibilidade de professores e alunos interagirem e construírem o seu conhecimento juntos. "Os recursos educacionais abertos estão ajudando os professores a melhorar a qualidade do ensino e também estão ajudando a aumentar [o nível de] satisfação dos professores com o seu trabalho", diz ele, mencionando as possibilidades de criação, autoria, customização e adaptação de conteúdos e ferramentas que os REA permitem.

Pequenos avanços no Brasil

O país ainda está engatinhando em termos de políticas públicas para incentivo neste campo: não há no momento nenhuma legislação em vigor que disponha sobre o assunto. As principais discussões giram em torno do Projeto de Lei 1.513/11 [6]de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que define o que é REA e estabelece obrigações do governo na hora de comprar material didático e disponibilizá-lo para a população. A proposta prevê que a produção intelectual direta ou indiretamente financiada por recursos públicos deve ser livremente disponibilizada, com autorização expressa do seu autor, para utilização como REA.

"É uma forma de as obras intelectuais pagas pelo Estado retornarem à sociedade sob a forma de recursos educacionais abertos”, afirma a deputada Margarida Salomão (PT-MG), que é relatora da proposta na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, onde o projeto tramita atualmente.

Os ativistas da educação aberta enxergam avanços quanto a esta questão no Plano Nacional de Educação (PNE) [7]. Para Carolina Rossini, os REA se encaixam em duas das metas do plano: a 5, que objetiva alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental, e 7, que trata do fomento à qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o Ideb. "Elas prevêm a diversidade de métodos e propostas pedagógicas, que devem ser disponibilizados, preferencialmente, como recursos educacionais abertos e softwares livres", explica. 

Nova concepção de ensino

O conceito de educação aberta é fundamental para uma nova visão do processo educativo, fomentando uma cultura de colaboração e compartilhamento, segundo afirma o professor Tel Amiel, coordenador da Cátedra Unesco de Educação Aberta, inaugurada em 2014 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

"Quando você tem acesso a recursos [educacionais] que são abertos, tanto da perspectiva mais técnica, usando software livre, usando padrões que são facilmente entendidos por diferentes softwares, mas também na questão legal, onde você tem a permissão de fazer uso de alguma coisa, fica mais fácil compartilhar recursos, criar cursos, criar oportunidades e simplesmente compartilhar conhecimento entre as pessoas", diz Amiel.

O professor ressalta que a colaboração das universidades tem sido fundamental para a expansão do uso dos REA no Brasil. "A participação das universidades tem se dado muito por forma de editais para construir recursos e contribuir com recursos para portais. Grande parte das universidades públicas procura de alguma maneira criar acervos abertos, repositórios, muito ainda focados em teses e dissertações, mas crescentemente têm colocado também os seus vídeos, as suas produções de maneira livre ou numa licença aberta. Mas o trabalho das nossas universidades, se compararmos com outros países, ainda é muito incipiente", ele avalia.

Confira a entrevista com Tel Amiel:

Para o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Nelson Pretto, é preciso que a escola entenda alunos e educadores como protagonistas do processo de aprendizagem e os REA conseguem dar suporte a esse tipo de prática pedagógica.

"Os recursos educacionais abertos são uma estratégia importante para transformar cada jovem e cada professor em produtores de cultura e conhecimentos e não em consumidores de informações", aponta o professor Nelson Pretto.

"É muito importante que nessas discussões sobre os REA a gente possa compreender que, no fundo, o que nós queremos é uma radical transformação da escola, em que a escola se constitua em um grande espaço, como se fosse um laboratório hacker, em que a meninada, jovens, professores e a comunidade possam produzir conhecimento", diz. 

Confira a entrevista com Nelson Pretto:

O web-ativista Pedro Markun, líder da comunidade Transparência Hacker, também compartilha da visão em que o jovem deve ser colocado no centro do processo de aprendizado, com possibilidade de fazer suas experiências de criação e autoria. Durante o seminário realizado em Brasília, ele esteve com uma equipe de jovens e adolescentes no Ônibus Hacker, um laboratório móvel onde são realizadas ações envolvendo tecnologia, política, cultura e artes. "Diante da proposta do seminário, a gente decidiu que ia produzir os nossos próprios REA. A gente ia produzir nossos próprios recursos educacionais que fossem recursos educacionais políticos", ele conta, salientando a necessidade de buscar formas de dialogar com o jovem de hoje. 

