Ministro diz não ver diferença entre TV Brasil e NBR; Conselho defende separação mais clara na EBC

Publicado em 01/03/2016 - 01:00

Por Priscila Crispi Editor Guilherme Strozi

Durante a 60ª Reunião Ordinária do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), realizada nos dias 24 e 25/02, o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Edinho Silva, afirmou que não considera que existe diferença entre a TV Brasil e a NBR, emissora do Executivo para qual a EBC presta serviço.

Como membro do colegiado, essa foi a primeira vez que o ministro esteve presente em reunião do Conselho, atendendo a um convite do órgão para que a pasta desse explicações sobre o recente pedido de demissão do diretor-presidente da EBC, Américo Martins, e do diretor-geral, Asdrúbal Figueiró. A EBC é ligada à Presidência da República por meio da Secom.

Américo e Asdrúbal alegaram motivos pessoais para saída, porém, o ministro foi questionado pelos conselheiros quanto à especulações da imprensa de que a demissão havia se dado em função de ingerências do Governo na condução da EBC. “Nunca vi, em todos esses anos de Conselho, uma preocupação tão grande em relação à autonomia da EBC e ao cumprimento do seu plano de trabalho, que é um mecanismo de controle da empresa. "Gostaria de perguntar ao ministro: qual a sua visão para garantir esse caráter autônomo da EBC frente ao Governo Federal? Quais medidas estão sendo tomadas? Temos ouvido notícias de aparelhamento da EBC”, disse Ima Vieira, conselheira.

Edinho afirmou que era preciso fazer o debate em relação a autonomia e ingerência na empresa pública com perspicácia, porque autonomia não pode ser confundida com não compromisso político. “A EBC foi criada por uma decisão política. Eu faço parte de um governo que criou a EBC. Meu maior desafio é tirar o projeto da EBC do papel, porque seria uma irresponsabilidade de nossa parte achar que o projeto da EBC está consolidado, ele não está”, defendeu.

Segundo o ministro, este projeto estaria ligado ao estabelecimento de uma estratégia para comunicação de governo. “No primeiro dia que assumi o Ministério falei para a presidenta que eu acreditava no projeto da EBC e que ele seria prioridade da minha pasta. Porque eu repito para vocês: a Secretaria de Imprensa da Presidência é fundamental para a comunicação de governo, mas ela apaga incêndio todos os dias. A publicidade tem relevância, mas do ponto de vista estratégico, se pode fazer muito pouco com ela. A implantação de um gabinete digital é muito importante também, mas é uma ferramenta limitada. Onde é que está o projeto estratégico? Está na EBC”, disse.

Questionado por Ana Fleck, conselheira, sobre quanto dos esforços da Secom é despendido na TV Brasil e quanto na NBR, quanto é destinado para o orçamento da parte pública e da parte governamental da EBC, Edinho respondeu: “sinceramente, eu não vejo distinção entre TV Brasil, NBR, Agência Brasil, Rádio Nacional... Até porque seria uma fragmentação do projeto imensa”.

Evelin Maciel, vice-presidenta do Conselho, perguntou a opinião do ministro sobre qual seria o papel da Diretoria da EBC e qual seriam as responsabilidades da pasta com a empresa. “A minha opinião é que precisamos do ministro em um relacionamento mais próximo, mas na parceria de questões mais macro, na captação de recursos, TV digital, etc. Questões como conteúdo, programação e como dar relevância para a EBC é responsabilidade de sua diretoria”, falou.

Edinho afirmou que não deseja ter ingerência no conteúdo dos veículos da EBC e, sim, discutir o projeto da empresa. Em sua fala, porém, o ministro ressaltou que a transmissão do desfile de carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro deste ano só foi ao ar devido ao seu envolvimento e interesse na pauta. “Será que, se o Governo não entrar, a gente consegue vencer os desafios da comunicação pública que são imensos? Aquilo que a EBC tem de mais forte, que é o lastro do Governo, a gente não vai usar?”, argumentou. Após sua fala, Edinho se ausentou da reunião, que foi retomada do dia seguinte, sem a presença do ministro. A Secom nesta segunda parte da reunião foi representada pela assessora Juliana Agatte.

“O que antes era só uma suposição nossa sobre as visões do ministro em relação ao projeto da EBC, ontem ficou esclarecido. Edinho falou e está documentado qual a posição deste Governo para o futuro da EBC. Isso leva o Conselho a ter que aprofundar o debate, tomar posições e até esclarecer melhor o papel da EBC. Nossa constituição define um sistema complementar, isso significa que existe diferença entre comunicação estatal e pública”, pontuou Rita Freire, presidenta do Conselho Curador.

Akemi Nitahara, conselheira, também se opôs ao entendimento do ministro. “Os funcionários da EBC e este Conselho têm muita clareza da diferença entre o papel público e os serviços que prestamos, e se a sociedade ainda não vai pra rua fazer a defesa da comunicação pública, nós faremos”. Segundo ela, no último ano, com a chegada de muitas chefias vindas de indicações políticas, a casa tem encontrado mais dificuldade em separar o que é da EBC Serviços e o que é dos veículos da EBC, sendo, por vezes, alocados recursos e trabalhadores da parte pública para atender a demandas da Presidência da República. “Eu considero equivocado a gente prestar esse serviço para o Governo Federal. Acho que deveríamos devolver isso para a Secom”, apontou.

