Matéria de capa da Revista do Conselho: Espaços de participação

Publicado em 24/01/2014 - 16:15
O Manual de Jornalismo da EBC diz que a produção jornalística da Empresa se submete ao interesse público por meio da interação com o cidadão. Segundo o texto, os canais de comunicação da sociedade com a empresa devem alimentar sua pauta jornalística, seu planejamento e suas ações estruturadas. Dentre esses canais estão o Conselho Curador, a Ouvidoria, e-mails, telefonemas, redes sociais, contato direto dos profissionais com a população, pesquisas de opinião, o jornalismo participativo e as pautas colaborativas.

O sistema de pautas colaborativas ainda não foi totalmente implantado nas redações da EBC, estando restrito ao perfil do Repórter Brasil, jornal de veiculação nacional da TV Brasil, no Facebook. Sobre o jornalismo participativo, o Manual define que “entende-se como a participação do cidadão o acolhimento de sugestões de pauta, críticas, dados e informações e produção de conteúdos”. A produção vinda da sociedade precisa se amoldar a parâmetros também estabelecidos na norma.

A definição de jornalismo participativo, porém, não está fechada – nem para definição de conteúdos para a Empresa, nem para a academia. O consenso reside na ideia que a prática do jornalismo participativo constitui uma interação que vai além de intervenções superficiais, como o envio de sugestões e pautas, possibilitando aos destinatários colaborarem com a produção dos conteúdos, em suas várias etapas. Nesse sentido, dois espaços correspondem ao jornalismo participativo na casa: o quadro “Outro Olhar”, também no Repórter Brasil, e a editoria “Colaborativo”, no Portal EBC.

Lauro Mesquita, gerente de conteúdos da Superintendência de Comunicação Multimídia (Sucom), área responsável pelo Portal da Empresa, acredita que a internet viabilizou uma nova forma de se produzir conteúdos, superando o tradicional esquema emissor-receptor de informações, o que fez florescer o jornalismo participativo. “O conteúdo, na web, não morre na publicação, ele gera novos conteúdos. É um trabalho permanente de reconstrução a partir do leitor”, explica. Para ele, garantir transmissões ao vivo, sejam elas produzidas por entidades da sociedade civil, ou por cidadão não-organizados, são a forma mais relevante de produção direta do público, pois as demais publicações passam por edição, ainda que consentida.

As colaborações não chegam apenas de maneira espontânea, são também estimuladas. Não existe, porém, uma agenda de publicação sistemática. “Algumas estratégias poderiam aumentar a participação na editoria colaborativa como abrir a plataforma do Portal, o que já está sendo trabalhado, fechar parcerias específicas com entidades que produzam comunicação e ter uma equipe que cuide exclusivamente disso”, defende Lauro.

Outro tipo de interação gerenciada pela Sucom são aquelas recebidas pelo Portal na área de comentários e também pelas redes sociais. Os diálogos possuem perfis diversos – narração paralela de eventos esportivos, informações complementares sobre coberturas de políticas públicas e programas de governo, pedidos de serviços, críticas às matérias, entre outros. O retorno da audiência nesses canais influencia a cobertura e gera correções constantes no que foi publicado, segundo o gerente.

Outro Olhar

O “Outro Olhar” é um quadro do telejornal Repórter Brasil que existe desde a criação da TV Brasil, em 2007. Apesar de ter em média dois minutos durante o jornal, Patrícia Leite, coordenadora do quadro, acredita que o projeto está consolidado. “Ele teria que ser é ampliado, invadir a grade, ocupar outros veículos da Empresa”, afirma. Patrícia defende que o espaço é o olhar de quem vive a notícia, uma espécie de antropologia visual sem a interferência do olhar técnico. “As pessoas são as verdadeiras produtoras, nós somos apenas pautados pelo que eles vivem”.

Uma das entidades que já participaram do quadro é o Coletivo Catarse, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Segundo André Oliveira, repórter do coletivo, o tipo de interação mais efetiva entre entidades da sociedade civil e a EBC passa sempre pela autonomia da produção. “Se os coletivos tiverem a liberdade de escolherem suas pautas, criarem os próprios temas, isso vai gerar mais interesse dos jornalistas em participar. Eles saberão que ali podem emplacar os seus projetos e reportagens e isso, sim, é um sistema colaborativo”.

Os vídeos que vão ao ar chegam tanto de maneira espontânea quanto de maneira estimulada – por meio de parcerias com ONGs, coletivos de comunicação, produtores independentes e movimentos sociais. Segundo Patrícia, um trabalho cuidadoso de estabelecer confiança e treinar os colaboradores é feito por ela e Andréa Araújo, outra profissional que integra a equipe. Além disso, elas captam material em mostras de cinema, em redes sociais, oficinas e palestras universitárias que realizam pelo país. “As pessoas têm a falsa impressão de que os vídeos veiculados são produtos de baixa qualidade, mas eles apenas inovam na estética, que não é a tradicional da mídia”, diz.

