Um projeto em construção

Pouco mais de um mês após a abertura, pelo Ministério das Cidades, de linha de financiamento para elaboração de planos de mobilidade urbana, apenas 87 municípios tiveram propostas aprovadas até o dia 10 de agosto, dentre os mais de 1,6 mil que pertencem à faixa contemplada. Hoje, o ministério informou que o número de cadastros aprovados subiu para 142. O financiamento do Programa de Infraestrutura de Transporte e da Mobilidade Urbana (Pró-Transporte) foi lançado em 12 de julho, para municípios de até 250 mil habitantes. Não há uma data-limite para o envio das propostas. 

A pasta não soube informar, no entanto, quantos municípios dentre os aprovados foram contemplados para financiar especificamente o plano de mobilidade, para investir de forma planejada para melhorar a locomoção nas cidades. Pelo programa, além dos planos, é possível financiar também sistemas de transporte público coletivo, qualificação viária, transporte não motorizado, estudos e projetos.

A baixa eficiência no uso do espaço urbano em transporte, ou seja, a escolha que as pessoas fazem para se deslocar, é um dos principais aspectos que impactam a mobilidade. Segundo o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), enquanto uma pessoa, ao caminhar, ocupa 0,8m², ela pode chegar a ocupar 60m², se optar por fazer deslocamento similar em um automóvel particular.

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A decisão sobre qual transporte usar leva em consideração os fatores segurança, disponibilidade de informação, custo e comodidade, além da disponibilidade e infraestrutura adequada de transporte, segundo o coordenador do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes da UnB, Pastor Willy Gonzales.

Para ele, todos os elementos que compõem o sistema de mobilidade devem funcionar em conjunto. “Um sistema de mobilidade urbana refere-se à infraestrutura, à parte normativa, aos vários elementos que possibilitam às pessoas deslocar no espaço urbano, dentro deles o transporte público e o transporte privado”, afirmou.

Plano de mobilidade

O plano de mobilidade foi instituído em 2012, por meio da lei que criou a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Após tramitar por 17 anos, a lei nº 12.587/2012 estipulava o prazo de três anos para que os mais de 1,7 mil municípios com população superior a 20 mil habitantes entregassem seus planos. Em 2015, apenas 500 prefeituras conseguiram cumprir o primeiro prazo estabelecido, que foi posteriormente alterado pela lei 13.406/2016. Com a mudança, além do limite de entrega ter sido estendido para abril de 2018, os planos de mobilidade terão de ser compatibilizados com os planos diretores municipais.

Segundo a gerente de projetos do Ministério das Cidades, Martha Martorelli, a mudança impactou diretamente no andamento dos planos de mobilidade: muitos municípios suspenderam a elaboração do plano e atuam sem uma programação.

“Um grande gargalo seriam essas obras e empreendimentos e intervenções sem planejamento, porque na mobilidade urbana isso se esgota rapidamente. Então, fazer o plano de mobilidade urbana é fundamental. Porque a partir daí, qualquer investimento vai ser mais efetivo para a sociedade”, disse Martha Martorelli.

De acordo com o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, os municípios não conseguirão cumprir o novo prazo para a entrega dos planos. A expectativa é que haja um avanço de cerca de 5% no que já foi entregue. “Os municípios não têm estrutura de engenheiros de obras para poder elaborar os documentos. Não temos estrutura técnica, nem financeira, para fazer”, afirmou.

Em busca de recursos

Para Paulo Ziulkoski, a viabilidade dos planos aumentaria caso os municípios se organizassem em consórcios para a realização de um plano regional. Ainda assim, ele considera que as cidades teriam dificuldade em executar o planejamento por falta de orçamento, uma das principais barreiras identificadas para elaboração.“O Brasil vive uma crise e logicamente que ela atingiu os municípios”, afirmou.

Desde a criação da política de mobilidade, os municípios pleiteiam recursos para viabilizar a elaboração dos planos. Uma minoria deles foi financiada por meio de emendas parlamentares. Segundo o presidente da CNM, os municípios não têm como pegar empréstimos, já que muitos estão endividados atualmente.

