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Região de 3 mil km² vive isolada do resto do Brasil
Criado em 15/10/12 14h11
e atualizado em 15/10/12 16h27
Por Guilherme Pavarin*
Fonte:Agência Pública
A escola de ensino fundamental 15 de Novembro é a única do povoado de Cachoeira Grande. Seu nome homenageia a proclamação da República. Passados 123 anos do episódio histórico, o clima é desolador. Falta água e merenda aos alunos. As paredes rachadas contrastam com uma sala de poucos computadores de ponta. Cadeiras e mesas ameaçam ruir. Os salários estão atrasados. Funcionários procuram a prefeitura e são informados de que o município não tem dinheiro. A situação, dizem os moradores, é recorrente.
O professor Antônio Ribeiro, 60 anos, pega um mapa detalhado da Região Nordeste, com todas as cidades e distritos dos estados, e aponta para um local entre o Ceará e o Piauí: “Olha, aqui é onde Cachoeira Grande deveria estar.” Chacoalhando o papel, mostra que não há nem sinal da sua terra. “Pode olhar, nós não estamos no mapa!”
O lugarejo está mesmo num limbo. No papel, trata-se de um distrito de Poranga, município do Ceará, a mais de 40 quilômetros dali. Todos votam na cidade cearense e a pouca estrutura recebida chega de lá. Mas parte do distrito é reivindicada por Pedro II, município do Piauí. A situação complexa arrasta-se desde 1880, quando o imperador dom Pedro II assinou um acordo que previa a troca de terras entre Ceará e Piauí. Sem saída para o mar, os piauienses pediram uma compensação territorial dos vizinhos. Mas os estados nunca demarcaram oficialmente as divisas.
Assim, há 132 anos, os dois estados travam batalhas para ter – e às vezes para não ter – terras do meio desse bolo. Entre a população local, a área ganhou vários nomes: de Faixa de Gaza do Nordeste, usado por alguns jornais, até o mais usual, Zona de Litígio, que acabou, pelo formalismo, sendo adotado por políticos e órgãos oficiais.
Ainda que parte da imprensa local goste do título que faz referência à região em disputa no Oriente Médio, a comparação é descabida. A zona nordestina é muito maior – com cerca de 3.210 quilômetros quadrados, quase dez vezes o território disputado por Israel e a Autoridade Palestina. Na Zona de Litígio caberiam duas vezes a área da cidade de São Paulo. São sete municípios afetados no Piauí e 13 do Ceará. Todos possuem ao menos um povoado com localização indefinida. Os piauienses são: Buriti dos Montes, Cocal, Cocal dos Alves, Luís Correia, Pedro II, São João da Fronteira e São Miguel do Piauí. Cearenses: Carnaubal, Crateús, Croatá, Granja, Guaraciba do Norte, Ibiapina, Ipaporanga, Ipueiras, Poranga, São Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará.
Desde 1991, os dois estados intensifiram negociações para resolver a questão. Enquanto isso, moradores dessa área de divisa ficaram por anos sem ajuda de governo estadual. A luz em povoados rurais de Luís Correia, no Piauí, e Poranga, no Ceará, chegou há menos de uma década. Quanto a serviços de saúde e educação, o problema foi pior. Se quisessem ir a escolas e hospitais, os habitantes tinham de se deslocar até as regiões mais próximas – ou mais acessíveis, já que as estradas são poucas. Com base nessa relação de proximidade, as pessoas foram se dividindo entre cearenses e piauienses. A maioria, de acordo com o Censo 2010, que colheu dados na região, elegeu o Ceará como seu estado. O governo cearense, por sua vez, passou a enviar alguns poucos benefícios, como agentes de saúde e transporte escolar, para esses moradores da divisa.
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* Gulherme Pavarin (guilhermepavarin@gmail.com) é jornalista e mora em São Paulo. Apaixonado por reportagens, hoje trabalha na Revista Época. Esta reportagem foi realizada por meio do Concurso de Microbolsas de Reportagem, em parceria com a Rede Brasil Atual.
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