Matéria de capa da Revista do Conselho: Gestão participativa, o público na EBC

Publicado em 24/01/2014 - 16:06 e atualizado em 23/02/2016 - 15:03

A participação social voltou a andar de mãos dadas com o conceito de democracia nos noticiários, discursos parlamentares e conversas de mesa de bar. Isso porque as manifestações que varreram o Brasil em junho desse ano trouxeram para a pauta do dia a crescente insatisfação não só com os serviços prestados pelo Estado, mas, especialmente, com sua falta de diálogo na execução orçamentária e de políticas públicas. O resultado da pressão popular pode ser observado no anúncio de programas que pretendem resolver não só problemas na saúde, educação e transportes, mas o histórico abismo entre a esfera pública e a intervenção social no país.

Se as medidas para dar retorno aos protestos são recentes, a discussão sobre a participação cidadã por aqui já é bem antiga e ganhou força com a promulgação da Constituição Federal de 1988, conhecida justamente como “Constituição Cidadã”. A Carta Magna recebe esse apelido porque, dentre outras importantes contribuições para a redemocratização do país, criou mecanismos de participação e controle social. A participação cidadã foi, então, considerada condição obrigatória para a construção de um Estado Democrático de Direito.

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Para a doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília, Sayonara Leal, a participação está totalmente ligada a uma democracia plena. “Ser cidadão é participar para além do voto. Esse é um direito e um dever”, diz. Na outra ponta, ela afirma que uma das características principais de uma instância pública são os mecanismos que garantam que a sociedade possa intervir em sua gestão.

Esse é, justamente, um dos princípios que determina a prestação dos serviços de radiodifusão pública, descrito na legislação que cria a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Lei Nº 11.652, de 7 de abril de 2008. Segundo o texto, a comunicação pública deve se valer da “participação da sociedade civil no controle da aplicação dos princípios do sistema público de radiodifusão, respeitando-se a pluralidade da sociedade brasileira”. Duas instâncias foram previstas na Lei para garantir a execução desse princípio: o Conselho Curador e a Ouvidoria.

O Conselho Curador é o ente institucionalizado para ser a representação da sociedade na EBC. Ele é formado de 22 membros, dos quais 15 são representantes do povo, eleitos por um processo de indicação por parte de entidades da sociedade civil. “Na minha opinião, a EBC só é realmente pública porque garante a participação da sociedade em sua gestão por meio do Conselho”, define a conselheira Rosane Bertotti.

A militante explica que sua participação no colegiado é referenciada pelos movimentos sindicais, feministas, de luta pela democratização da comunicação e da agricultura familiar. Rosane faz relatorias das reuniões do colegiado para esses movimentos e realiza reuniões preparatórias antes de discussões específicas. “Acredito que nosso Conselho é amplo, mas tem uma parte da sociedade civil que ainda não está representada. Ao mesmo tempo, estamos preocupados em atender essa demanda, o que se reflete nas programações que fazemos”, diz. Para além da atuação dos conselheiros, o colegiado realiza atividades, em várias cidades do país, como audiências públicas, debates e reuniões com setores específicos para estimular o diálogo com a sociedade.

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Já a Ouvidoria da EBC tem papel duplo: acolher e estimular a opinião do público e também analisar criticamente a produção, funcionando como uma espécie de Ombudsman. Para Regina Lima, ouvidora-geral da EBC, mais importante do que abrir canais para participação, é gerar mudanças a partir da opinião do cidadão. “Abrir espaço até os veículos privados faziam com as cartas dos leitores, há muitos anos. O problema é o que fazemos com isso. A comunicação pública precisa respeitar as pessoas e ela faz isso quando a programação reflete as demandas vindas da sociedade”, defende.

“Gosto muito de receber a opinião que vem da Ouvidoria, primamos por responder. Existe um diálogo sobre ela, mas a opinião do público ainda não tem força pra mudar uma programação”, diz Rogério Brandão, diretor de Produção da EBC. Segundo ele, pela vocação da Empresa, os canais de participação deveriam ser ampliados e isso, naturalmente, geraria mudanças nos produtos. “Quanto mais os produtores, nós, formos expostos às críticas e sugestões, mais respostas teremos que dar”, afirma.

Regina acredita que a presença de estruturas de participação, em si, não garante que o interesse público seja priorizado, mas que sempre vai agregar algo novo ao conteúdo. A pesquisadora Sayonara concorda: “esses são espaços obrigatórios em qualquer empresa pública. Se eles funcionam, é questão de pesquisa, mas com certeza eles legitimam a visão de comunicação pública que a empresa quer fazer”.

Os três, porém, concordam em um aspecto: é preciso fazer com que a sociedade abrace o projeto da comunicação pública. E isso pode ser uma tarefa muito difícil. Sayonara explica que mobilizar as pessoas em torno da EBC é um desafio, pois a sociedade brasileira é muito voltada para a vida privada e está acostumada com uma comunicação predominantemente comercial. “Tudo que é público só funciona se as pessoas se sentem parte. Por isso, vale o esforço da EBC de deixar claro esse conceito, mostrar que aquilo pertence a todo mundo, ir buscar a participação”, afirma. Rogério acrescenta que a divulgação da Empresa deve gerar nas pessoas o sentimento de pertencimento. “O cidadão precisa achar que isso aqui é dele e não do governo. Isso ainda não acontece”, admite.

Cristina Saliby é engenheira e telespectadora da TV Brasil, além de ser ouvinte das rádios MEC AM e FM do Rio de Janeiro há muitos anos. Ela comprova a tese de que o conceito de coisa pública desperta o interesse dos cidadãos. “Sempre soube que esses eram veículos públicos e gosto disso. Não acompanho só porque gosto da programação. Na verdade, eu acho que gosto da programação justamente porque ela é pública, plural, de interesse coletivo, independente dos interesses do governo”, explica.

Cristina entrou em contato com a Ouvidoria da EBC neste ano para reclamar de um problema técnico – alterações no áudio da programação. A resposta chegou, mas o problema não foi resolvido. Mesmo assim, mais tarde, ela aceitou um convite do Conselho Curador para participar de uma audiência pública sobre o modelo de escolha de novos conselheiros. “Me senti honrada por ter sido convidada e participante da EBC. Eu gosto de dar minha contribuição, e quando algo é público, sinto que tem um pedacinho meu ali”, afirma.

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A engenheira conta que nem sempre consegue promover em amigos e familiares o mesmo entusiasmo que tem com a TV pública. “A Empresa fazer mais divulgação de si mesma não vai resolver tudo, porque acredito que é um problema cultural também. Se nossa educação fosse melhor, as pessoas veriam mais a TV Brasil. Agora, entre quem já vê, se houvesse uma divulgação sobre o que é a empresa, sua totalidade e seus canais de interação, com certeza, as pessoas participariam mais”.

Sayonara endossa a opinião da telespectadora sobre a importância da educação para uma cultura participativa. Mas alerta que uma formação crítica não é o único fator que leva as pessoas a intervirem socialmente. “Isso não é determinante porque países que são modelo de democracia também tem um deficit de participação popular. Está provado que capacidade para intervir não tem a ver com diploma e sim com interesse. Temos níveis de engajamento porque as pessoas têm motivações distintas”.

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Texto: Priscila Crispi (jornalista da Secretaria Executiva do Conselho Curador).

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