Matéria de capa da Revista do Conselho: Brasil por inteiro

Publicado em 09/07/2013 - 14:29 e atualizado em 29/01/2016 - 08:53

A produção regional, independente e diversa ainda encontram grandes obstáculos para encontrar espaço consolidado nos meios de comunicação brasileiros. Centralizada no eixo Rio-São Paulo, a maior parte da produção audiovisual brasileira vem das regiões Sudeste e Sul. Segundo dados da Ancine, de um total de 83 filmes brasileiros lançados no ano de 2012, 65 foram produzidos em uma das duas cidades citadas, ou seja, quase 79% do total. Eles foram exibidos em 2.515 salas de cinema, das quais 1.436 só no Sudeste.

Refletida no cinema, a concentração de produção e distribuição nesse trecho se expande para vários setores culturais. Apesar de acharem que as mudanças no modelo de negócios do mercado e algumas políticas de cultura têm invertido essa ordem, os sócios e produtores culturais independentes, Rodrigo Barata e Renato Marques, acreditam que a realidade está longe da ideal. “Rio e São Paulo têm leis que fortalecem a cultura que outras regiões não têm. A iniciativa privada também é um fator que limita, porque o mercado local em outras cidades é pequeno. Enfim, a concentração de dinheiro para cultura ainda é muito grande nesses dois lugares”, pontua Renato.

A presidenta do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação, Ana Fleck, explica que o próprio desenvolvimento técnico industrial da televisão foi responsável pela centralização da produção, e a consequente hegemonia cultural dessa região. “A estruturação do sistema de radiodifusão em redes nacionais, sob a alegação da construção de uma 'identidade nacional', na época dos militares, também relegou a difusão autônoma da cultura regional e local a segundo plano. Olhares independentes e visões diferentes praticamente ficaram de fora das telas de nossa televisão”, lembra.

As emissoras da EBC são, atualmente, sediadas em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão e Amazonas. Fora desses locais, a TV Brasil pode ser assistida em sinal aberto apenas em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. Por meio das emissoras parceiras que fazem parte da Rede Nacional de Comunicação Pública de Televisão (RNCP-TV), outras 1800 cidades recebem o sinal da TV por transmissão terrestre. Dependendo do tipo de contrato firmado, as parceiras podem retransmitir toda grade de programação da TV Brasil ou apenas parte dela.

A RNCP foi prevista na lei nº 11.652/08, que cria a EBC, e é formada por entidades públicas ou privadas que tenham programação compatível com os princípios da comunicação pública. Segundo a definição da lei, conteúdo regional é todo aquele produzido num determinado Estado, com equipe técnica e artística composta majoritariamente por residentes locais. Porém, o Plano de Trabalho 2013 da Empresa considerou programação regional somente aquela derivada de emissoras da Rede. Atualmente, a TV Brasil tem 55 geradoras e 728 retransmissoras – em geral, TVs educativas estaduais e universitárias. Segundo o Plano 2013, as emissoras parceiras produziram um total de 10% da grade da TV Brasil.

Alcançar as regiões fora dos grandes centros do país com as informações produzidas neles tem sido um desafio para a TV pública, mas trazer conteúdo de lá é ainda mais difícil. Isso porque, no jornalismo da EBC, a dicotomia entre regionalização e concentração de produção ainda é um debate em curso. A TV Brasil possui, hoje, dois noticiários nacionais – transmitidos de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo – e outros dois locais, também no Rio e no Maranhão.

Nereide Beirão, Diretora de Jornalismo, conta que a parceira Rede Minas é praticamente a única que possui estrutura para produzir rotineiramente conteúdo jornalístico de qualidade para compor a grade nacional da TV Brasil. “Só podemos contar mesmo com Minas Gerais. Também recebemos material do Rio Grande do Sul, Bahia, Tocantins e Acre com mais frequência. Mas, infelizmente, as equipes locais não têm investimento para produção e capacitação”, explica.

Para ela, existe a necessidade de se criar um projeto de capacitação dos empregados das TVs locais, visto que apenas algumas iniciativas isoladas trouxeram equipes de fora ou levaram profissionais da casa para outros estados afim de promover treinamentos. Com o lançamento do Manual de Jornalismo da EBC, em abril deste ano, Nereide acredita que um primeiro passo foi dado para, não só melhorar a qualidade dos profissionais da Rede, como para garantir a autonomia de sua atuação.

A Diretoria de Jornalismo montou, recentemente, um núcleo de relacionamento que cuida do contato com a RNCP. Um gestor em comunicação faz a ponte direta com os estados, juntamente com os editores, que sugerem e dão contribuições para as pautas. A Diretoria tem trabalhado também para desenvolver novas ferramentas para tabulação dos dados de participação das parceiras. “Houve um avanço porque hoje temos alguns encontros e uma estrutura de retorno – a de pedidos sempre existiu, mas não dávamos feedbacks para as parceiras sobre como elas deveriam produzir e melhorar”, conta Nereide.

Eduardo Castro, Diretor-geral da EBC, diz que as praças regionais tem tido grande destaque em coberturas especiais, como o carnaval e as festas juninas, quando a TV Brasil e as rádios abriram a programação em rede para exibir conteúdo integralmente realizado por elas. “Fizemos o mesmo nas finais do campeonato paraense de futebol, com nossa parceira no estado. Também estamos trabalhando para que o Operador Nacional de Rede se transforme em realidade, o que iria auxiliar no processo de digitalização de nossas parceiras, assegura”.

