Política internacional é vista como necessária para a EBC, aponta Roteiro de Debates

Publicado em 15/08/2014 - 13:35 e atualizado em 29/01/2016 - 09:17


A dimensão internacional da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) foi discutida durante o último Roteiro de Debates organizado pelo Conselho Curador, no dia 12/08. Participaram do debate os jornalistas Carlos Fino, Verónica Goyzueta e Beatriz Bissio. Carlos Fino é português, autor de "A guerra ao Vivo" (Verbo Brasil), ex-correspondente internacional da RTP em Moscou, Bruxelas e Washington. Verónica Goyzueta, peruana, é mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie e correspondente no Brasil do jornal espanhol ABC. Beatriz Bissio, uruguaia naturalizada brasileira, é consultora em Relações Internacionais e professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A mediadora da mesa foi a conselheira e jornalista da casa, Eliane Gonçalves.

Em sua apresentação, Beatriz Bissio ressaltou o papel da comunicação como instrumento político de um país frente ao mundo. Segundo ela, o Brasil é hoje um dos principais países na dimensão internacional, devido a suas riquezas estratégicas. “Até onde nossa sociedade está ciente, preparada e informada pra saber o que pode acontecer no futuro, no âmbito das relações internacionais brasileiras, e até onde a mídia tem prestado o serviço de colocar esses temas para serem discutidos pela sociedade?”, questionou. Segundo a professora, é papel dos veículos públicos promover o debate sobre a estratégica diplomática do país e questionar se essa é um projeto de um governo ou do Estado.

Carlos defendeu que o Brasil, no plano midiático, não tem os instrumentos pra ser a potência que já é no campo econômico. Para ele, a EBC é um embrião, mas o instrumento necessário para alcançar relevância no cenário internacional é a criação de um canal público em língua inglesa que chegue em todo o mundo. “Não se pode marcar posição no plano internacional da mídia sem um canal em inglês. O Brasil não será um país com intervenção no plano internacional sem isso”, falou. Para ele, na cobertura internacional, a EBC deve mostrar aos outros povos a visão brasileira do mundo e, para os brasileiros, levantar questões estratégicas sobre as relações internacionais.

“Minha segunda sugestão é ter um canal em português que unifique os países de língua portuguesa – que aproveite o que melhor se produz em língua portuguesa em todos os países. Temos muita coisa pra mostrar e aproveitarmos juntos. Se o Brasil quer ter cadeira no Conselho de Segurança da ONU, deve colaborar para o estabelecimento do português como língua internacional”, propôs Fino.

A última convidada a falar, Verónica Goyzueta reforçou a ideia de que o Brasil deve alçar a mesma importância que tem na economia, em sua comunicação internacional. “O Brasil não é um anão diplomático. A cobertura dos BRICS não foi feita apenas por jornais da América Latina ou de países emergentes, há muito interesse em saber o que essas economias estão fazendo. Porém esses países não tem a importância que merecem nos organismos internacionais, e é por isso que um projeto de comunicação pública é imprescindível para o Brasil”, afirmou.

Dialogando sobre a opinião de Carlos, a jornalista sugeriu que, uma vez que a produção de um canal em inglês pode ser de alto custo, a EBC deve aproveitar seu prestígio na América Latina e na África lançando canal em espanhol e outro em português. “Porque o Brasil não está falando com os países da América Latina? É um sinal de que, de fato, o país vira as costas para seus vizinhos”, disse.

Verónica contou a experiência da Russian Today (RT), agência de notícias russa, que inaugurou um canal de televisão e um portal, ambos em espanhol, na América Latina para difundir uma nova visão do país no mundo. “Existem outros projetos semelhantes, mas que não tem o viés de dominação como o RT, que inclusive ajudam a melhorar a visão sobre o país correspondente”, lembrou, dando o exemplo da Agência Efe.

A vice-presidenta do Conselho, Rita Freire, defendeu que o jornalismo da EBC deve ir fundo nas questões internacionais e não ficar só na cobertura factual. “Quando a gente fala de guerra, pouco falamos da indústria da guerra, por exemplo. Essa análise requer jornalismo. Não acho que a EBC não faça isso, mas precisamos de mais, aumentando a estrutura, com mais correspondentes”, avaliou.

