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Imagem: Antônio Cruz/ ABr

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Lei do silêncio: o “barulho” que vai além do carnaval

Criado em 04/02/16 15h54 e atualizado em 05/02/16 11h13
Por Leandro Melito Edição:Priscila Ferreira

Brasília, que já foi chamada de "a capital do rock", passou a ouvir outros sons: o mais "barulhento" deles é a polêmica aplicação da Lei do Silêncio, uma norma rígida que não permite a bares a emissão sonora acima de 55dB após as 22h, o que dificulta a vida dos músicos e donos de estabelecimento.

O fechamento de bares e a redução de empregos impacta o cenário cultural da cidade. Por outro lado, alguns moradores das quadras projetadas por Lúcio Costa comemoram. Garantem que terão um sono mais tranquilo.

A cidade está dividida e a discussão (nada silenciosa) deve atravessar os dias de folia.

Carnaval

A chegada do carnaval intensificou a discussão da Lei 4092/2008, conhecida popularmente como Lei do Silêncio, que gera  dúvidas e inquietação sobre a realização de festas com os limites de emissão sonora.

Em Brasília, a emissão sonora máxima estipulada pela legislação é de 60 decibéis (dB) durante o dia e 55 (dB) à noite (após as 22h)  para estabelecimentos comerciais. Nas áreas residenciais, o limite estipulado é de 50 (dB) durante o dia e 45 (dB) à noite.

Sendo uma das legislações mais rígidas do país quanto ao limite de som emitido, a lei não prevê exceções para atividades culturais. Em Salvador, por exemplo, a Lei do Silêncio prevê uma situação excepcional para o período de carnaval, com um limite maior de decibéis (110) durante o período que começa trinta dias antes e vai até 10 dias depois da festa.

Lei do Silêncio em diferentes capitais no Brasil e no Mundo

A consultora legislativa no Distrito Federal, responsável pelo levantamento dos limites em diferentes capitais, Gabriela Tunes, considera que o ideal seria proteger as manifestações culturais das leis locais contra poluição sonora:

“Toda vez em que há limite muito rígido, aplicado do modo como acontece aqui, evidentemente ocorrerá problemas com a música ao vivo e outras manifestações culturais.”

Para o Secretário de Cultura do Distrito Federal, Guilherme Reis, apesar de não haver previsão no texto da Lei sobre a excepcionalidade de períodos, ela não deve ser aplicada no carnaval.

"É claro que o carnaval é excepcional, por se tratar de uma festa tradicional. A Lei do Silêncio só vigorará nesse período se absurdos acontecerem. E eu sei que não vão acontecer”, afirmou em entrevista ao Portal EBC.

A proximidade do carnaval levou um grupo de representantes de associações de moradores, conhecidos em Brasília como “prefeitos de quadra”, a procurarem a administração do Plano Piloto, área nobre da capital federal que compreende o projeto de Lúcio Costa, tombado pela Unesco como patrimônio cultural.

A demanda dos representantes comunitários motivou uma reunião com o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), o secretário de cultura, Guilherme Reis, e o administrador regional do Plano Piloto, Marcos Paulo Al Pacco. Além da preocupação em relação ao trajeto dos blocos nas proximidades ou dentro das áreas residenciais e à emissão sonora durante a festividade, os representantes  manifestaram também apreensão com relação à revisão da Lei do Silêncio.

“São duas situações que acabam se completando: é a proximidade do carnaval e aqueles incômodos que normalmente a festa traz para os moradores, principalmente quando ocorre mais próxima à área residencial”, afirma o chefe de gabinete da administração regional do Plano Piloto, Arnaldo Guedes.

Para Pablo Feitosa, um dos diretores do Bloco Suvaco da Asa, que teve de alterar o trajeto para fora da área residencial, a Lei do Silêncio é incompatível com a festividade.