Em 2013, até o fim de abril, um total de 338 notícias vindas de veículos parceiros foram divulgadas no telejornal Repórter Brasil, primeira e segunda edições, o que representa aproximadamente 5% do total de matérias veiculadas. Os estados que mais colaboraram foram Minas Gerais e Bahia. Durante o mês de março, por exemplo, 98 notícias com imagens foram enviadas por 19 diferentes estados. No ano passado, as emissoras TVE Bahia, TV Minas e TV Antares, do Piauí, produziram edições inteiras para o Caminhos da Reportagem, programa de reportagens especiais da casa.

Uma vez que o jornalismo da TV Brasil deve ser regionalizado, a diretora diz que vale a pena investir nas parceiras, pois fazer sucursais é muito caro, mesmo para veículos menos onerosos que a TV, como a Agência Brasil. Nereide defende que a regionalização efetiva é aquela em que regiões não tradicionais são representadas, o que pode ser conseguido com jornais de veiculação nacional. “Se você chega no Acre com um jornal nacional e eventualmente traz matérias deles, então esse cidadão vai preferir a TV Brasil. É muito mais regional do que ter jornais locais no Rio e em São Paulo”.

Nereide acredita que criar mais oportunidades para a produção regional já estimularia, por si só, as emissoras parceiras. “Tenho dúvidas se somos responsáveis por financiar diretamente a Rede, mas quando as pessoas virem que há espaço, elas vão querer produzir, aproveitar. E, se você está fazendo para a Rede, você tem muito mais vontade de fazer melhor”, diz.

No contrato firmado entre a EBC e as atuais 14 parceiras produtoras de conteúdo jornalístico, há a previsão de um repasse mensal de verbas – que varia de 20 a 25 mil reais, dependendo da emissora. Para isso, é preciso que estas apresentem um plano de trabalho e cumpram demandas vindas da TV Brasil. Alguns contratos semelhantes, como com a TV Minas, venceram nos últimos anos e não foram renovados. Estão sendo discutidas mudanças para que a contrapartida de produção das parceiras passe a ser mais quantificável nos novos contratos. Todos os demais em vigor, também serão revistos.

O rádio

As emissoras de rádio da EBC ainda não possuem sua Rede. Em seu Plano de Trabalho, a diretoria da Empresa declarou que vem empreendendo esforços para formação da RNCP-Rádio, como a articulação de redes regionais, e que pretende organizar uma reunião em setembro deste ano, em Brasília, para prospectar parceiros. “Já reunimos cerca de 15 emissoras amazônicas em torno de um projeto de jornal para a região. Em breve, a parceira se estenderá para outros campos da programação, bem como para outras regiões. A Copa das Confederações, este ano, e a Copa do Mundo no ano que vem vão ajudar neste processo, pois muitas emissoras aceitaram nosso convite para fazer parte de uma rede nestes dois eventos” conta Eduardo.

Apesar da rede ainda em formação, as rádios Nacional da Amazônia, do Alto Solimões, de Brasília e Rio de Janeiro e as rádios MEC de Brasília e Rio apresentam índices de programação regional que variam entre 35% a 90%. Diferentemente da TV, as rádios usam o padrão estabelecido por lei para classificação do conteúdo, ou seja, programação regional não é aquela produzida em outras regiões do país, mas sim a produzida no próprio estado onde é veiculada. “A produção regional deve estar ligada ao lugar de produção. O que é feito no local, com a cultura do local, o mercado do local. Não faz sentido ter o grosso do conteúdo produzido fora do lugar de onde se está transmitindo”, afirma Bráulio Ribeiro.

Ele explica que o próprio veículo – o rádio – tem uma característica local, segmentada, e que, por isso, o modelo de rede a ser adotado por esse meio deve ser horizontal e não vertical, como o da TV. “Uma rede de rádio é um espaço onde todas as emissoras intercambiam conteúdos e cada uma utiliza aquilo que se encaixa na realidade local”, define.

Bráulio afirma que a EBC possui função complementar às rádios comunitárias na difusão de temas locais. Para o comunicador, rádios comunitárias trabalham com o “hiper local”, rádios públicas trabalham com o local, o nacional e o internacional, e as rádios comerciais trabalham com a lógica privada. “O papel de uma rádio pública é transitar entre o local e o internacional sem as amarras comerciais, podendo inovar em formatos, estéticas e linguagens que não cabem em uma programação privada. O conceito de local não é falar para mim sobre mim, é falar de tudo, traduzindo para uma realidade próxima”, diz.

Ana Fleck acredita que a missão conferida aos meios públicos é a de veicularem conteúdos locais e distribuírem essa cultura em outras regiões do País. “Apesar da diversidade cultural e da pluralidade de opiniões existentes em um país de dimensões continentais como o nosso, e das diversas possibilidades de formatos e experiências possíveis de serem feitas, o que se vê na TV e no rádio, com raras exceções, é uma maioria absoluta de conteúdos – ficcionais ou jornalísticos – abordando ou baseando-se na realidade do Sudeste”, lamenta.

Leia reportagem sobre produção independente aqui.
Veja dados sobre a produção independente na EBC aqui.
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Texto: Priscila Crispi (jornalista da Secretaria Executiva do Conselho Curador).

 

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