As vacinas salvam até 3 milhões de vidas por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Para entender o que esse número significa, é possível comparar que, a cada ano, uma população tão grande quanto a cidade de Salvador deixa de morrer porque se preveniu de doenças. 

O sucesso da imunização ao redor do mundo foi responsável pela erradicação global da varíola, em 1980; pelo controle da paralisia infantil, hoje com 30 casos restritos a apenas dois países; e, até recentemente, pelo desaparecimento do sarampo de continentes inteiros, como as Américas do Sul e do Norte. 

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) calcula que cada dólar gasto em vacinas gera uma economia de US$ 44, o que inclui custos médicos com tratamentos e perda de produtividade das pessoas infectadas. Pesquisadores estimam que a disseminação das vacinas permitiu que a expectativa de vida mundial subisse 30 anos nos últimos dois séculos.

Apesar desses avanços, há grandes desafios a serem vencidos para ampliar as coberturas de imunização. Segundo o Unicef, 13,5 milhões de crianças com menos de 1 ano não tiveram acesso a vacinas em 2018.

Calendários nacionais de vacinação

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Com uma história que vai da Revolta da Vacina ao Zé Gotinha, o Brasil se insere nesse cenário atualmente como o país que oferece o maior leque de imunizações a sua população. O Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, distribui anualmente mais de 300 milhões de doses de vacinas, soros e imunoglobulinas. Para ter esse alcance, é necessário um investimento anual de mais de R$ 4 bilhões.

A história do PNI começa na década de 1970, quando foi criada a sua estrutura e elaborados os primeiros calendários nacionais de vacinação para combater um quadro epidemiológico que incluía 10 mil casos de poliomielite e 100 mil casos de sarampo por ano. Em 1977, foi lançado o primeiro calendário, com apenas quatro vacinas para prevenir sete doenças em crianças de até um ano de idade: a Bacilo Calmette Guerin (BCG); a Vacina Oral poliomielite (VOP); a vacina Difteria, Tétano e Coqueluche (DTP), e a vacina contra o sarampo. Esse calendário cresceu nos últimos 42 anos, e o PNI recomenda atualmente 14 vacinas para crianças, além de prever calendários específicos para adultos, gestantes, idosos e população indígena.

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Calendário Nacional da Vacinação Criança

Vacina Esquema vacinal Idade
BCG 1 dose ao nascer
Hepatite B 1 dose ao nascer
Penta (DTP/Hib/Hep B) 3 doses 2, 4, 6 meses
Vacina Pneumocócica 10 valente 2 doses e reforço 2, 4, 12 meses
VIP (Vacina Inativada Poliomelite) 3 doses 2, 4, 6 meses
VRH (Vacina Rotavírus Humano) 2 doses 2, 4 meses
Vacina Meningocócica Conjugada tipo C 2 doses 1 reforço 3, 5, 12 meses
VOP (Vacina Oral contra Poliomielite) 1 reforço 1 reforço 15 meses, 4 anos
Vacina febre amarela 1 dose 9 meses
Tríplice viral (sarampo, rubéola, caxumba) 1 dose 12 meses
Hepatite A 1 dose 15 meses
Tetraviral (sarampo, rubéola, caxumba, varicela) 1 dose 15 meses
DPT (tríplice bacteriana) 1 reforço 1 reforço 15 meses, 4 anos
HPV quadrivalente (Papilomavírus Humano) 2 doses 9 a 4 anos

 

Calendário Nacional da Vacinação Adolescente e Adulto

Vacina Esquema vacinal Idade
HPV

2 doses (com intervalo de seis meses entre as duas)

2 doses (com intervalo de seis meses entre as duas)

3 doses (com a segunda dois meses após a primeira, e a terceira seis meses após a primeira)

9 a 14 anos (mulheres)


11 a 14 anos (homens)


Homens e mulheres HIV+ 9 a 26 anos e transplantados de órgãos sólidos, de medula óssea e pacientes oncológicos

dT (dupla tipo adulto) B reforço a cada 10 anos
Vacina febre amarela Dose única Área com recomendação de vacinação
Tríplice viral 2 doses
1 dose
até 29 anos
20 a 49 anos
Hepatite B 3 doses Universal
dTpa 1 dose Gestante a partir da 20ª semana de gestação ou puepério e profissionais de saúde
Vacina Meningocócica Conjugada tipo C 1 reforço ou dose única 11 a 14 anos

