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Jogos de azar: "O vício vem como uma tentativa frustrada de auto-regular o próprio corpo", diz psicólogo
Criado em 16/08/16 12h41
e atualizado em 16/08/16 12h44
Por Leandro Melito / Portal EBC
Edição:Noelle Olivieira
A discussão da regulamentação dos jogos de azar no Brasil traz temas específicos, como o embate a respeito do "vicio" gerado entre muitos dos adeptos desse tipo de entretenimento. O psicólogo Estevão Leopoldo explica que o processo de compulsividade pelas apostas ocorre de forma fisiológica. "A pessoa vai jogando e, o sistema de recompensa dos jogos, faz com que ela atingir um estado interno de prazer. Faz-se, então, a conexão de que se precisa dos jogos com mais frequência para poder lidar com o estresse", explica. Leopoldo complementa que trata-se da "mesma dinâmica que acontece com o cigarro e com a bebida".
De acordo com o projeto de lei em discussão na Câmara dos Deputados, nesse sentido, as casas de jogos deverão, entre outras medidas, informar às autoridades a identidade de todo jogador que ganhar mais de R$ 10 mil de uma vez. Os estabelecimentos, segundo o projeto de lei, também estariam proibidos de emprestar dinheiro para apostadores.
A fim de evitar que pessoas já recuperadas da dependência dos jogos voltem a frequentar as casas, o texto também propõe que seja criado um cadastro nacional de ludopatas, como são chamados os viciados em jogos, que ficarão proibidos de entrar nos estabelecimentos.
Confira entrevista completa com o psicólogo Estavão Leopoldo
PORTAL – Podemos considerar um “vício” esses problemas que são desenvolvido por aqueles que são compulsivos pelos jogos?
EL – Em primeiro lugar precisamos entender o que é um. Seu corpo tende a se auto regular, sair de um estado ruim e voltar pra um estado de saúde. Ou seja, o corpo tem uma capacidade de se estressar e voltar pra esse estado. O corpo libera nos momentos de tensão hormônios como adrenalina e cortisol, que são os hormônios de stress, e após esse momento, os hormônios se organizam e libera substâncias que dão a sensação de prazer, como a citocina e a dopamina.
Quando a pessoa se vicia em alguma coisa é como se o sistema nervoso dela, por uma dificuldade de fazer esse ciclo natural, encontra um subterfúgio para ter acesso a essas substâncias de prazer com mais facilidade. Isso pode acontecer com a comida, no açúcar é possível encontrar uma alta quantidade de dopamina, o que pode vir a gerar uma desregulação na alimentar.
PORTAL – No caso dos jogos, então, temos esse mesmo processo?
EL - No jogo a mesma coisa. A pessoa vai jogando e, pelo sistema de recompensa dos jogos, libera uma alta quantidade de dopamina. O sistema nervoso dela interpreta da seguinte maneira: Se eu vivo em alto grau de estresse, quando jogo consigo atingir um estado interno aparentemente melhor. Faz-se, então, a conexão de que se precisa dos jogos com mais frequência para poder lidar com o estresse. É a mesma dinâmica fisiológica que acontece com o cigarro e com a bebida.
PORTAL – Qual a melhor forma de tratamento?
EL - Há várias linhas de tratamento. Por ser um modelo mais biomédico, costuma-se indicar o processo da psicologia comportamental, com o qual não trabalho. Acredito que há duas formas de você pensar isso. Uma consciência individual, em que você vai tratar a forma de vida da pessoa – como ela pensa, como se articula – e a saúde neurofisiológica, que se relaciona com processos traumáticos, com o estresse e toda essa cadeia de funcionamento neurofisiológico. Bem como uma parte sistêmica, que tem a ver com relacionamentos familiares e as estruturas que vem antes.
Utilizo uma técnica chamada experiência somática, que é uma técnica pra trabalhar com estresse e traumas especificamente. Tem outras técnicas também que entendem essa dinâmica do sistema nervoso estressado e como fazer ele se auto regular.
Gosto de pensar que por traz de todo problema existe uma estrutura maior e ela se materializa por meio de um comportamento como esse. O vício em drogas, em jogo, ou qualquer um outro comportamento, pode ser vinculado a uma marca que a pessoa carrega.
PORTAL – Com o passar do tempo a tendência é que esse vício se agrave?
EL - É como se o corpo perdesse a capacidade de voltar para o seu estado homeostático, de se regular. O vício de não se organizar, de não permitir o corpo fazer o que ele tem de fazer, de chorar quando ele tem de chorar, vai criando memórias, criando limitações, dificuldades, até que uma hora o sistema trava e desencadeia depressões e distúrbios dos mais variados tipos. O vício vem como uma tentativa frustrada de auto-regulação disso.
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