Durante Audiência Pública em SP, sociedade cobra ousadia e profundidade na cobertura das eleições pela EBC

Publicado em 20/05/2014 - 16:00

O Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) realizou na última terça-feira, 13, uma audiência pública, na cidade de São Paulo, para conversar com a sociedade sobre como os veículos da EBC devem cobrir as eleições. O evento contou com a participação de representantes de movimentos sociais ligados à comunicação, direitos humanos e empresariado, além de conselheiros, membros da Diretoria da Empresa e de empregados da EBC.

 

“Este é um momento em que a EBC e seu modelo de comunicação estarão na mira do público. As eleições discutem um projeto de sociedade e não existe sociedade sem mídia”, afirmou Rita Freire, vice-presidenta do colegiado e que presidiu o evento.

 

As contribuições colhidas, somadas às recomendações dos conselheiros sobre o tema, serão encaminhadas à Diretoria da Empresa e deverão balizar as normas editoriais do Manual de Diretrizes da EBC para as eleições de 2014. O texto já está sendo desenvolvido e sua prévia foi apresentada durante a atividade pela diretora de Jornalismo, Nereide Beirão. Segundo ela, a cobertura será temática, apresentada sob a ótica de gênero e das minorias, valorizando o protagonismo do cidadão e o jornalismo colaborativo.

 

Ousadia e inovação

Entre as falas, muitos cobraram um papel ousado do Jornalismo da EBC na cobertura de temas políticos. “Fico preocupada com a cobertura temática por uma questão de hábito e de nossos vínculos. É fácil pra nós fazermos a comunicação do governo, então temos que tomar o cuidado de não trazermos um balanço da gestão atual. Falar sobre o passado é importante, mas o olhar que temos que ter é sobre quais são os desafios de hoje. Eleições é futuro”, pontuou Eliane Gonçalves, conselheira.

 

Para Camila Maciel, jornalista da EBC, nas últimas eleições os veículos da EBC focaram na veiculação de informações de aspecto técnico, e não no que é mais relevante para o eleitor. “Assumimos um papel de 'assessoria do TSE', nos detendo em dados sobre o processo eleitoral. Falta ousadia dos gestores que, com medo de serem acusados de tendenciosos, se ausentam dos debates”, disse.

 

A militante da Rede Mulher e Mídia, Teresinha Vicente, concordou. Ela acredita que falta coragem à mídia pública para abordar alguns assuntos polêmicos, que são muito caros aos movimentos sociais. “Acho que o Repórter Brasil, por exemplo, faz mais que os outros veículos, mas ainda é lento, tímido”.

 

Nelson Lin, empregado da Empresa, reforçou que muitas pautas não são realizadas por medo de se cometer erros. “Proponho que a Empresa entre na roda dos debates, como outras emissoras, mas proponho uma ousadia maior: que o façamos com formatos diferentes dos comerciais, que não entram em questões de fundo”, falou.

 

“Precisamos que a Diretoria, o Conselho Curador e a sociedade vejam a EBC como um laboratório de inovação. É muito barato produzir de forma multimídia e ajudaria nossos objetivos, mas um núcleo de comunicação multimídia foi proposto e não andou. O corpo funcional, mesmo quando quer, não consegue fazer o diferente”, afirmou Marcus Vinícius Fraga, também funcionário da EBC.

 

Nelson Breve, diretor-presidente da Empresa, concordou com a fala de Marcus Vinícius, porém, pediu paciência. “Ser uma empresa inovadora é uma cultura, é preciso formar as pessoas pra isso. É um processo das pessoas que já dominam a linguagem multimídia passarem o conhecimento pra outras”, disse.

 

A ouvidora-geral da EBC, Joseti Marques, comentou que a decisão de sair do lugar-comum não é só uma questão de política editorial, mas depende da atuação de todos os profissionais envolvidos na produção da notícia. “Todos estamos ligados a uma cultura de comunicação comercial, consumimos essa linguagem, somos preparados nas faculdades pra fazer igual. Por isso, não se pode cobrar do repórter que mude sozinho. É preciso ter uma conivência entre gestor e repórter de tentar e errar, procurar uma linguagem nova”, afirmou.

 

Projetos políticos

Renata Mielli, representante do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, apoiada por outros participantes, ressaltou a necessidade de se colocar o debate público em torno dos projetos políticos apresentados pelos candidatos. “O nosso papel não é fazer a contravenção do que está sendo mostrado na mídia comercial, mas discutir os projetos políticos de Brasil. Isso, sim, vai ser uma contribuição pro país”.

 

Para Jacira Melo, presidente do Instituto Patrícia Galvão, os veículos de comunicação brasileiros cobrem as eleições focalizados nos bastidores da política e na disputa de partidos ou candidaturas: “um Fla x Flu da política”. Segundo Jacira, a grande diferença da mídia pública para as demais poderia ser a realização de uma cobertura cidadã, problematizando como a eleição pode fazer a diferença na vida das pessoas.

 

Dentre estes temas, que impactam de maneira direta a vida dos indivíduos, está a economia, na opinião de Sérgio Mileto, presidente no Brasil da Associação Latinoamericana de Micro, Pequenas e Médias Empresas (Alampyme). A importância do tema na cobertura eleitoral segundo ele é explicada pelos “80% da riqueza nacional que está nas mãos de poucas grandes empresas”. Para ele, “se os veículos públicos não falarem sobre esses projetos comerciais, os candidatos não vão falar, porque eles não sabem e essas questões econômicas nunca são discutidas”, afirmou.