 

Calendário Nacional da Vacinação Idoso

Vacina Esquema vacinal Observações
dT (dupla tipo adulta) Reforço a cada 10 anos
Vacina febre amarela (1) Dose única Área com recomendação de vacinação.
Hepatite B 3 doses Universal
Pneumococo 23 1 dose Acamados e/ou vivem em instituições fechadas

(1) Pessoas a partir de 60 anos deverão ser vacinadas somente se residirem ou forem se deslocar para áreas com transmissão ativa de febre amarela (epizootias, casos humanos vetor infectado)

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Fernando Frazão/Agência Brasil

Mais completo, o PNI também viu crescer seu número de usuários: a população brasileira saltou de 112 milhões quando o programa foi criado, em 1975, para 210 milhões em 2019. Nessas décadas, o Brasil erradicou a poliomielite, a difteria e a rubéola, e reduziu a incidência de doenças graves como a meningite tuberculosa, o tétano neonatal e a febre amarela. 

Todas as vacinas previstas nos calendários de vacinação do PNI podem ser obtidas gratuitamente por seu público-alvo em um dos 36 mil postos de vacinação espalhados no território nacional. Vacinações para grupos com condições de saúde específicas podem ser obtidas nos centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs), presentes nas 27 unidades da Federação.

Coordenadora-geral do programa por oito anos, Carla Domingues viu a erradicação e o retorno do sarampo ao Brasil. Ao participar em setembro, em Fortaleza, da Jornada Nacional de Imunizações, que discutiu formas de valorizar as vacinas, ela destacou que o PNI mudou o perfil epidemiológico do Brasil e também o foco das políticas de saúde pública, permitindo mais espaço para o tratamento das doenças crônicas.

“Se a gente discute como atender a doenças crônico-degenerativas no [Sistema Único de Saúde] SUS, é porque se deu espaço para atender a essas doenças, porque deixamos de atender às infectocontagiosas e imunopreviníveis. Não podemos perder de vista isso”, afirma ela, que aponta um paradoxo. “À medida que a gente não vê mais as doenças, muita gente não acredita mais na importância da vacinação, justamente pelo sucesso do programa.”

Uma das preocupações de especialistas na área é como conseguir a adesão de adultos e adolescentes aos calendários de vacinação. Coordenadora do Centro Especial de Vacinação Dr. Álvaro Aguiar, no centro do Rio de Janeiro, Adriana Desterro conta que é comum receber adultos na unidade que não sabem que vacinas já tomaram e que desconhecem o paradeiro de seus comprovantes de vacinação. Quando não é possível recuperar o documento, repetir doses que porventura já tenham sido tomadas acaba sendo a solução para conseguir uma carteira de vacinação atualizada.

“As maiores dúvidas que recebemos aqui são sobre atualização do calendário de vacinas. Geralmente, esses usuários perderam suas carteiras e não têm noção de seu histórico vacinal”, conta ela, que considera que a procura para atualizar as carteiras de vacinação é baixa por parte de adultos e adolescentes.

É o caso da advogada Cristiane Santos, de 48 anos, que perdeu sua carteira de vacinação e foi à unidade de saúde em que Adriana trabalha para descobrir se precisava se vacinar para viajar. Ao relatar a situação, ela tomou três vacinas, recebeu uma nova carteira de vacinação do adulto e já saiu do posto com o documento atualizado, incluindo as datas das futuras doses. Ela conta que nunca perdeu a carteira de vacinação da filha, que já é adulta.

“A carteira dela está lá [em casa], toda atualizada e com todas as vacinas em dia.”

O relato de Cristiane não é uma exceção. Vice-presidente da Sociedade Nacional de Imunizações, Isabela Ballalai aponta que boa parte da população ainda tem uma percepção de que a imunização é um cuidado que se restringe à saúde da criança:

"Há uma questão cultural de que vacina é coisa de criança. A gente aprendeu que precisa levar as crianças ao posto e não sabe que esse é só o primeiro desafio. A população desconhece que existe um calendário de vacinação rotineiro para o adulto."