Como solução, Ziulkoski propõe o repasse direto do Orçamento Geral da União a fundo perdido. “Não adianta querer apertar o prefeito ou município que não tem como fazer. Primeiro, quem tem que dizer como fazer é a União, que fez a lei. Se ela tem vontade de terminar com o analfabetismo no Brasil, tem que dizer como é que vai terminar e como é que ela vai ajudar. Não é criar a lei e dizer: 'nós vamos ajudar técnica e financeiramente'”, argumenta.

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Municípios com mais de 20 mil habitantes têm até abril de 2018 paraconcluir seusplanos de mobilidade. Foto: Alf Ribeiro/ iStock

Recentemente, o ministro das Cidades, Bruno Araújo, anunciou o lançamento do programa Avançar Cidades Mobilidade, que prevê R$ 3,7 bilhões para financiamentos de ações no setor. A gerente de projetos Martha Martorelli explica que os municípios com mais de 100 mil habitantes que ainda não têm o plano de mobilidade urbana e que apresentarem proposta de empreendimento terão que solicitar empréstimo para a elaboração do plano, no qual o projeto deverá ser inserido. “Assim a gente garante que esses recursos que eles vão utilizar sejam mais efetivos e surtam mais efeito”.

Cumprimento de metas

O Brasil e outros 192 países se comprometeram a tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Este é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas para 2030. Para alcançar esses objetivos, foram descritas 169 metas – muitas envolvendo a mobilidade urbana. Mas, assim como em outros lugares no mundo, os municípios brasileiros ainda têm grandes desafios para atingir essas metas.

O professor Gonzales considera que, embora o Brasil já tenha diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Mobilidade Urbana, falta implementá-las, para que as cidades se aproximem das metas. “As ações que permitem implementar as diretrizes é o que está falhando. Existe uma espécie de vácuo, como se a ponte entre um lugar e outro tivesse caído, ou é fictícia, e não permite que se implemente a lei. Embora existam algumas ações interessantes, mas também muito pontuais”, diz.

Sustentabilidade urbana

A necessidade de se deslocar diariamente para cumprir tarefas corriqueiras é muitas vezes um desafio para quem vive nas cidades. Desafio que se impõe também aos gestores que precisam planejar um sistema integrado, sustentável e capaz de atender à demanda da mobilidade dos habitantes.

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A trabalhadora doméstica Maria Sales trabalha a 34 quilômetrosde suacasa. Foto: Reprodução/ Agência Brasil

A trabalhadora doméstica Maria Sales é uma dessas milhares de pessoas que conhecem bem os problemas no sistema de mobilidade urbana. A reportagem da Agência Brasil acompanhou a rotina da trabalhadora. Atualmente, ela passa a maior parte da semana morando na casa onde trabalha. Se precisasse sair de casa todos dias para ir ao trabalho, teria que percorrer diariamente cerca de 34 quilômetros para se deslocar da cidade de Santo Antônio do Descoberto (GO) até o trabalho, em Águas Claras (DF).

Ao longo desse percurso, Maria enfrenta pelo menos uma vez por semana quase duas horas de deslocamento, com cerca de um quilômetro de caminhada e mais dois trechos de ônibus. Ela explica que, assim como outros moradores da região, precisa acordar por volta das 4h, pois o primeiro ônibus que pega passa somente uma vez por dia. “Quando a gente perde o ônibus aqui tem que subir para a rodoviária, aí você imagina essa ladeirinha maravilhosa todos os dias”, diz, mostrando uma subida de mais de um quilômetro.

Segundo o coordenador do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes da Universidade de Brasília (UnB), Pastor Willy Gonzales, para que a mobilidade ocorra de forma eficiente é necessário que o deslocamento seja completo, sem que no meio do caminho haja qualquer imprevisto. Para isso, é necessário um sistema de mobilidade em que cada uma das partes interaja para cumprir um fim. “Qual que é o meu fim? Me deslocar com qualidade, com segurança e isso me permite realizar algum tipo de atividade no final do deslocamento: trabalhar, estudar, lazer”, diz.