O que se faz

Empregados da EBC, presentes no Roteiro, contaram como a empresa produz seus conteúdos internacionais. Bernardo Carvalho, coordenador de internacional do Repórter Brasil Noite (RBN), jornal de veiculação nacional da TV Brasil, informou que apenas duas pessoas compõem o núcleo. “Fazemos várias matérias por dia, perseguindo o factual. Quando queremos fazer algo mais reflexivo, isso já é uma complicação, temos que tirar alguém do factual ou pedir um repórter de outro setor”, falou. A maior parte das imagens de notícias internacionais veiculadas no RBN são da Agência Reuters. O texto, porém, é apurado a partir de variadas fontes na internet. Sobre a política para correspondentes internacionais na empresa, Bernardo criticou que a EBC ainda não tenha critérios objetivos para essa estratégia: “Do ponto de vista dos correspondentes, não temos uma regra. Quando um repórter vai fazer mestrado ou doutorado fora, fazemos um acordo para ele continuar trabalhando de lá. Mas é problemático”.

As versões em inglês e espanhol das notícias da Agência Brasil contam com uma equipe de quatro pessoas, para traduzir e contextualizar as matérias. “Nossa proposta inicial era essa: fazer com que a EBC pudesse transferir para uma língua estrangeira um conteúdo que tivesse a credibilidade da mídia pública, sem o filtro dos jornais comerciais”, explicou Olga Crispim,  coordenadora do Serviço de Língua Estrangeira da Agência Brasil. A jornalista disse que o maior problema da área é mesmo a equipe reduzida e que a intenção é dobrar os funcionários para melhorar a produção de conteúdo e oferecer um serviço regular.

Juliana César Nunes, coordenadora da Radioagência Nacional, falou sobre o serviço em espanhol – Voces del Sur – oferecido pela agência em parceria com outras rádios da América Latina. “Uma dúvida que temos nessas parcerias é como superar as diferenças editoriais, uma vez que a linha da EBC é muito diferente da de outras rádios da América Latina, que são mais governamentais”, questionou.

Sobre as linhas editoriais perseguidas pela EBC, Nira Foster, funcionária da casa há 23 anos, pontuou: “Já passei por seis projetos internacionais aqui dentro. Já fizemos integração com países de língua portuguesa, depois chegou a “TV Brasil - Canal Integración”  e falaram que a América Latina era prioridade, e no início da EBC a prioridade seria a África”. Nira defendeu que é preciso definir o que a empresa quer com seu serviço internacional, senão, a cada mudança no Executivo, novos projetos serão lançados e abandonados.

Questionado por alguns participantes, Carlos Fino comentou sobre a experiência europeia no intercâmbio de produção entre empresas públicas e como encontrar pontos de convergência entre os países de língua portuguesa. “A integração com países de língua portuguesa passa pela capacitação de quadros. Há pequenos cursos que podem ser feitos em que há um intercâmbio de conhecimentos e linguagens. No caso europeu, existe, sim, e há muito tempo, uma união entre as empresas públicas, chamada European Broadcasting Union. Todos os dias há um intercâmbio de conteúdos e cada empresa decide o que quer usar. Fazemos também estruturas de cobertura partilhada em acontecimentos internacionais. Isso pode ser perfeitamente reproduzido na América Latina”, afirmou.

A conselheira Eliane Gonçalves concluiu o evento afirmando que os desafios da dimensão internacional da EBC passam pela necessidade de se definir o que é a comunicação pública e quais os seus objetivos. “Alçamos voo para no final das contas voltarmos sempre para o mesmo ponto: precisamos construir um sistema de comunicação que seja público”.

O Roteiro de Debates

O Roteiro de Debates foi uma proposta aprovada pelo Conselho Curador em sua reunião de 14 de março de 2012. Os objetivos centrais da atividade são os de ampliar a formação e o conhecimento dos integrantes do Conselho sobre temas presentes no cotidiano da EBC, além de possibilitar o diálogo entre o Conselho, a EBC e a sociedade, sugerindo perspectivas futuras para a Empresa. Os debates contam sempre com participantes internos e externos à EBC.

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Texto: Priscila Crispi (jornalista da Secretaria Executiva do Conselho Curador).

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