 

Rosane Bertoti, conselheira, acrescentou que o tema da comunicação, em si, é estruturante dentro de um projeto político para a nação e que, raramente, é abordado pelas campanhas partidárias. “A primeira angústia que tenho está relacionada até com o público dessa audiência: percebam a dificuldade que temos de mobilizar as pessoas. Comunicação pública é uma coisa que é discutida somente por quem vai fazê-la, não faz parte do debate político, mas precisa fazer”.

 

Planejamento de cobertura

O impacto do planejamento interno na produção de conteúdo da Empresa foi lembrado por Camila Maciel. “A EBC sofre de falta de planejamento, há muito ruído e disputa entre setores. Às vésperas da Copa, por exemplo, não temos uma orientação geral de como cobri-la. Embora os diretores estejam preocupados com o orçamento, o que é prioritário, muitos de nossos problemas são de ordem de gestão e de política editorial”, disse.

 

“Acho bacana fazermos um manual de cobertura para as eleições, além do Manual de Jornalismo da EBC. Mas temos que deixar todos, do editor-chefe ao repórter, informados sobre o que se deve e o que não se deve fazer”. Para o jornalista, faltam no cotidiano da empresa discussões mais rotineiras sobre a linha editorial prevista pelo Manual, para que estas sejam assimiladas pelos empregados e gestores.

 

Eliane Gonçalves lamentou a ausência de gerentes da EBC de São Paulo na Audiência, afirmando que isso era um sintoma de problemas na distribuição das informações: “discute-se grandes questões nessa instância do Conselho, mas entre essa esfera e a prática dos profissionais há um gap. Não há capilaridade nas discussões”.

 

Para a representante dos empregados no colegiado, existe na EBC um processo de duplicação de forças: equipes diferentes fazendo o mesmo trabalho. Eliane sugere trocar a palavra “multimídia” por “integração”. Para ela “integração é os editores usarem o material já apurado para construir diferentes notícias, e não sobrecarregar quem tá na rua. Isso é uma questão de planejamento e de mexer nas entranhas da Empresa”, explicou.

 

Movimentos sociais e jornalismo colaborativo

“A cobertura da EBC tem que tratar os problemas a partir das causas e não criminalizar a sociedade. Em nenhum outro momento se discute tanto os problemas do país do que nas eleições e quem melhor pode falar sobre eles são os movimentos sociais, que discutem permanentemente esses temas”, afirmou Rita Freire.

 

A vice-presidenta do Conselho acredita que a sociedade deseja ver debates na TV e outros veículos, mas não dos candidatos entre si, simplesmente, atuando como gladiadores. “As pessoas querem mais debates com a sociedade, elas querem diálogo entre os presidenciáveis e o público”.

 

Rita sustentou que a forma viável para que isso aconteça é estreitando o relacionamento com produtores de conteúdo sociais. “Precisamos de compartilhamento e não colaboração. Que as mídias livres também tenham um retorno e não só forneçam material para a EBC”.

 

Renata Mielli propôs, então, a criação de um banco de contatos de comunicadores e grupos de mídia pública, que possam ser acionados pela EBC para produzir conjuntamente. “Vocês precisam trabalhar com comunicação colaborativa; pegar o que já está sistematizado por comunicadores alternativos, pelo mídia-livrismo”.

 

Gênero

A importância das questões de gênero, quando se trata de eleições e política, foi destacada por participantes da Audiência. “Olhar o processo eleitoral do ponto de vista das mulheres é uma demanda social”, falou Nelson Breve.

 

Teresinha Vicente afirmou que o Comitê Pró-Equidade de Gênero, criado recentemente pela EBC, será muito importante no suporte para o desenvolvimento de pautas com o olhar da mulher. Sua colega na entidade Rede Mulher e Mídia, Rachel Moreno, ressaltou, porém, que isso só será possível com o aumento da presença das mulheres na frente e atrás das câmaras.

 

Pesquisas Eleitorais

Rachel Moreno falou, também, sobre a divulgação de pesquisas eleitorais pelo jornalismo público. “Sabemos que os especialistas torturam os números pra que eles confessem o que é mais interessante politicamente. É por isso que a EBC deveria discutir os números com as interpretações dadas a eles, e não entrar no jogo da corrida de cavalos”, defendeu.

 

“Gostei muito da intervenção sobre as pequisas e confesso que precisamos avançar nisso”, disse Eduardo Castro, diretor-geral da Empresa.

 

Papel da ouvidoria

“Na cobertura das eleições, a Ouvidoria terá um papel atento. Faremos uma observação da cobertura para oferecer à sociedade um espaço de, por si próprio, cobrar a EBC”, explicou Joseti Marques. Segundo a ouvidora, o órgão também tem a responsabilidade de conscientizar os demandantes das cobranças que não condizem com o processo de construção da comunicação pública e participativa no país.

 

“Precisamos muito, durante as eleições, divulgar a nossa Ouvidoria, porque é o que vai balizar nossa atuação”, afirmou Nelson Breve.

 

Confira o vídeo com a íntegra da Audiência Pública clicando aqui.

Texto: Priscila Crispi (jornalista da Secretaria Executiva do Conselho Curador).

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