Falhas do transporte público

Para chegar ao trabalho, Maria precisa pagar passagem de R$ 4,75 e outra no valor de R$ 3,50. Ida e volta significaria um custo diário de R$ 16,50. Segundo ela, o alto valor do transporte acaba sendo uma barreira para arrumar emprego, já que os patrões preferem contratar alguém que more mais perto e tenha que pagar menos pelo transporte. “A maioria do povo ali de Santo Antônio está desempregada por causa da passagem, porque os patrões não estão tendo condições, ainda mais para quem pega dois ônibus. O meu irmão mesmo foi mandado embora porque a empresa não estava aguentando pagar as passagens”.

A baixa oferta de transporte público, o alto custo das passagens, a falta de infraestrutura – como sinalização e calçadas inexistentes – e a insegurança são fatores que tornam o sistema de mobilidade urbana ineficiente. Isso tudo resulta em problemas como maior tempo de deslocamento nos centros urbanos, excesso de veículos nas vias e consequentemente maior número de mortes no trânsito e mais poluição.

De acordo com dados publicados no anuário 2017 da Confederação Nacional dos Transportes, a frota de automóveis no Brasil é de 51,2 milhões, o equivalente a um carro para cada quatro brasileiros. Outra estatística que chama a atenção é o número de mortes no trânsito, que segundo o Ministério da Saúde, em 2015, somaram 37.306 em todo o Brasil.

Segundo a gerente de projetos do Ministério das Cidades, Martha Martorelli, muitos desses impactos são resultado de um antigo entendimento de que mobilidade tinha a ver apenas com transporte. “Foi com a criação do Ministério das Cidades que se pensou na mobilidade como uma política urbana e não apenas como uma política de transporte”, explica.

Essa transformação provocou muitas mudanças na forma de pensar a mobilidade, entre elas, o caráter público das ruas, que privilegia os transportes não motorizados ou públicos e deixando de dar tanto destaque para o uso de veículos particulares. Outra mudança foi a incorporação do conceito de Ruas Completas (do termo em inglês complete streets) que define uma coexistência harmônica de diversos modos de deslocamento, com boa infraestrutura e informação para pedestres, bicicletas, transporte público e automóveis.

Segundo Pastor Gonzales, é importante encorajar as pessoas a combinarem mais de um modo de se deslocar, mas para isso os meios de transportes e a infraestrutura complementar também devem permitir isso.

“A integração de cada modal é importante para que ele finalize o deslocamento. Nesse sentido, várias ações já estão sendo dadas no Brasil, com exemplos muito interessantes. Por exemplo, as bicicletas compartilhadas, elas vêm atender esse aspecto. A pessoa tem uma opção a mais para completar parte do deslocamento”, explica Gonzales.

Bikes
Bicicletas compartilhadas em Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Para a trabalhadora doméstica, se houvesse mais opções que otimizassem o deslocamento, sobraria tempo para estudar e melhorar de vida. “Ultimamente, estou trabalhando em casa de família, trabalho aqui em Águas Claras, trabalho há 20 anos com o mesmo pessoal, mas o meu sonho mesmo era fazer uma faculdade de gastronomia e mexer com coisa que eu gosto que é cozinha. Eu amo cozinhar, então, para mim seria uma glória se eu conseguisse né? Então assim não dá, mesmo se eu quisesse não daria, além do horário que eu chego que demora demais e as condições também, porque fica muito difícil”, conta.

Biocombustíveis: um caminho em busca da redução do impacto ambiental

Diminuir os impactos ambientais é um dos desafios de quem pensa a mobilidade, contando com novas tecnologias e pesquisas para ampliar o uso de combustíveis sustentáveis. O setor do transporte foi a segunda maior causa de emissões de dióxido de carbono (CO2) no Brasil: representou 11% do total bruto de 1.927 bilhões de toneladas, ficando atrás apenas do setor agropecuário, segundo pesquisa realizada pelo Observatório do Clima.

