O compromisso da reportagem com o interesse (do) público

Publicado em 23/02/2017 - 18:18 e atualizado em 30/03/2017 - 16:28

Coluna da Ouvidoria
Joseti Marques - Ouvidora da EBC

Pedro França

Se há um ponto nevrálgico para a comunicação pública, esse ponto, sem dúvida, se resume aos embates da cena política nacional que têm mobilizado a atenção das pessoas, através das redes sociais e da imprensa em geral. Padecendo de recorrente falta de identidade por ter seus veículos, que são públicos, geridos por uma empresa que é estatal, a cada sinal de crise política que se abate sobre os governos – sejam eles quais forem – e suas autoridades, os veículos públicos são questionados quanto ao princípio da imparcialidade, compreendida aqui como distanciamento crítico do jornalista para compor uma narrativa equilibrada sobre as partes em disputa, atendendo tanto ao interesse público quanto ao interesse do público.

Esta semana, o jornalismo da EBC foi novamente posto à prova, com a cobertura da sabatina, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), do ministro licenciado, indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. A sessão, em 21/2, começou às 10h16, a tempo de entrar na edição vespertina do Repórter Brasil, que vai ao ar às 13h – e foi a primeira matéria do telejornal, com uma repórter, ao vivo, no Senado.

Os problemas que poderão gerar a impressão de parcialidade começaram já na abertura do telejornal, quando a apresentadora antecipa, no texto, a condução de Moraes ao STF: “Esse é o primeiro passo para que ele assuma o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal”. Embora fosse improvável uma reprovação, a indicação de Moraes, naquele momento, ainda teria que passar pela aprovação, em plenário, de pelo menos 41 dos 81 senadores para, aí sim, assumir o cargo. Não era apenas “um passo” para chegar lá.

Em seguida, a repórter traz as informações sobre a sabatina, começando por assuntos periféricos – descrição do ambiente e dos acontecimentos que antecederam a abertura da sessão, quem acompanhava o ministro licenciado, a que horas ele chegou, o “princípio de tumulto” promovido por deputados que protestavam contra a nomeação dele. Note-se que a esta altura, por volta das 13h05, a sabatina já estava acontecendo, com perguntas e respostas que diziam respeito ao interesse público e ao interesse do público. 

A referência à sabatina, propriamente dita, veio na reportagem como uma espécie de deixa para uma fala do ministro licenciado. A repórter se referiu aos recursos interpostos pela oposição para suspender a sabatina, dizendo que foram todos negados, e que um dos argumentos dos senadores era o fato de Moraes não ter informado que a mulher dele atuava como advogada em casos que estavam no Supremo.  Na sequência, a repórter repete as palavras de simpatia do relator da CCJ, senador Eduardo Braga (PMDB-AM), ao sabatinado, para dizer que Braga havia encaminhado perguntas da sociedade civil a Moraes, destacando a que se referia à questão da mulher dele. E convida o público a ouvir os argumentos do sabatinado: “Vamos ouvi-lo”. 

Após a fala de Moraes, a repórter volta, informando que “Alexandre de Moraes também falou sobre a política brasileira de combate às drogas e defendeu a prisão de traficantes ligados ao crime organizado”. E convida mais uma vez: “Vamos ouvir”. Deu a impressão de ser apenas um pronunciamento do ministro licenciado, sem que tivesse havido uma pergunta sobre o assunto. Note-se, também, a irrelevância da informação de que Moraes “defendeu a prisão de traficantes ligados ao crime organizado”. A que se vinculavam, na sabatina, essas informações?

As falas de Alexandre de Moraes ocuparam algo em torno de dois minutos e, na edição, mais pareceram discursos do que propriamente respostas a questionamentos. Não houve sequer uma imagem dos senadores ou a inserção de uma pergunta que justificasse as longas falas. De volta ao estúdio, a apresentadora promete que, ainda naquela edição, voltaria a falar sobre a sabatina. Mas o que a repórter trouxe, nesta segunda entrada, também ao vivo, foi um descritivo minucioso do roteiro burocrático da sessão. Sobre a sabatina, apenas a referência ligeira de que dos 30 senadores, “apenas um, Lindbergh Farias, se pronunciou.”

O Repórter Brasil, edição da tarde, terminou por volta de 13h30.  A essa altura, Moraes já havia sido sabatinado sobre as acusações de que teria sido advogado do PCC; de que teria plagiado a tese de outro autor; sobre a suposta investigação da operação Acrônimo contra ele; sobre financiamento de campanha, e também às perguntas do senador que foi ligeiramente citado no texto da reportagem, Lindbergh Farias (PT/RJ), sobre se o sabatinado se sentia isento para ser revisor da Lava-Jato e se ele abriria mão dessa prerrogativa. Ainda teria dado tempo para informar que, às 13h23, o senador Lasier Martins (PSD/RS) fez perguntas ao sabatinado sobre a operação Lava Jato. 

Essas e outras informações podiam ser conferidas no site da própria Agência Brasil, que também é pública, e transmitiu a sabatina em tempo real, além de oferecer pequenos resumos dos debates na página, à medida que iam ocorrendo. Mais tarde, na edição da noite do Repórter Brasil, as questões mais polêmicas foram citadas logo na abertura do jornal e no texto inicial da repórter, que também estava ao vivo no Senado, quando a sabatina ainda acontecia. 

No entanto, mais uma vez, não houve intervenção de qualquer dos senadores na reportagem, nem mesmo para ilustrar a realidade da cena da qual eles também eram protagonistas. As perguntas foram reinterpretadas no texto da repórter, para dar entrada às falas de Moraes. Ali, sem dúvida, ele era o personagem principal, mas não o único – a narrativa omitiu uma parte essencial do acontecimento. O telejornal da noite ainda prometeu, ao final, que continuaria cobrindo a sabatina no Senado. 

Uma pena que não tenha contado ao público exatamente o que viu. 

Até a próxima!


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