“A Lei tem esse problema de não permitir que os blocos possam ultrapassar alguns horários, que possam ter um volume mais alto, e isso atrapalha o carnaval da cidade”.
Creative Commons - CC BY 3.0 -

Em meio a reuniões nas quadras de Brasília para discutir o carnaval, uma realizada na 402 norte contou com a presença de 10 moradores. Única voz discordante no encontro, o psicólogo André Felix defende a manutenção do carnaval dentro das quadras.

“Bom seria se, em vez de tirar, poder trazer a festa com mais qualidade para a sua quadra. Vou curtir o carnaval esse ano, só estou com medo da polícia quando a gente não puder mais ficar na rua, vai ser como um toque de recolher”.

Clemildo Sá, prefeito da quadra 410 norte, é um dos defensores da mudança de lugar dos blocos de carnaval:

“Nós, em quanto comunidade da quadra, questionamos a realização de eventos que tem grande aglomeração porque isso tem impacto nos estacionamentos, nos resíduos pós-folia, uma série de transtornos” , argumenta.

A prefeitura da quadra se colocou contra a saída do “Bloco da Tesourinha” e lamenta que ele saia este ano. “À revelia da opinião dos moradores, o GDF (Governo do Distrito Federal) está tramitando a licença para o funcionamento do bloco”, protesta.

Ele afirma que a prefeitura começou a discutir com o bloco possíveis adaptações e mudanças de itinerário. Renato Fino, morador da quadra e organizador do Bloco da Tesourinha defende a manutenção do grupo festivo nas condições atuais:

“Eu acho que o governo tem que dar condições para que isso tudo seja extrapolado de alguma forma. Estamos tratando de área pública, onde as pessoas podem transitar. Além disso, há o nível de ruído, que no carnaval é natural extrapolar”.

Debate

Aprovada no “pacotão de final de ano” junto a uma série de outros projetos no período anterior ao recesso de final de ano de 2007, a Lei do Silêncio de Brasília foi sancionada em 30 de janeiro de 2008 e regulamentada por meio de um decreto em agosto de 2012. Desde a sua criação, a Lei tem sido alvo de um intenso debate urbanístico e cultural em Brasília.

Casas que trabalham com música ao vivo passaram a ser autuadas com base nos limites de emissão sonora propostos pela legislação e penalizadas com multas e lacres. Algumas delas vieram a fechar ou deixaram de ter música em sua programação por não conseguirem se adequar à nova realidade.

Pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-DF) aponta que em 2015 as empresas do setor de alimentação em Brasília tiveram que demitir 14.298 trabalhadores.

O Repórter DF ouviu o dono de um estabelecimento que luta para se adequar à legislação e moradores a favor da manutenção da Lei do Silêncio. Assista à reportagem:

Uma das primeiras casas afetadas foi o Senhoritas Café na quadra 408 norte, que tinha uma programação constante de música ao vivo em diferentes dias da semana.

Após receber uma multa de R$ 20 mil e ficar 40 dias lacrado em 2011, o estabelecimento deixou de ter a música como uma de suas atividades, apesar de ter alvará para isso.  “Até hoje sofremos pela perda da atividade. Quando a gente faz um espaço, essa proposta gera um interesse das pessoas. O café vivia muito cheio de gente em função disso. Até hoje a gente não conseguiu restabelecer o número de clientes”, lamenta Renato Fino, um dos proprietários.

Um dos casos mais recentes foi o fechamento do Balaio Café, na quadra 201 norte, em dezembro de 2015. Prestes a completar 10 anos de atividade, o estabelecimento tinha uma série de atividades que envolviam música ao vivo, cineclube e debates políticos entre diferentes movimentos da sociedade civil.

Após ser multado, o Balaio foi lacrado em maio de 2015 mesmo tendo realizado o isolamento acústico. A multa aplicada foi de R$ 37 mil e o estabelecimento permaneceu fechado por 22 dias. Durante dez dias a proprietária não teve acesso ao processo, o que dificultou a defesa. “Passamos a funcionar com mandado judicial, a vulnerabilidade disso era gritante”, conta a produtora cultural Jul Pagul, que decidiu fechar o Balaio por se sentir alvo de perseguição.