Cana de açúcar
Pesquisas estudam substituir a cana-de-açúcar pela cana-energia, maiseficiente para a produção de etanol. Foto: Elza Fiúza/Arquivo/AgênciaBrasil

Atualmente os biocombustíveis representam 38% da matriz energética brasileira, sendo a maior parte sucroenergético (álcool, açúcar e biomassa da cana) ou proveniente das oleoginosas, como soja, dendê, girassol, babaçu, amendoim, mamona e pinhão-manso.

Outros combustíveis, como o biodiesel de resíduos da indústria de alimentos e o biometano, têm ganhado espaço, ainda de forma discreta. “A biomassa residual, os resíduos agrícolas, os resíduos dos matadouros e resíduos sólidos urbanos têm grande potencial”, diz o coordenador geral de tecnologias setoriais do Ministério da Ciência Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Eduardo Soriano.

Em todo o país, diversas pesquisas estão em andamento com o objetivo de implementar o uso de combustíveis sustentáveis. Na área de produção de etanol, pesquisas indicam que o uso da espécie cana-energia aumenta consideravelmente a média de produtividade nas plantações.

“A média de produtividade de cana[-de-açúcar], por exemplo no Centro-Sul, é 140 toneladas por hectare. Nós estamos produzindo a cana[-energia], hoje em dia, em forma de pesquisa, já está chegando a 200 toneladas por hectare e pode chegar a 300 toneladas por hectare, ou seja, o Brasil pode aumentar e muito a sua produção de etanol sem usar um hectare a mais de terra”, afirma Soriano.

A produção de biodiesel a partir de microalgas é outra pesquisa em andamento, já que esses pequenos organismos são oleoginosas de rápido crescimento, que não competem com a produção de alimentos, pois podem ser produzidos em áreas não propícias para a agricultura. “Isso é uma tecnologia nova que ainda está em laboratórios, o mundo inteiro ainda está pesquisando”, diz o representante do MCTIC.

Combustível para aviação

Mas a grande novidade na área de pesquisa para combustíveis aplicados ao transporte não diz respeito às emissões de transportes terrestres, mas sim no combustível renovável para aviação, com pesquisas no Brasil para uso de energia elétrica e de bioquerosene.

A primeira é a rota de síntese, que usa a energia elétrica para separar o hidrogênio e o oxigênio da água para produzir o gás de síntese. Esse gás se mistura a outros gases para formar um combustível adequado para a aviação.

No final do mês de junho, Brasil e Alemanha firmaram um acordo para a construção de uma planta piloto no Brasil para desenvolver pesquisas com o novo combustível nos próximos cinco anos, que possam ser produzidos em diversos locais. “A ideia é produzir em pequena escala, porque as grandes refinarias produzem em larga escala, então, você precisa de uma infraestrutura muito grande e gasta mais combustível para transportar o querosene até lugares distantes, como a Amazônia, igual ocorre com o diesel nas térmicas. Queremos, no futuro, criar uma rota tecnológica, um novo padrão para ser replicado em lugares mais distantes”, explica Soriano.

Avião
Pesquisas estudam ampliar o percentual de bioquerosene de aviação noabastecimento de aeronaves. Foto: Rodrigo Mello Nunes/ iStock

A outra linha de pesquisa é a biológica, já em estudo há alguns anos no Brasil, com testes bem-sucedidos do uso do bioquerosene de aviação (BioQAV) produzido a partir de oleoginosas. Em novembro de 2010, uma companhia aérea brasileira realizou o primeiro voo com um Airbus A320 abastecido com uma mistura de 50% do combustível sustentável. A aeronave sobrevoou por 45 minutos o Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.

Nos últimos anos, companhias aéreas brasileiras adotaram cerca de 4% de adição do BioQAV no combustível. Os líderes mundiais no uso de biocombustíveis nos transportes aéreos e nas pesquisas no setor são Estados Unidos e Portugal. “O Brasil, como líder mundial em biocombustível, não pode perder essa corrida, estamos empenhados em desenvolver os bioquerosenes de aviação”, diz Soriano.

