Ensaio de orquestra, ou seis por meia dúzia na mídia pública

Publicado em 26/04/2016 - 15:59

Coluna da Ouvidoria

Joseti Marques - Ouvidora da EBC

The Violins

No sábado, 16/4, a TV Brasil transmitiu um programa de comentários políticos, ancorado pelo jornalista Paulo Moreira Leite. O cenário era uma parte dos painéis de fundo do programa Palavras Cruzadas, que é apresentado pelos jornalistas Paulo Markun e Tereza Cruvinel, às quartas-feiras. Não há como evitar essa observação, porque o improviso – e não apenas do cenário – denuncia a falta de planejamento para uma das pautas mais importantes das últimas décadas.  Uma pauta óbvia desde dezembro do ano passado, quando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acolheu o processo pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

A falta de uma vinheta informando o nome do programa também caracterizou o modo apressado como foi posto no ar; apenas uma tarja na tela anunciava tratar-se de “Impeachment e a luta pela democracia”, o que não chega a ser nome de um programa, assemelhando-se mais aos títulos dados pelos diversos coletivos e movimentos sociais às manifestações e – aí sim – luta pela democracia nas ruas do país.  Não houve anúncio prévio ou divulgação da estreia, mas apenas avisos no mesmo dia em que seria exibido; não teve rotativo final com os créditos de produção, direção, equipe envolvida. Enfim, não estreou, apenas entrou no ar. Também não foi divulgado se haveria outra edição e nem quando. Terá sido episódico? E qual o resultado prático da veiculação, como produção jornalística de televisão? Quem se esperava encontrar do outro lado da tela em uma ação intempestiva de mídia?

Não se poderia chamar de debate aquela roda de comentários convergentes, mas o conteúdo teve pontos altos. Os convidados eram um jornalista, um embaixador, um advogado e um jurista, todos profissionais conceituados em suas áreas de atuação. Paulo Moreira Leite finalmente estava bem situado em um cenário que comportava seus gestos largos e lhe dava até certa elegância, distinguindo, como estilo, o seu indefectível caderninho de anotações. O conjunto das competências era pertinente ao tema e houve aspectos esclarecedores, principalmente para o telespectador que, eventualmente, estivesse desinformado sobre os meandros da atual crise política. 

A história recente dos golpes impostos ao país foi lembrada de forma um tanto didática. A menção à Rede da Legalidade, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, em 1961, foi trazida à cena para contextualizar a atuação da mídia no cenário atual. E foi nesse ponto que a conversa descambou para o de sempre, quando um dos convidados sugeriu a organização de um movimento semelhante ao da Legalidade, a partir da mídia pública. Em tom muito peculiar de conversa entre amigos, ele argumentou, sugerindo “o que então nós devemos fazer...” – uma espécie de incompreensão do lugar de onde estava falando.

Naquele caso, não seria necessária a tão decantada pluralidade de vozes e de opiniões discordantes, quando se pretendia explicar o cenário político pelo argumento consistente da ruptura da democracia. Mas a exposição dos fatos à luz do conhecimento e da argumentação crítica, mas didática, seria fundamental para esclarecimento do público.

Evidenciou-se ali o que em geral tem ocorrido na cobertura da crise política pela TV Brasil: não uma abordagem jornalística, mas a reprodução de um mesmo discurso, que a Ouvidoria tem percebido como discurso de militância, que é próprio das manifestações nas ruas e nas redes sociais, mas não compete à TV pública. Cada veículo de comunicação tem sua lógica própria e isso tem que ser levado em consideração no planejamento das emissões. A amplitude de uma TV e sua heterogeneidade de público não são as mesmas de um auditório ou recinto onde se fala para plateia conhecida ou grupo de amigos – um ponto medido pelo Ibope em São Paulo, por exemplo, significa algo em torno de 58 mil lares e o “traço” ainda guarda uma multidão! E não se pode pensar a TV pública como segmentada.

Muito mais que isso, tem que se ter em conta a lei, os conceitos e princípios em que se sustenta a radiodifusão pública. Há que se levar em consideração o contexto em que está inserida para que se possa estabelecer um contraponto pedagógico no enfrentamento da inércia de opinião/audiência produzida por mais de meio século de prevalência de mídia privada. Esse é um importante indicador para o necessário estabelecimento de uma estratégia de comunicação que dê forma aos produtos da mídia pública, notadamente seu jornalismo, o que não se faz com improviso. 

A complementaridade entre os sistemas de radiodifusão (público, privado, estatal), prevista na Constituição, não deve se restringir a o-que-nos-cabe-dizer-porque-eles-não-falam-disso, mas nos provocar a um novo discurso, diferente e eficiente, que possa  contribuir para a autonomia e visão crítica das pessoas. E isso diz respeito a toda a sociedade e não apenas àqueles com quem se tem afinidade de pensamento.

Espera-se muito do projeto da comunicação pública, que não pode ser reduzido a um mero direito de resposta à comunicação privada, ou a outro lado da mesma moeda.

Até a próxima!

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