“A gente trabalhava com uma viatura da Polícia Militar ou da Polícia Civil todo dia na nossa porta. E isso nos desmotivou a fazer com que os direitos culturais em Brasília tivessem uma fluidez, uma fertilidade, um corpo”, argumenta.
  

Creative Commons - CC BY 3.0 -

Com o fechamento de estabelecimentos que trabalhavam com música ao vivo, muitos músicos da capital ficaram sem ter onde tocar. Foi o caso de Pedro Martins, guitarrista premiado ano passado na 49ª edição do Montreux Jazz Festival na Suiça.

Antes do fechamento dos bares, Pedro tocava música instrumental cinco dias por semana com projetos fixos em diferentes lugares. “Eu costumava trabalhar bastante, o que é uma coisa interessante porque não é todo lugar do Brasil que se tocava tantos dias por semana com música instrumental”, ressalta . No Senhoritas Café, Pedro tocava três vezes por semana com projetos diferentes e no Balaio desenvolvia um trabalho de música eletrônica, jazz e música brasileira.

Ele destaca a importância do cenário local de estabelecimentos para o trabalho de músicos iniciantes e espera que a Lei do Silêncio seja revista:

“Se não tiver onde se apresentar, não tem para que produzir. O mercado da cidade é super importante para as pessoas quando começam a trabalhar, para ver outros artistas apresentando novas ideias e alimentar a alma”.
 

Creative Commons - CC BY 3.0 -

Gabriela Tunes, que também é musicista, ressalta a importância da cena de música instrumental para o desenvolvimento da cultura na cidade. “No geral da cena musical, a Lei é muito prejudicial porque a música instrumental é aquela que fornece os músicos que também são acompanhadores dos outros gêneros, são fundamentais pro desenvolvimento das tradições musicais de qualquer lugar”.

Outros estabelecimentos que alimentavam o cenário de música instrumental da cidade fecharam, como o Café da Rua 8 e o Tartarugas Lanches, ou deixaram de ter a música ao vivo - caso do Senhoritas Café e do Paradiso Cine Bar. 
O proprietário do Senhoritas Café lamenta a falta desses espaços para a vida cultural da cidade:

“O que muda a vida das pessoas é justamente aquela coisa mais natural, espontânea, músicos se reunindo pra fazer um som. Eu quero sair da minha casa, andar uns metros e encontrar um cara tocando ali, isso tem que acontecer em Brasília de novo”.
Creative Commons - CC BY 3.0 - Lei do Silêncio - Renato

Em 2014, Renato chamou artistas, donos de estabelecimentos e produtores culturais para discutirem o cenário musical da cidade em decorrência da Lei do Silêncio. “Foram quatro reuniões e nós chegamos à conclusão de que a lei está errada, porque os limites de decibéis são muito baixos”, defende.

Com esse diagnóstico, o grupo passou a se reunir para escrever um projeto de lei que mudasse os parâmetros de emissão sonora hoje estabelecidos. O projeto foi apresentado perante a Câmara Legislativa do Distrito Federal pelo deputado distrital Ricardo Vale (PT) e está em tramitação.

Revisão

O PL nº 445/2015 propõe limites gerais para a Lei do Silêncio, que hoje tem diferentes limites de acordo com o zoneamento da cidade. Seriam 75 dB para o período diurno e 70 dB para o período noturno. O projeto também propõe que no caso da reclamação por conta de barulho, a medição do nível sonoro seja feita na casa do reclamante e, para isso, o limite sonoro no interior da residência da pessoa que se sente afetada deve chegar a 55 dB.

Alvo de uma audiência pública na Câmara, a tramitação do PL 445/2015 tem sido acompanhada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Em nota técnica divulgada na ocasião, o MPDFT estabelece que o projeto de lei deve contemplar a consulta a especialistas em acústica, engenharia ambiental e saúde.

Em entrevista ao Portal EBC, o promotor de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, César Nardeli, defende que qualquer alteração na Lei seja fruto de um debate técnico.