RenovaBio incentiva biocombustíveis

Já nos transportes terrestres, embora o Brasil tenha uma política bastante avançada na área de biocombustíveis, que garante a mistura de 36% do etanol à gasolina e 8% do biodiesel ao diesel de origem fóssil, ainda existem muitos entraves para que os combustíveis sustentáveis ganhem mais mercado. Segundo o diretor de biocombustíveis do Ministério de Minas e Energias, Miguel Lacerda, um dos principais dificultadores é a falta de diferenciação tributária para o setor.

Para ele, é necessário um marco regulatório que permita condições estáveis para o mercado de biocombustíveis, de modo a superar os altos custos com importação de combustíveis fósseis – apesar de o Brasil ser autossuficiente, importa petróleo do tipo leve, mais fácil de extrair gasolina e outros derivados. A importação ainda sobrecarrega os portos brasileiros e aumenta o risco de desabastecimento, segundo Lacerda.

O diretor do ministério lembra que a produção de etanol do Brasil já foi a maior do mundo, mas hoje alcança a metade do líder mundial, Estados Unidos. “Nós estamos correndo o risco de perder décadas de investimentos em um modelo baseado em biomassa”, afirma. Segundo o diretor superintendente da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Donizete Tokarski, esse marco regulatório deve ser criado de acordo com a política do RenovaBio, que o governo pretende enviar ao Congresso para aumentar a produção de biocombustíveis, que contou com a participação de vários setores e foi aprovado pelo Conselho Nacional de Políticas Energéticas.

Tokarski explica que a aprovação do RenovaBio premia o uso de biocombustíveis com eficiência energética, por meio dos Certificados de Redução de Emissão (CREs), permite que o mercado regule o valor da tonelada de carbono e aumente a competitividade. “O programa RenovaBio é, em síntese, uma maneira de descarbonizar os combustíveis do Brasil”, diz.

O setor está mobilizado para convencer o Legislativo a aprovar uma lei que regulamente a proposta do RenovaBio. “Ou ela vai ser tramitada por Medida Provisória, e aí nós temos ainda no curto prazo essa política que valoriza [os biocombustíveis], ou ainda ela pode ser tramitada por Projeto de Lei e aí o prazo depende do processo dentro da Câmara e no Senado”, explica Miguel Lacerda.

 

Falta de política pública limita uso de veículos elétricos

Os carros elétricos licenciados no Brasil em 2016 correspondem a 0,18% do total, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico. Foram 3.818 nesta modalidade, contra 2 milhões de veículos novos no total, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

O país ainda não produz carros elétricos e cerca de 80% dos que são importados e comercializados em território nacional utilizam tenologia híbrida, ou seja, combinam motor a combustão com baterias elétricas. Dos seis modelos importados, apenas um não é híbrido --- um carro de marca Alemã com aparência de popular e preço de carro de luxo, a partir de R$ 170 mil.

Engarrafamento, carros
Maioria dos carros do país ainda é conduzida com combustíveisfósseis. José Cruz/Agência Brasil

Segundo a professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade de Campinas (Unicamp), Flávia Consoni, há um consenso de que o segmento só avançará se houver políticas públicas de estímulo. “As políticas públicas são essenciais para que tecnologias que são de ruptura e que encontram resistências iniciais possam ser fortalecidas e apoiadas. O caso dos veículos elétricos é um exemplo. Eles estão disputando mercado com os veículos a combustão interna, que são majoritariamente dominantes”, afirma.

Ela considera que faltam estímulos, embora o país tenha algumas iniciativas pontuais, como a Resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex) 97/2015, que reduziu a alíquota do imposto de importação desse tipo de veículo.