O representante do Ministério da Cultura no Conselho, Pola Ribeiro, reforçou a opinião da conselheira: “a empresa tem um desenho que favorece essa confusão, pois mistura comunicação de sociedade e de estado. Não é de bom grado que a EBC e a NBR estejam juntas. Se essa confusão acontece aqui, imagina na cabeça das pessoas. Isso tira, inclusive, a qualidade da comunicação do governo. Todos os movimentos que fizermos no sentido de clarear essas divergências serão uma prestação de serviço para a comunicação pública”.

Ana Veloso, também conselheira, recomendou ao ministro e toda equipe da Secom e outros ministérios, além da própria Diretoria da empresa, a leitura do documento final do Seminário Modelo Institucional da EBC, realizado pelo Conselho e organizações da sociedade civil em 2015. “O projeto da EBC não é um projeto deste governo, é um projeto da sociedade brasileira, que esteve presente neste Seminário e em toda história da EBC e tem sugestões para tornar a empresa efetivamente pública”, defendeu.

Akemi, em nome dos trabalhadores da empresa, leu uma carta que cobrava a aplicação de ações concretas para garantia da preservação e fortalecimento da autonomia da empresa. Segundo o documento, a escolha do novo presidente da EBC deveria ser um marco nesse sentido. “Faz-se urgente a democratização deste processo, que deve se dar de maneira transparente, baseada em critérios objetivos, participação social e dos trabalhadores e isenta de interesses político-partidários. (...) Uma alternativa seria a indicação de uma lista tríplice pelo Conselho Curador para posterior escolha pela Presidência da República”, sugere o documento. A carta traz, ainda, o pedido de estabelecimento de quarentena para que profissionais da Secom possam atuar na EBC, e vice-versa.

O conselheiro Takashi Tome pontuou, na mesma direção, que uma das lacunas que deixam a EBC à mercê de revezes no cenário político é a falta de mecanismos democráticos para escolha da Diretoria da casa. “Um desses mecanismos é a elaboração de listas tríplices, pode não ser o melhor, mas garante mais autonomia”, sugeriu.

Rosane Bertotti, conselheira, endossou a importância do diálogo entre a Secom e o Conselho na designação da Presidência da EBC e sugeriu a publicação pelo colegiado de um documento que cobre a ampliação dessa relação com a pasta e estabeleça a separação clara entre comunicação pública e de governo. Além disso, o documento deveria pedir celeridade na nomeação do cargo. A sugestão foi aprovada pelo pleno e o documento será publicado no site do Conselho e encaminhado ao órgão.

Durante a Reunião, porém, Mauro Maurici, atual Vice-Presidente de Gestão e Relacionamento da casa, anunciou que já havia sido contatado e, em breve, seria designado para o cargo de Diretor-Presidente da EBC. Maurici disse que não foi informado se o convite era apenas para assumi-lo interinamente, ou, para assumir definitivamente o cargo.

Plano de trabalho

Durante a 60ª Reunião do Conselho Curador, os conselheiros e conselheiras discutiram, ainda, as alterações finais que foram requeridas para o Plano de Trabalho da EBC/2016. O documento já havia sido aprovado, porém, sofreu alterações após demandas surgidas pelo pleno e pelo Grupo de Trabalho do colegiado que acompanha sua produção e execução.

Venício Lima, componente do GT, afirmou que a função principal do Conselho é cuidar para que o funcionamento da EBC, detalhado em documentos como o plano de trabalho anual, expresse sua função maior que é ser pública e um projeto da sociedade brasileira. “O documento que foi enviado pelo Conselho à Direção da empresa para alteração do plano se dedicou não só a observações pontuais como chamou atenção para a necessidade de todos os planos de trabalho da EBC se atentarem para quais são as funções legais que justificam a própria existência da empresa, chamando atenção para essa visão de conjunto centrada na comunicação pública”, disse

Segundo Asdrúbal Figueiró, diretor-geral da EBC, um dos acréscimos mais importantes feitos no documento foi um quadro que mostra a situação orçamentária da empresa. “Existem vários projetos que estavam desenhados que não faremos ou teremos que reduzir seu escopo, caso não consigamos mais recursos. Estamos partindo da metade do orçamento que tínhamos ano passado e ainda houve contingenciamento, acho que a situação é pior do que qualquer um de vocês pode imaginar. O esforço que fizemos foi de manter todos os projetos principais”, falou.

Figueiró explicou que, em função do corte orçamentário, novas temporadas de programas da casa serão adiadas e reprises serão exibidas até que haja recurso para novas produções. “Com a chegada das produções do Prodav [Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro], podemos preencher a grade e postergar a produção de alguns produtos nossos”, justificou.