“Um debate que componha os interesses da sociedade e que, mais importante, não seja fundado na simples alteração de um lado ou outro da preferência em relação a determinado grupo”.
Creative Commons - CC BY 3.0 -

Para Gabriela Tunes o debate sobre a Lei não deve ser apenas técnico.

“É uma coisa aparentemente objetiva e técnica, vai lá e mede uma quantidade de decibéis, mas a justificativa é a mesma: manutenção da ordem e do sossego."

A norma da ABNT faz uma recomendação para que áreas residenciais tenham um nível de ruído abaixo de 55 dB. "Mas ela não cria a contravenção que é emitir som acima de 55 dB", justifica Gabriela.


Creative Commons - CC BY 3.0 -

Hoje, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) é o orgão responsável por fiscalizar o cumprimento da lei, com base na medição de decibéis emitidos pelos estabelecimentos. Nardeli aponta que a forma de medição também deve seguir as normas da ABNT. “Eles [ABNT] demonstram como essa medição deve ser realizada, qual é a distância que ela deve proceder em alguns pontos diferentes, inclusive em alguns próximos à fonte da representação, bem como na região em volta”.

Em nota, o Ibram afirma que a medição só pode ser feita por meio de aparelhos aferidos e licenciados pelo Inmetro e por uma pessoa capacitada.

“O decibelímetro precisa estar calibrado pelo Inmetro ou entidade integrante da Rede Brasileira de Calibração e ser manuseado por um agente capacitado, a fim de evitar interferência de outros ruídos”.


Para que a medição seja realizada, basta uma única denúncia, que pode ser anônima. Após o registro, um agente vai até o local fazer a medição da emissão sonora. O dono do estabelecimento não é avisado sobre a verificação.

Na visão dos produtores culturais isso dificulta que a medição seja feita pelo próprio estabelecimento como forma de controlar o nivel de emissão sonora. Outra queixa é quanto à falta de orientação sobre os procedimentos necessarios para que os bares possam se adequar à Lei.

“Não existe nenhuma prática de educação. A prática é exclusivamente punitiva, persecutória e de criminalização. Se você perguntar como se faz o isolamento acústico em um estabelecimento, não vai receber nenhuma orientação”, afirma Jul Pagul.

O Governo do Distrito Federal também já acenou com a necessidade de revisar a Lei.

“Não tenho a menor dúvida de que já passou do tempo de fazer uma revisão na Lei. Isso não significa que estou dizendo que vai simplesmente aumentar o volume de decibéis, mas sim modernizar, pensar em setorização, em modulação da Lei”, afirmou Guilherme Reis.

O secretário aponta a necessidade de rever os modos de aferição do ruído e a forma de abordagem da questão no caso de a denúncia de uma única pessoa poder ou não fechar um estabelecimento: 

“A gente tem que contribuir da melhor forma possível com o menor impacto para a comunidade. Aquelas pessoas que se sentem incomodadas com tudo, sinto muito, tem que desenvolver a tolerância e isso significa convivência de uma cidade”.

Creative Commons - CC BY 3.0 -

Dois grupos de trabalho foram iniciados pelo GDF para discutir a revisão da Lei. Formado por orgãos do governo como Casa Civil, Secretaria de Segurança Pública, Administração Regional do Plano Piloto, Ibram e Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis).

Um grupo havia sido formado em maio passado para discutir a Lei do Silêncio, mas teve apenas duas reuniões.

Reis argumenta que o grupo de trabalho dará continuidade ao que já foi feito. “Levando em consideração que essa discussão é antiga, outros grupos no passado já vêm trabalhando, seja do ponto de vista da comunidade que não quer que se mexa na Lei - ou que não se amplie os limites -, seja do ponto de vista da comunidade cultural e do entretenimento , que gostaria de um alargamento que não sei se será viável hoje”.

Nesta terça-feira (2), o grupo recebeu pela primeira vez os prefeitos de quadra para ouvir suas demandas no Palácio do Buriti. A prefeitura da quadra 410 norte também constituiu um grupo de trabalho de moradores para discutir a Lei do Silêncio, com o intuito de dialogar com o poder público e os comerciantes.