Oficial de náutica, Flávio Martins, de 38 anos, mantém sempre em dia sua vacinação, com especial atenção à prevenção da difteria e do tétano (DT), que é recomendada para adultos a cada dez anos.

“Trabalho embarcado, e as empresas solicitam, pelo cuidado devido aos metais que estão a bordo”, disse ele, que aproveitou e foi ao posto de vacinação com o pai, o economista Flávio Martins, de 68 anos. Os dois deixaram a unidade de saúde com a carteira de vacinação do adulto atualizada. “A população vacinada está preparada para o trabalho, gera menos custos para o governo e, além disso, é uma população sadia”, disse o oficial.

Produção nacional

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Com importantes instituições como o Instituto Butantan e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos), praticamente todas as vacinas utilizadas no Sistema Único de Saúde (SUS) são produzidas no país ou estão em processo de transferência de tecnologia. 

Bio-Manguinhos fornece ao Ministério da Saúde as vacinas tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), a tetravalente viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela), a rotavírus humano, a febre amarela, a pneumocócica 10-valente conjugada, a poliomielite 1 e 3 oral, a poliomielite inativada, a Haemophilus influenzae b (Hib) conjugada e a DTP (difteria, tétano e coqueluche) e Hib combinadas. Dentre essas vacinas, a de febre amarela e a tríplice viral têm a produção completamente nacionalizada em Bio-Manguinhos, enquanto as demais são produzidas na unidade em processo de transferência de tecnologia de laboratórios parceiros.

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Fernando Frazão/Agência Brasil

Já do Butantan saem seis vacinas para o Ministério da Saúde. Hepatite A, hepatite B, DTPa, Human Papiloma Virus (HPV) e Raiva inativada são produzidas no instituto por acordos comerciais com farmacêuticas parceiras que incluem a transferência de tecnologia para o instituto. A Influenza trivalente é produzida inteiramente no Butantan.

Coberturas vacinais

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Resultados como a erradicação da paralisia infantil no país só foram possíveis porque as pessoas foram aos postos de saúde se vacinar. A meta de imunização para a maioria das vacinas é de 95% do público-alvo e, em 2013, vacinas importantes do calendário da criança como a BCG, a poliomielite e a primeira dose da tríplice viral ainda atingiam 100% de imunização. 

Nos últimos dois anos, no entanto, as metas de imunização só foram batidas para a BCG, que imunizou cerca de 96% dos recém-nascidos em 2017 e 2018. A tríplice viral, que previne rubéola, caxumba e sarampo, teve uma queda de imunização para 90% na primeira dose, e a segunda dose continuou bem abaixo do pretendido, com 75% de cobertura. 

 

Coberturas vacinais com dose 1 e 2 da vacina papiloma vírus humano quadrivalente em meninas de 9 a 14 anos de idade por unidade federada.

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Coberturas vacinais do esquema básico e de reforço por tipo de vacinas em crianças ,1ano / 1 ano e gestante, Brasil, 2011 a 2018*

Imunológico/ grupo alvo 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
BCG 107,94 105,69 107,42 107,28 105,08 955,55 96,41 96,09
Hepatite B em < 1 mês - - - 88,54 90,93 81,75 84,70 85,70
Rotavírus Humano 87,06 86,37 93,52 93,44 95,35 88,98 83,82 88,32
Meningococo C 105,66 96,18 99,70 96,36 98,19 91,68 81,32 86,12
Penta (DTP/Hib/HB) - 24,89 95,89 94,85 96,30 89,27 83,35 85,73
Pneumocócica 81,65 88,39 93,57 93,45 94,23 95,00 91,07 91,99
Poliomielite 101,33 96,55 100,71 96,76 98,29 84,43 83,82 88,60
Hepatite A - - - 60,13 97,07 71,58 82,70 81,20
Pneumocócica (1º ref) - - 93,11 87,95 88,35 84,10 74,76 61,16
Meningococo (1º ref) - - 92,35 88,55 87,85 93,86 79,30 71,64
Poliomielite (1º ref) - - 92,92 86,31 84,52 74,36 77,74 71,64
Tríplice viral dose 1 102,39 99,50 107,46 112,80 96,07 95,41 90,52 90,84
Tríplice viral dose 2 - - 68,87 92,88 79,94 76,71 75,29 75,63
Tríplice bacteriana - - 90,96 86,36 85,78 64,28 73,98 67,10
dTpa gestante - - - - 44,97 33,81 42,36 62,81

Com a imunização aquém do ideal, o sarampo voltou a circular no Brasil em 2018, e o país perdeu o certificado de erradicação da doença em fevereiro deste ano. A volta do sarampo é um fenômeno enfrentado por países ricos e pobres ao redor do mundo, tão diferentes quanto Venezuela e Reino Unido, que também perderam seus certificados de erradicação recentemente. Outros como Estados Unidos e Colômbia são casos de países que tentam controlar surtos para não perder o certificado.