O conselheiro Joel Zito lembrou que a linha de recursos do Prodav está ameaçada, pois a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) sofrerá cortes, e pediu que o Conselho e a EBC atuassem nesse sentido, dada a importância do fundo para composição da grade da TV Brasil. Pola Ribeiro, então, sugeriu que o Conselho se manifestasse publicamente na defesa da Condecine. A moção foi aprovada pelo pleno e será publicada no site do Conselho após a sua redação.

Enderson Araújo, conselheiro, lamentou o corte em produções voltadas ao público jovem e de periferia. “Fico incomodado também com o foco em São Paulo. Primeiro foi a exibição do campeonato paulista de futebol e agora um programa só sobre a periferia de São Paulo pra ocupar a grade... Tudo bem que não houve custos nesse programa, mas temos muito conteúdo colaborativo que não é aproveitado e vem de várias regiões do país”, cobrou. Ele sugeriu que a plataforma colaborativa lançada recentemente pela empresa seja acompanhada pela Câmara Temática de Programação do Conselho para que novas dinâmicas de captação de conteúdos colaborativos sejam pensadas.

“Sobre nosso orçamento, eu também queria saber quanto foi cortado em cada área, porque os dados mostram que a Diretoria de Serviços não teve tanto corte quanto a área pública. Outra questão em tempos de crise financeira é o corte em cargos comissionados, que na EBC são muitos altos, para alocar nos projetos de conteúdo. Isso aconteceu?”, questionou Akemi. A Direção não se pronunciou sobre esse assunto.

Isaías Dias, também membro do colegiado, ressaltou que a exibição de Libras nos programas da TV Brasil permaneciam sem definição no plano, apesar do planejamento prever a cobertura das Paralimpíadas 2016. O conselheiro sugeriu que o órgão aprovasse resolução ou recomendação para que recursos de acessibilidade fossem incluídos na cobertura do evento e também para que todos os telejornais da casa passem a exibir tradução em Libras até o fim de 2016. O texto será colocado em votação em uma próxima reunião do colegiado, após sua redação.

Durante a reunião, Evelin Maciel propôs outra resolução ao pleno – para que a TV Brasil não exiba programas sem contrato e que a entrada de novos programas não descritos no Plano de Trabalho sejam apresentados previamente ao colegiado, para análise. “Com todos os cuidados de não engessar o funcionamento da emissora, vamos elaborar a resolução para que se tenha um regramento em relação a programas que foram planejados e flexibilidade para eventos que podem ser tratados como exceção”, explicou. A conselheira sugeriu então que fosse retirado do anexo do Plano de Trabalho o trecho que trata da exibição das séries A2 e A3 do Campeonato Paulista de futebol, uma vez que este conteúdo não foi debatido previamente com o colegiado no momento da aprovação do Plano. As propostas foram acatadas pelo pleno e aguardam redação final para suas publicações.

Revista

A 6ª edição da Revista do Conselho Curador foi lançada durante a 60ª Reunião do colegiado. A publicação aborda o tema da diversidade na comunicação e traz artigos de acadêmicos, conselheiros e funcionários da casa. Para acessar a revista digital, clique aqui.

Ouvidoria

Durante a atividade, a Ouvidoria da EBC apresentou um balanço de suas atividades no ano de 2016, além do relatório mensal de janeiro deste ano. Rita Freire, presidenta, disse que os problemas relatados nos relatórios seriam discutidos nas câmaras temáticas do colegiado para o encaminhamento de resoluções.

Um destes é o caso dos programas religiosos que permanecem na grade da TV Brasil, sem contrato e sub judice. “A EBC precisa resolver o problema dos programas religiosos. A empresa não pode admitir que nós, conselheiros, sejamos atacados na sua própria grade como vem acontecendo. Isso não existe em nenhum lugar, é uma propaganda contra nós financiada pela casa”, criticou Ana Veloso.

“Essa questão da Santa Missa é uma questão do presidente da empresa tentar fazer um acordo com cúpula da Igreja Católica para as partes se respeitarem, enquanto estiver sub judice. Não adianta o enfrentamento”, ponderou Venício Lima.

Joseti Marques, ouvidora-geral, sugeriu que fosse elaborado um programa, que fosse veiculado após o horário da Missa, que dialogue com o seu público, explicando o que é comunicação pública. “Essa, na verdade, é uma oportunidade para conversar com essa parcela da sociedade”.

Durante a apresentação, Asdrúbal anunciou que Joseti será reconduzida ao cargo, com o fim de seu primeiro mandato na Ouvidora da EBC.

Renovação do Conselho

Rosane Bertotti relatou ao pleno as conclusões do Grupo de Trabalho sobre o modelo de escolha de novos membros do Conselho. Segundo ela, o edital para a próxima consulta pública que recolherá indicações de nomes para compor o colegiado levará em conta perfis desejáveis e as entidades da sociedade civil indicarão pessoas especificamente para cada um desses perfis. A escolha transversal de gênero, raça e região será feita pelo Conselho, após as indicações. Os perfis serão discutidos pelos conselheiros por e-mail e, a partir disso, elaborado o texto do edital a ser votado na próxima reunião do órgão, que será realizada no dia 17 de março.

 

Confira o vídeo com a gravação completa da Reunião aqui.
 
Confira a galera de fotos desta reunião aqui. 

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