“Na na comercial da quadra havia quatro bares. Nós terminamos dezembro de 2015 com nove bares. Para nós o que não é aceitável é a administração do Plano Piloto conceder alvará sem um estudo de impacto conforme a legislação de poluição sonora”, argumenta.
Creative Commons - CC BY 3.0 -

Boemia

Clemildo vê com preocupação o crescimento da boemia na região e considera que precisa haver mais diálogo com os moradores. “Só faltou consultar a comunidade, respeitosamente, conforme prevê o Estatuto da Cidade.”

Creative Commons - CC BY 3.0 -

A quadra 410 norte está localizada em uma região do Plano Piloto que concentra diversos estabelecimentos que proporcionam entretenimento e cultura para os moradores. A região ficou conhecida como Baixo Asa Norte, uma iniciativa de donos de estabelecimentos de criar o espaço de diálogo com a comunidade de moradores.

Próxima à Universidade de Brasília, a região tem sua concentração maior na quadra 408 norte, que foi alvo da operação "Bares da Moda" em dezembro passado, que reuniu diferentes órgãos do GDF. Na ocasião, a quadra foi fechada em uma ação que reuniu 14 agentes do Ibram, cinco da Agefis, 10 do Detran, 22 policiais militares e dois homens do Corpo de Bombeiros. Treze estabelecimentos foram notificados e um deles, o bar Pinella, foi multado em R$ 15 mil por “emissão de ruído”, com base na Lei do Silêncio.

Um dos bares mais novos da 408 norte, o Aleatório, que iniciou suas atividades em setembro, mudou o horário de funcionamento após a operação e passou a fechar as portas às 22h.

Creative Commons - CC BY 3.0 -

Outra ação realizada na quadra 410 norte com base na Lei do Silêncio gerou diversos protestos em Brasília. Com base na reclamação de alguns vizinhos, um grupo de rapazes que tocava violão em uma praça na área residencial da quadra por volta das 20h foi levado para a delegacia no dia 23 de dezembro, apesar dos apelos de outros moradores que disseram não se incomodar com o caso.

Alguns vídeos da operação circulou pelas redes sociais e um movimento de protesto foi realizado dias depois, com uma série de pessoas levando seus instrumentos acústicos para tocar na praça.

Liberartes
Creative Commons - CC BY 3.0 - Liberartes

Francisca Carvalho

Francisca Carvalho, mãe do jovem Gabriel que foi levado à delegacia, lembra o episódio.


“Os meninos já haviam sido revistados e liberados e de repente desce um vizinho e diz que não, que ele se sente incomodado com o barulho e que ele é uma vítima e que por isso os meninos deveriam ser levados para a delegacia”.
Creative Commons - CC BY 3.0 -

Após a repercussão negativa da operação, a banda da Polícia Militar fez uma apresentação na quadra, que reuniu, segundo o site da PMDF, cem pessoas também por volta das 20h, e teve como objetivo “mostrar para a comunidade que a PMDF também faz cultura, arte e, como o próprio lema diz, é muito mais que segurança”.

Banda da PMDF
Creative Commons - CC BY 3.0 - Banda da PMDF

PMDF

Francisca conta que mesmo após o evento de protesto e a repercussão do episódio, o grupo de jovens que moram na quadra e frequentam aquela praça tem sido alvo de abordagens constantes da Polícia Militar. “Depois desse ato cultural, vários policiais continuam vindo na quadra e abordando os meninos e meninas, basta apenas que eles desçam do bloco e logo são abordados de forma agressiva e vexatória”.

A alegação para a ação que levou os jovens à delegacia foi perturbação do sossego, a mesma utilizada em outra abordagem policial na mesma quadra também pela Polícia Militar. No dia 3 de janeiro, uma festa em um dos apartamentos da quadra também motivou a abordagem da PM. A festa teve de ser interrompida e os moradores teriam de ir até a delegacia caso o denunciante solicitasse.

