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Anteprojeto sugere mudanças em políticas sobre drogas; confira propostas
Criado em 21/08/12 19h37
e atualizado em 21/08/12 21h48
Por Nathália Mendes
Fonte:EBC na Rede
Um anteprojeto apresentado ao presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS) por representantes da sociedade civil nesta quarta-feira propõe mudanças importantes nas políticas públicas sobre drogas no país. A descriminalização do usuário é a grande bandeira do texto, que define a regulamentação de uma quantidade mínima para consumo pessoal e o enfrentamento da dependência química como questão de saúde pública e assistência social. Veja quais são as principais propostas defendidas pela Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD):
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Consumo de drogas fora do campo penal
Para os autores da proposição, o consumo de drogas precisa deixar a esfera policial e criminal e ser encarado como questão de saúde pública. “A lei das drogas em vigor é bem intencionada, mas os resultados foram horríveis. Em cinco anos, o número de pessoas presas por tráfico de entorpecentes dobrou. Existe uma ambiguidade no entendimento de quem é traficante e quem é usuário, e prevalece o critério é de que o pobre é traficante e o rico, usuário”, defende Pedro Abramovay.
“O tema consumo deve ser retirado do campo penal. Pessoas portando pequenas quantidades de entorpecentes, não armadas, que não estão em grupo, são réus primários e não tem passado de tráfico acabam sobrecarregando a polícia, que deixa de dar atenção ao que realmente merece, que é o tráfico de drogas”, aponta Rubem César Fernandes, diretor do Viva Rio.
Modelo português
A abordagem portuguesa para a questão das drogas foi considerada modelo para a proposta brasileira. “Entendemos que era necessário mudar a atual política de drogas, que é injusta e ineficiente e ainda impede o tratamento de doentes e o combate ao crime organizado. De todos os modelos vigentes no mundo, o que funciona melhor é o de Portugal, onde todas as drogas continuam sendo proibidas, mas o porte e o consumo de uma certa quantidade não é crime”, explica Abramovay.
Em Portugal, pessoas que estiverem portando uma quantidade de drogas para consumo pessoal suficiente para um dado período – pela lei de lá, dez dias – são presumidas como usuários. Esta condição também valeria aqui.
Rubem César Fernandes concorda que existe uma confusão de conceitos na discussão da questão da droga: “Descriminalizar não é liberar. As pessoas têm medo e acham que a mudança na legislação significa liberar o crime, mas não é. A nossa proposta é corrigir uma política torta e mal equacionada”.
Regulamentação da Anvisa
Seria de responsabilidade da Anvisa determinar a quantidade tolerável para ser enquadrada como consumo próprio. Além da quantidade da substância apreendida, as condições em que se desenvolveu a ação e a conduta do agente também serão consideradas para definir se a pessoa pode ser considerada usuária. “Para escapar subjetividade da decisão sobre o que é o uso pessoal, alguns países têm adotado a quantidade regulada como um entendimento mais objetivo”, explica Fernandes.
Comissões administrativas interdisciplinares
O anteprojeto de lei prevê a criação de comissões administrativas interdisciplinares (compostas por um profissional da área jurídica, um da saúde e outro da assistência social), que seria responsável por analisar caso a caso e aplicar possíveis penalidades. As comissões também teriam função de desestimular o consumo de drogas, dissuadir o usuário frequente e encaminhar o tratamento: “Aconteceria como acontece hoje com o tabaco, onde os malefícios são apontados e pesados. Não podemos tratar com violência aquilo que é questão de saúde pública”, diz o coordenador do Projeto Latino-Americano de Pesquisa sobre Comunidades Terapêuticas, Einardo Bingener.
Direitos fundamentais dos usuários e dependentes de drogas
O projeto lança a idéia de assegurar diretos básicos aos usuários e dependentes de drogas, que são garantia de não exclusão de escolas, centros esportivos e espaços públicos por conta de sua condição, a não-discriminação em campanhas contra o uso de drogas, acesso à tratamentos e amplo acesso à informação da forma como ele é conduzido e apoio psicológico. “Toda pessoa tem direitos, e o usuário de drogas não pode ser diferente”, diz Rubem César Fernandes.
Infrações administrativas
No lugar de penas em regime fechado, o texto propõe que o usuário sofra sanções administrativas, conforme o entendimento das comissões. Rubem César Fernandes explica que o processo seria semelhante às notificações de infração de trânsito: “Ele recebe a notificação para comparecer à comissão, que seria uma espécie de Conselho Tutelar mais simples. E a comissão faz recomendações que funcionariam como multas, e precisarão ser cumpridas”.
Em caso de reincidência, o grau da sanção pode ser aumentado, e até mesmo atingir a transferência do caso para o setor penal, com todas as penas previstas pela lei. Isso evitaria, por exemplo, que usuários recorressem à regulamentação de consumo como forma de mascarar o tráfico.
Garantia de liberdade durante decurso de processo
Uma das críticas dos defensores da descriminalização do usuário é que a lei veda o direito de responder o processo em liberdade quando a acusação é por tráfico de drogas: “O Supremo (Tribunal Federal) já se pronunciou contra esta medida, mas é algo que não se aplica. A nossa legislação entende que quem mata uma pessoa pode responder em liberdade, mas a Lei das Drogas estabelece que se deve ficar preso durante todo o processo”, critica Abramovay.
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