A hesitação à vacinação foi considerada pela OMS como uma das dez ameaças à saúde global em 2019, diante de um cenário de 30% do aumento dos casos de sarampo no mundo. O Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) estimam que quase 40 milhões de pessoas não tenham se vacinado contra o sarampo no Brasil. Segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde, o país já registrou 6.640 casos da doença neste ano, sendo que 5.652 (85,1%) foram confirmados por critério laboratorial e 988 (14,9%), por critério clínico epidemiológico. 

A Campanha Nacional de Vacinação contra o Sarampo teve início em 7 de outubro e vai até dia 25. O público-alvo são crianças de 6 meses a menores de 5 anos. O Dia D – dia de mobilização nacional – vai ser em 19 de outubro. Em uma segunda etapa, de 18 a 30 de novembro, o foco será a população de 20 a 29 anos, com Dia D em 30 de novembro. Manter as taxas de imunização elevadas também para os jovens adultos é importante porque, apesar de ter menos chances de complicações, o grupo ajuda a espalhar a doença, fazendo com que chegue a crianças não vacinadas. A mobilização da sociedade é indispensável para que o Brasil volte a erradicar o sarampo, destacou a coordenadora-geral do Programa Nacional de Imunizações, Franciele Fantinato. 

"O controle e a eliminação dessa doença só serão possíveis se trabalharmos juntos e entendermos que a responsabilidade da vacinação é de toda a sociedade e, em especial, de todos nós profissionais de saúde", discursou na abertura da Jornada Nacional de Imunizações.

Falsos medos e seguranças

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Especialistas relacionam a queda nas taxas de vacinação ao redor do mundo a diversos motivos, mas destacam-se duas falsas percepções. Se, por um lado, a erradicação e o controle de doenças em um país fazem com que sua população crie a falsa ideia de que não é mais preciso se proteger dela, por outro, fake news e boatos espalham relatos e pesquisas falsas ou descontextualizadas causando insegurança em relação às vacinas. O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Juarez Cunha, resume a preocupação com essas falsas percepções:

"Se não faltam evidências sobre os benefícios da vacinação, sobram informações desencontradas e falsas sobre os reais riscos associados às vacinas, e a isso se soma à percepção equivocada de segurança em relação ao controle e eliminação de doenças. Há uma necessidade urgente de reforçar a percepção positiva das vacinas."

A especialista em imunizações da Opas Lely Guzman considera que, no Brasil e no restante da América Latina, ainda é pequena a influência de movimentos antivacina como os encontrados nos Estados Unidos e na Europa. Na visão dela, a falsa sensação de segurança em relação às doenças erradicadas pesa mais para a queda das taxas, assim como características regionais que precisam ser mais bem compreendidas.

"O Brasil, neste momento, está fazendo muitas ações para dar resposta a esse surto de sarampo", avalia Lely, que elogiou iniciativas do Movimento Vacina Brasil, como o estímulo à ampliação do horário de funcionamento de postos de vacinação. "O Brasil é muito importante na região, e tudo o que acontece no Brasil rapidamente impacta os outros países", acrescentou. 

Especialista do Unicef, Francisca Andrade reforça o alerta de pesquisadores que afirmam que o fato de uma doença não ser mais vista no Brasil não afasta a necessidade de se vacinar, já que a imigração e o turismo podem fazer com que antígenos cheguem ao país e voltem a circular caso encontrem baixas taxas de imunização. Um turista infectado com sarampo não vai transmitir o vírus a ninguém caso entre em contato apenas com pessoas vacinadas. Se esse mesmo turista chegar a um país com parte da população desprotegida, o vírus encontrará o caminho para estabelecer uma cadeia de transmissão, podendo iniciar um surto.