Para a coordenadora, as pessoas estão cada vez mais interessadas em participar da produção de conteúdos, mas não existe uma cultura propícia para que a demanda seja espontânea. Segundo ela, isso acontece porque a técnica da comunicação não é fácil e grande parte da população ainda não tem acesso às ferramentas de produção.

Porém, na visão de Patrícia, o esforço de qualificar a população para essa participação ofereceria um salto de qualidade para o jornalismo da EBC, em relação aos veículos comerciais. “Empresas comerciais têm dinheiro para renovar equipamentos e estar em todos os lugares. Emissoras públicas têm pouco dinheiro e equipe e só conseguiremos fazer isso porque não seremos nós, mas sim as pessoas que estarão em todos os lugares para contar os fatos”, define. “O trabalho que fazemos aqui é muito efetivo, o mundo está copiando, mas sinto que a Empresa deveria valorizar mais este espaço”.

A jornalista acredita que algumas medidas pontuais valorizariam o quadro e a participação da sociedade na Empresa como o aumento do número de funcionários na equipe, a disponibilização de verbas para realização de oficinas, uma maior divulgação dos espaços de intervenção, a horizontalização dos conteúdos em todos os veículos da empresa e uma comunicação interna mais efetiva que estimulasse os trabalhadores a abraçar o projeto.

Estética do público

Para além do jornalismo, o diretor de Produção da EBC, Rogério Brandão, explica que as grades da TV Brasil se abrem para o público principalmente em três momentos: nos programas transmitidos ao vivo, no programa da Ouvidoria, o “Público na TV”, e através do Banco de Projetos, endereço eletrônico (www.ebc.com.br/producao), aravés do qual pessoas físicas e jurídicas podem cadastrar propostas de licenciamento, produção de conteúdos audiovisuais, radiofônicos, multimídia, entre outras.

“Nossa interlocução com os produtores independentes é um bom começo para trazermos para nossa tela a diversidade estética da sociedade”, acredita Rogério. Ele acredita que é preciso equilibrar o padrão de qualidade compatível com o que as pessoas já estão acostumadas a ver, com a inovação vinda da produção colaborativa. “Não se trata de dirigismo estético, mas é importante darmos elementos novos para formação de uma nova opinião”, afirma.

A socióloga Sayonara Leal lembra que uma empresa pública de comunicação deve tratar o gosto do público com humildade. “O Brasil está firmado no padrão Globo. Se você quer emplacar algo, tem que levar em conta o padrão estético. É pretensioso dizer que a sociedade não sabe o que é bom. A EBC tem que sair do pedestal e ir ver o que o usuário quer. Ele é quem decide!”, pontua.

A voz e o rádio

O rádio costuma ser tratado como um veículo de proximidade e participação. Essa, com certeza, é a vivência de Mara Régia di Perna, radialista há mais de 30 anos e idealizadora do programa “Viva Maria”, que vai ao ar pela Rádio Nacional da Amazônia. O programa foi responsável por mobilizar movimentos em torno dos direitos da mulher na década de 80 e é, até hoje, uma referência para a população feminina, especialmente, do Norte e Nordeste do país. As cartas que lotam a mesa de Mara comprovam a intimidade dos ouvintes com a apresentadora e a influência em suas vidas pessoais.

“Eu sinto falta da participação que tinha nos primeiros tempos. Perdi a interação no ar, porque hoje o Viva Maria tem só cinco minutos, virou um programete. Nossa comunicação, na Rádio AM da EBC, ficou mais fria”, lamenta. Mara, que também apresenta semanalmente, por duas horas, o programa Natureza Viva, na mesma emissora, se considera uma comunicadora popular. “Você só entra na sintonia certa quando ouve quem está do outro lado. As coisas mais bonitas que já escrevi vieram dessa interação com o povo. É mais cômodo fazer programas de dentro do estúdio, mas não tem temperatura”.

Ela acredita que as tecnologias de transmissão deveriam ser melhor aproveitadas pela Empresa para levar o rádio para a rua. “Não acho que é papel da EBC ser um instrumento mobilizador, mas nossa programação tem que refletir as necessidades de políticas públicas que não encontram espaço nas mídias tradicionais. Esse tipo de cobertura é inspiradora e, por si só, mobiliza”. 

Leia reportagem sobre a participação da sociedade na gestão da EBC aqui.
Saiba aqui como entrar em contato com o Conselho Curador.
Leia essas e outras matérias na Revista do Conselho Curador.
Para baixar a Revista em formato PDF, clique aqui.


Texto: Priscila Crispi (jornalista da Secretaria Executiva do Conselho Curador).

Compartilhar: