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638 mil crianças entre 5 e 14 anos trabalham, apesar de a legislação brasileira proibir a prática para menores de 16 anos

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Crianças e adolescentes vão para a escola depois do trabalho no Pará

Criado em 01/10/12 11h59 e atualizado em 01/10/12 12h26
Por Ana Aranha Fonte:Agência Pública

Trabalho Infantil
704 mil crianças e adolescentes de 5 a 13 anos trabalham, apesar de a legislação brasileira proibir a prática para menores de 16 anos (Foto: Marcello Casal Jr/ABr)

Assim como Iara, a maior parte das crianças e adolescentes que trabalham estão na escola. Dos 704 mil trabalhadores de 5 a 13 anos no país, 97% estudavam em 2011, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas o que significa “estar na escola” para eles?

Hoje Iara trabalha das 6 horas da manhã até às 7 da noite, hora de ir para a aula. Ela entra na sala tão cansada que senta num canto e não levanta “nem para tomar água”. No intervalo, faz a lição de casa.

As contas são as que mais lhe dão dor de cabeça. “Matemática já é difícil pra todo mundo, eu cansada não consigo raciocinar”, ela justifica. E lembra de uma noite que passou em claro, no primeiro ano em Belém, para tentar recuperar o conteúdo perdido.

Cursando a 3a série, suas notas em matemática variavam entre 2 e 3. “Eu expliquei minha situação pro professor e ele mandou juntar todas as provas e resolver em casa. Se eu conseguisse terminar, valia como nota final”. Depois que a patroa foi dormir, Iara pegou o material e passou a madrugada batalhando para resolver as questões. “Fiz tudinho. Na hora que fui deitar, o dia amanheceu”.

Iara conseguiu a nota de matemática, mas mesmo assim repetiu de ano, devido às faltas. Aos 15, teve que refazer a 3a série.

A repetência é ponto comum na trajetória de meninas que trabalham como domésticas, diz a especialista em trabalho infantil Maria Luiza Nobre Lamarão. “Isso acontece muito na 3a série, elas engatam e não conseguem avançar dessa etapa”, afirma.

Iara é persistente. “As vezes dá um desespero, vontade de jogar tudo pro alto. Aí eu rezo pra Deus me dar coragem pra continuar os estudos”.

Mas nem todos os adolescentes são tão abnegados.

“Por quanto tempo a menina ou menino de 16 anos que trabalha vai aceitar conviver com uma turma de 12 anos? Ele começa a desvincular a escola do projeto de vida, que faz mais sentido pelo trabalho”, diz Maria de Salete Silva, pesquisadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e coordenadora de estudo sobre a permanência na escola.

O efeito imediato do trabalho e excesso de repetências é o abandono da escola, tanto é que a a região norte também é campeã de evasão escolar. O Pará tem o segundo pior índice da região.


Educação e trabalho infantil no Pará - Iara
Em busca de estudos, Iara deixou a casa dos pais aos 14 anos e se tornou empregada doméstica (Foto: Ana Aranha/Agência Pública)

Para tentar reverter esse processo, as escolas de Belém estão tentando ser mais flexíveis com os alunos que trabalham. “Se for seguir o cronograma e cobrar frequência, eles percebem que não vão conseguir e desistem”, diz Edson Moura, o professor de matemática de Iara.

Outra frente visa diminuir o atraso escolar. Para colocar os adolescentes na série que corresponde à sua idade, as escolas estão transferindo os alunos para a Educação de jovens e Adultos (EJA) – turmas tipo supletivo que condensam duas séries em um ano. Em Belém, quem tem mais de 15 anos e está ao menos 2 anos atrasado é transferido para essa modalidade, que só acontece à noite.

Embora resolva o problema do fluxo (excesso de alunos na série errada) a transferência pode trazer problemas para os adolescentes, que passam a assistir aula planejadas para adultos. “Temos um número crescente de jovens no EJA e isso gera um conflito de gerações”, observa Celso Oliveira, assessor pedagógico da secretaria municipal para essa modalidade.  “Os jovens vêm do ensino regular com muita energia, é difícil prender sua atenção. Já os adultos estão há 20 anos sem estudar, têm outro ritmo”.

Iara caiu nessa rede. Até o ano passado, estudava à tarde no ensino regular. Ao concluir a 5a série com 17 anos, foi transferida para uma turma de jovens e adultos à noite. Ela teve que refazer a 5a série no começo do ano, e agora está cursando a 6a série no segundo semestre.

Para Maria de Salete, do Unicef, a escola precisa aprender a lidar melhor com esses casos. “Ou os meninos ficam repetindo e são tratados como criança grande ou vão para o EJA e são tratados como adulto pequeno”, afirma. “Eles são adolescentes, têm direito de serem atendidos como tal”.

Mas o que, então, a escola deveria fazer com esses alunos?

Mudar o Bolsa Família?
Uma das principais ferramentas para manter os alunos na escola são os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Para Sueli Mendonça, que além de ser coordenadora do Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil também é professora de escola pública, é preciso avançar nas condicionalidades desses programas (as exigências que tem de ser cumpridas para ter direito ao benefício) para que os alunos parem de trabalhar e melhorem o rendimento escolar. Hoje as condições estipuladas são manter a carteira de vacinação em ordem e os filhos na escola.

Ela defende que as escolas identifiquem os alunos que recebem o Bolsa Família (o que quase não acontece hoje),  chamem as famílias dos alunos que trabalham para reuniões sobre os danos que isso traz para o desenvolvimento da criança. No limite, as escolas devem avisar que eles podem perder o beneficio se a criança continuar trabalhando, acredita Sueli.

Mas aumentar o rigor tem seus riscos. Segundo Iacirema Bahia Cardoso, técnica da Funpapa, a fundação municipal responsável pelo monitoramento e assistência de população de rua em Belém, a maior parte das crianças que trabalham na rua recebem Bolsa Família. Mas, quando os técnicos procuram as famílias e dizem que elas não podem trabalhar, os pais dizem que preferem suspender o programa. “Os meninos ganham muito mais trabalhando do que pelo Bolsa Família”, diz Iacirema.


Em busca dos alunosUma segunda solução apontada por Sueli seria um acompanhamento caso a caso na escola. “Hoje o trabalho infantil é algo naturalizado pelos educadores, todos sabem que os alunos trabalham e nada é feito”, afirma.

Ela lembra de um episódio na sua escola, quando uma tia chegou dizendo que sua sobrinha havia fugido de casa. Sueli localizou uma parente da aluna na cidade e descobriu que a “tia” era, na verdade, patroa. E que a menina fugiu da casa onde morava e trabalhava como doméstica porque não aguentava mais a grande quantidade de serviço que era obrigada a fazer.

“Chamei a mulher para uma reunião e levei o Estatuto da Criança e do Adolescente. Apontei tudo que ela tinha feito de errado e disse que tinha de levar a meninas de volta pra casa da família dela”. A patroa pagou a passagem para a adolescente, que morava na Ilha de Marajó.

Mas será que todas as escolas e educadores são capazes de acompanhar seus alunos com tanto cuidado?

“Não sabemos o que fazer. São tantos os problemas, que nos sentimos incapazes.”, diz Ioleta Gomes Orquiza, vice-diretora de um colégio de Marabá que perdeu 30% dos alunos em 2011.

Ioleta e sua equipe veem os alunos trabalhando em feiras como ambulantes. “Entre as meninas é ainda pior, há muita prostituição”. A escola fica em um dos bairros mais pobres da cidade, que tem 233 mil habitantes

A solução encontrada pela direção foi enviar cartas às famílias convocando-os para uma reunião. “Escrevemos que, se os pais não tomassem providências sobre o abandono, nós tomaríamos as nossas”, afirma. Mesmo assim, foram poucos as famílias que compareceram na reunião. “Ainda estamos tentando levá-los de volta. Se não acontecer, vamos encaminhar os nomes para o Ministério Público”.

Não só os alunos, mas toda a população de Marabá sofre com a violência e aumento das redes de exploração sexual. Polo da indústria siderúrgica, a cidade atrai contingente populacional incompatível com sua estrutura.

Quando contrastada com os impactos dos problemas políticos e sociais do estado, a escola fica pequena. Para cenários assim, cresce a percepção entre os especialistas em política educacional que a melhor alternativa para a escola é crescer e ocupar mais espaço na vida dos alunos.

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Creative Commons - CC BY 3.0

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