“Não dá para culpar pessoas que vêm ao nosso país. Temos que ter boas coberturas vacinais e ter um bom sistema de vigilância epidemiológica e de bloqueio de casos. ”


O combate a fake news e a boatos está no radar de pesquisadores e autoridades da saúde. Desde o ano passado, o Ministério da Saúde mantém um número de WhatsApp (61-99289-4640) para desmentir informações falsas e esclarecer dúvidas. Nesse período, mais de 100 fake news diferentes foram desmentidas, e as vacinas estão entre as principais vítimas desses textos.

Por mais absurdas ou inverossímeis que sejam algumas dessas fake news, o professor e pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz) Igor Sacramento alerta que, quando as pessoas recebem essas mensagens enviadas por amigos, familiares ou outros conhecidos próximos, elas ganham mais credibilidade. "Tem uma questão que é da intimidade. A confiança no contexto contemporâneo tem muito a ver com intimidade. Se eu recebo uma informação de WhatApp de um amigo, de um parente, isso tem um valor maior do que a informação científica, do que o site do Ministério da Saúde ou da Fiocruz", diz o pesquisador.

Como os locais de circulação das notícias falsas são principalmente as redes sociais, o pesquisador defende que esses espaços sejam ocupados por informações qualificadas e corretas, produzidas de forma que possam viralizar como as fake news. "É fundamental ter armas pra isso, ter investimento em pessoal e tecnologia para poder criar conteúdo. É fundamental que a gente aprenda a fazer algo viralizar", alerta ele.

A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabela Balalai, aponta a facilidade de disseminação de informações nas redes sociais e a descrença da população nas instituições como o cenário que estimula o agravamento do problema.

"É preciso que a gente esteja atento. A gente precisa entender que o trote virou uma coisa fácil. Antigamente, você pegava o telefone, fazia uma brincadeira, dava um trote na pessoa que estava atendendo, e isso acabava ali. Agora, isso se espalha com uma facilidade enorme", diz a médica. "O problema hoje não é o antivacinismo. O antivacinismo é muito pequeno ainda na América Latina e no Brasil. A gente tem, sim, boatos e fake news, mas isso é em todas as áreas."

A disseminação de informações falsas conta, em alguns casos, com a participação de profissionais de saúde. A servidora aposentada Dirce Moraes, de 69 anos, conta que já recebeu um falso alerta de uma amiga dentista durante uma campanha de vacinação contra a gripe. 

“Dizia para tomar cuidado porque a vacina causa efeitos colaterais graves”, disse ela, que não acreditou na informação que recebeu nas redes sociais. “Não dou muita importância a esse tipo de coisa. Prefiro constatar a informação.”

Verdades sobre vacinas

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Fernando Frazão/Agência Brasil

Capacitação profissional

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A convicção dos profissionais de saúde e a segurança na hora de responder a questionamentos é um dos principais instrumentos no combate a boatos e notícias falsas. Ao mesmo tempo, pesquisas como a Wellcome Global Monitor apontam que, quanto mais a população de um país confia nos profissionais de saúde, melhor é a percepção que ela tem em relação à segurança das vacinas. Realizada em 140 países em 2018, a pesquisa mostrou que 79% das pessoas concordam que as vacinas são seguras e 84% acreditam que elas são eficazes. 

Técnica de enfermagem na sala de vacina no Centro Especial de Vacinação Dr. Álvaro Aguiar, no centro do Rio de Janeiro, Thais Marques está acostumada a ouvir dúvidas, receios e boatos que os usuários do serviço levam até a hora de se vacinar. 

“Primeiramente, perguntam se a vacina é dolorida, se tem alguma reação adversa e se podem escolher de que lado tomar. Quando vai chegando a quinta e a sexta-feira, muita gente também pergunta se pode ingerir uma cervejinha”, conta ela, que costuma ver nos celulares dos usuários notícias falsas com orientações erradas sobre campanhas de vacinação. “Eles mostram no celular, e a gente orienta.” 

Cada vez mais extensos e complexos, os calendários de vacinação requerem capacitação e atualização dos profissionais de saúde, que podem contribuir para melhores coberturas vacinais se acrescentarem às suas consultas de rotina o hábito de conferir como anda a vacinação de seus pacientes, o que inclui adultos e adolescentes. Para a coordenadora-geral do PNI, Francieli Fantinato, quem trabalha nas unidades básicas de saúde também precisa ficar atento para não perder oportunidades de vacinar.