“Resolvemos interromper a festa, houve aquele constrangimento. O que mais nos incomodou foi que ninguém nos procurou para reclamar do barulho e, de repente, chegaram dois policiais acompanhados de dois síndicos e uma pessoa que desconhecemos”, conta Eudardo Canavezes, músico e morador da quadra.
“A Polícia Militar sempre é chamada em primeiro lugar porque as pessoas desconhecem o serviço denúncia, mas a PM sempre aciona o Ibram, único orgão competente [para fiscalizar a Lei do Silêncio] do Distrito Federal”, informou o Ibram.

Para o secretário de cultura, os problemas que envolvem as reclamações nessa região do Plano Piloto não estão relacionados com a música e precisam de outra abordagem. “Ali existem 15 bares, cinco apenas tem alguma atividade musical", conclui.

Legitimidade

Os primeiros representantes da sociedade civil a participar de uma reunião com o grupo de trabalho do GDF formado este ano para discutir a revisão da Lei do Silêncio foram os prefeitos de quadra e representantes de associações comunitárias.

Eleitos de forma indireta, eles são os interlocutores legalmente reconhecidos pela administração regional do Plano Piloto. “Os prefeitos são eleitos pelos síndicos dos blocos que, de acordo com as regras daquela prefeitura, se reúnem e elegem uma pessoa que vai representá-los”, explica o chefe do gabinete da administração regional do Plano Piloto, Arnaldo Guedes.

Com forte influência política nas decisões desses rumos, a representatividade efetiva dessas pessoas tem sido alvo de questionamentos. Para o antropólogo Paulo Henrique Santarém, o Paique, o processo de escolha desses representantes é “nebuloso”. “Esse grupo luta pela hegemonia do DF com uma série de bandeiras de domínio do espaço, e a Lei do Silêncio seria mais uma delas”, considera.

Ele aponta que esse grupo se constitui como um movimento social ligado ao processo de tombamento do Plano Piloto e atua politicamente com o sentimento de possuírem mais legitimidade do que o restante do Distrito Federal.

“A maior parte da verba do DF está no Plano Piloto e essa verba não vem só dos moradores, eles não tem o direito de debaterem essa região como se a gestão do espaço fosse deles”, argumenta.

Creative Commons - CC BY 3.0 -

Fernanda Pacini do movimento “Quem desligou o som” também questiona a legitimidade dos conselhos comunitários e prefeituras de quadra representarem os moradores.

“Eu sou moradora da Asa Norte há 6 anos, estou sempre presente nas reuniões do meu condomínio e nunca soube da eleição do conselho comunitário da região. São votados por poucas pessoas, não existe de fato uma abrangência na comunidade”.

Ao acompanhar a tramitação do PL 445/2015 ela percebeu que muitos desses representantes passavam o dia na Câmara Legislativa, conversando com os deputados distritais. “É um lobby que os músicos não conseguem ter”, conclui.

Creative Commons - CC BY 3.0 -

Romildo Jr., um dos fundadores do Galinho de Brasília considera que, mais que uma Lei do Silêncio, a capital precisa de uma “lei de convivência”. “Brasília é uma cidade viva, que tem cultura de um Brasil inteiro e precisa aprender a conviver com isso. Algumas pessoas se acham donas da cidade, como todos nós somos, mas alguns se acham mais donos”, argumenta.

Arnaldo Guedes considera que a representação dos prefeitos é efetiva.

“O Plano Piloto é uma área de Brasília muito bem organizada com relação à representatividade. Nós não temos ouvido somente o representante dos síndicos; eles têm falado também com o governo. Legalmente essas pessoas seriam os representantes da comunidade”, considera.

Ele afirma que as pessoas que não se sentem representadas pelos prefeitos ou representantes comunitários podem procurar a administração regional do Plano Piloto para colocar seu ponto de vista sobre a Lei do Silêncio. “É o começo de um grupo de trabalho, então é o momento de as pessoas se manifestarem e se apresentarem”.

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