Confira a entrevista com Pedro Markun:

Liberdade para criar

Além de melhorar o rendimento escolar e reduzir custos com materiais didáticos, os REA também se mostram como alternativa para a resolução de outro problema que alcança as salas de aula do Brasil: o uso indevido de materiais com direitos autorais. Atualmente, grande parte dos docentes busca na internet fotos, textos e vídeos para repassar aos alunos. No entanto, não há uma regulamentação para que isso ocorra de forma a resguardar o professor.

A diretora-executiva do Instituto Educadigital, Priscila Gonsales, alerta para o fato de que, diante dessa conduta, os docentes podem ser enquadrados na Lei de Direitos Autorais [8], que protege o direito das pessoas sobre suas criações audiovisuais, musicais, publicações, entre outras. Pela legislação brasileira, quem viola o direito autoral de outra pessoa está sujeito desde o pagamento de indenizações até à prisão, em alguns casos.

Confira a entrevista com Priscila Gonsales:

"Quando a gente pensa em REA na política pública é muito importante porque o governo gasta muito dinheiro em material didático, impresso e digital, mas a grande maioria desses materiais não está disponível para toda a sociedade. Eles não são públicos. Um professor dos estados do Norte, por exemplo, não consegue modificar um determinado conteúdo que foi produzido por autores da região Sudeste que tem a ver com a situação regional dele. Por que esse professor não poderia, junto com os seus alunos, criar conteúdos regionais e também fazer parte desses materiais?", questiona.

Priscila ressalta que, quando o governo adquire material didático com restrição de direitos de uso, como o Copyright, e esse material tem algum problema ou logo se desatualiza, se torna necessário dispender mais dinheiro por um material que não é de uso público. Segundo ela, a ideia dos materiais livres é valorizar o professor como autor e criador de conteúdo, tendo proteção legal para esta produção:

"O REA traz a possibilidade dos materiais que são pagos com o dinheiro público estarem disponíveis on-line e as pessoas poderem usar conforme elas necessitam", afirma Prisicila Gonsales.

O projeto Índio Educa [9], por exemplo, disponibiliza conteúdos produzidos por professores e alunos indígenas com licença Creative Commons. Um dos colaboradores do projeto, o diretor de cinema argentino Sebastian Garlic, relata que os próprios indígenas escrevem suas histórias e registram fotografias para tirar as dúvidas que as pessoas têm sobre a história e a cultura indígena. "Nós encontramos nesse fluir das informações, do diálogo, da comunicação, uma forma das pessoas poderem rever os preconceitos, os estereótipos, e haver uma verdadeira aprendizagem, onde as pessoas tiram um pouco os preconceitos e passam a conhecer a verdadeira história dos índios contada por eles mesmos."

Confira a entrevista com Sebastian Garlic:

Para Garlic, os REA auxiliam que esse tipo de iniciativa seja implementada por comunidades que, em razão do alto custo, não teriam condições de adquirir recursos pagos. "A situação econômica [dos indígenas] é diferenciada. Então não é tão fácil ter acesso a um equipamento, ou um celular, porque para eles é um custo muito alto. Mas a gente tem um projeto de apropriação [facilitado pelos REA], onde os indígenas pegam nas tecnologias não para copiar os mesmos usos que acontecem na sociedade, mas para entender que essas tecnologias podem ser ferramentas de luta. Então, como é um povo que apanha, tem os direitos todos os dias violentados, eles se apropriam das tecnologias de informação e comunicação para fazer as suas lutas, para colocar reivindicações em escala, para colocar suas vozes para o mundo."

 

*Colaboração: Gustavo Gomes, Ellen Braga e Ana Elisa Santana. Tradução: Amarilis Anchieta

Creative Commons - CC BY 3.0

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