Em outros países, foram criadas linhas de financiamento exclusivas para aquisição de carros elétricos com juros diferenciados, os carros receberam isenção de taxas de estacionamentos e pedágios, ou ainda permissão para trafegarem em áreas restritas para veículos coletivos, segundo Flávia. “No caso brasileiro, não há uma clara sinalização de política pública que estimule este mercado, com a quase completa ausência de instrumentos de promoção e de estímulo à P&D [pesquisa e desenvolvimento] e à produção e comercialização dos veículos elétricos no país”, diz a professora.

Fomento à mobilidade elétrica

O governo federal trabalha com a perspectiva de o Brasil chegar à convivência de diferentes trajetórias de motorização automotiva, dentre elas a elétrica. Em janeiro deste ano, teve início o Programa Brasil Alemanha de Fomento à Mobilidade Elétrica, em que os dois países pretendem criar, em 4 anos, um plano para incentivar e normatizar a mobilidade elétrica no país.

“O foco de atuação será o transporte coletivo urbano e o transporte de cargas ponto-a-ponto, porque nesses grandes centros urbanos onde circulam esses veículos é onde você tem um alto potencial de redução das externalidades negativas relacionadas tanto a emissões quanto a poluição sonora”, explica a diretora do Departamento das Indústrias para a Mobilidade e Logística do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Margarete Gandini.

O ambiente institucional favorável e com menos incertezas favorece que a eletrificação dos ônibus ocorra antes dos demais veículos, no entendimento da professora da Unicamp.

Entre os desafios para a implantação do veículo elétrico no país, a professora Flávia Consoni destaca, além do custo, a questão da sua autonomia  da sua autonomia, que ficou conhecido como range anxiety, ou o temor do motorista de, na ausência de eletropostos, ficar impedido de concluir sua viagem por falta de bateria. Também precisariam ser analisados os impactos ambientais e financeiros do descarte ou reciclagem da bateria dos carros elétricos.

Transformação dos veículos

Para conseguir um automóvel mais sustentável sem pagar muito mais por isso, o coronel do Exército aposentado Elifas do Amaral apostou na ideia de transformar um carro popular com motor a combustão em um carro totalmente elétrico. Engenheiro de formação, ele fez a escolha que considerou mais rápida e com menor custo e investiu cerca de R$60 mil, além do veículo, para viabilizar o projeto.

“Eu pesquisei nos sites internacionais e observei que poderia se fazer uma transformação a partir de uma plataforma existente”, conta Amaral.

Aposentado utiliza carro elétrico
O aposentado Elifas do Amaral transformou um veículo normal emcarro elétrico e o abastece com a energia de sua rede doméstica.Foto: Reprodução/ Agência Brasil

O carro foi transformado em 2008 precisou de poucas manutenções desde então. Elifas adaptou sua garagem e usa a rede doméstica de energia elétrica para abastecer o carro, com um acréscimo de R$30 na sua conta de luz. Entre manutenção e abastecimento, o militar calcula uma economia de cerca de 70% comparada ao carro com motor a combustão.

O veículo transformado tem uma autonomia de cerca de 150 quilômetros (Km) e atinge uma velocidade máxima de 130 Km/h. Sem emissão de gases de efeito estufa, o veículo também faz menos barulho.

Elifas ainda ressalta outras vantagens do carro transformado. “Esse carro tem um torque praticamente duas vezes maior ao motor original. o torque é aquela sensação que nós temos de potência do carro, quando nós estamos largando, por exemplo, quando um sinal abre, então o veículo tem uma boa aceleração e um resultado bastante satisfatório.”

Atualmente, a legislação já permite a transformação de carros como a que foi feita por Elifas, mas na época em que ele fez as modificações, foi necessário desbravar os caminhos legais para conseguir a homologação que permitiria o uso do veículo em via pública.

Segundo o militar, muitas das conversas e reuniões que manteve com os órgãos fiscalizadores acabaram servindo como subsídio para que a normatização sobre o assunto viesse a existir. “Uma vez modificada essa legislação eu me enquadrei, de forma tal, que hoje consta no documento 'veículo movido a bateria' e [o carro] tem uma fonte interna. É um veículo 100% elétrico”, orgulha-se.

17 de Agosto, 2017