"É de extrema importância que os profissionais tenham consciência que, em qualquer momento que o adolescente ou adulto estejam na unidade de saúde, também seja avaliada a carteira de vacinação para que não seja perdida a oportunidade de vacinar", orienta Francieli Fantinato. 

Um entrave para a capacitação dos profissionais que atuam na vacinação é a rotatividade das equipes presentes em muitas unidades básicas de saúde. Assim como a convicção para desmentir boatos, é importante que profissionais experientes tenham segurança para lidar com situações como a vacinação simultânea ou dúvidas em relação a possíveis contraindicações. A infectologista Tânia Petraglia chama a atenção para o conhecimento que se perde quando postos de vacinação deixam de ter profissionais de carreira e passam a ter constantes trocas de equipes temporárias.

"O conhecimento sobre vacina está cada vez mais amplo, e a complexidade também. Você não consegue formar as pessoas adequadamente. A reserva de conhecimento é perdida [com a rotatividade]. Ao final, você tem pessoas minimamente formadas para dar conta de situações pontuais, mas não tem aquele profissional de referência com um acúmulo de conhecimento, que é uma pessoa mais indicada para intervir em situações de postergar vacinação e de contestar falsas contraindicações. Isso requer um conhecimento mais profundo", avalia.

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Thais Marques é técnica de enfermagem no Centro Especial de Vacinação Dr. Álvaro Aguiar, no centro do Rio - Fernando Frazão/Agência Brasil

Uma recomendação da Sociedade Brasileira de Imunizações é que as faculdades que formam profissionais de saúde dediquem mais tempo a ensinar sobre as vacinas, assunto que também poderia ter mais destaque na pauta de discussões de outras sociedades de medicina especializada. 

Clareza nas informações

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A crescente complexidade dos calendários vacinais também desafia os profissionais de saúde a falarem a língua do usuário do SUS, esclarecendo dúvidas com simplicidade e clareza. Em meio às discussões da Jornada Nacional de Imunizações sobre como reforçar a percepção positiva das vacinas na sociedade, uma iniciativa foi elogiada e chamou a atenção dos especialistas.

Com pouco mais de dois minutos, um vídeo produzido com desenhos feitos à mão e narrado com voz infantil foi apresentado no evento e aplaudido por apresentar de forma clara a importância e o funcionamento das vacinas. As seis autoras têm entre 11 e 12 anos e são alunas do Colégio 7 de Setembro, de Fortaleza.

A ideia de abordar o tema em uma mostra multidisciplinar organizada na escola partiu da mãe de uma das estudantes, Maria de Fátima Galvão, de 40 anos, que é enfermeira e tem mais de dez anos de experiência como responsável técnica da sala de vacina. “Onde eu vou, falo de vacinação”, conta ela, que sugeriu que as estudantes adotassem o tema e ajudou na elaboração do roteiro.

Com o texto pronto, as estudantes pensaram juntas em quais seriam as imagens que ilustrariam a mensagem, e desenharam e pintaram à mão as folhas de papel. Em seguida, o desafio foi acertar a leitura e o ritmo em que as ilustrações são mostradas: foram necessárias dezenas de tentativas para que a versão final, sem cortes, pudesse ficar perfeita. O vídeo ajudou uma das estudantes do grupo a superar o medo de vacinas e também recebeu elogios de colegas da escola e professores ao ser apresentado no evento multidisciplinar.

Filha de Maria de Fátima, Ana Lara Galvão é a dona da voz que narra o vídeo. Ela conta que o grupo ficou emocionado ao saber que o trabalho foi elogiado por especialistas em vacinação. “Minha mãe gravou um vídeo para mostrar a hora exata que foi apresentado [na Jornada Nacional de Imunizações]. A gente ficou muito emocionada, muito feliz e orgulhosa também. A gente se dedicou muito.”

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A advogada Cristiane Santos foi a uma unidade de saúde no Rio e atualizou as vacinas - Fernando Frazão/Agência Brasil

Desafios para avançar

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Se as vacinas já erradicaram doenças e reduziram a mortalidade ao redor do mundo, há uma série de outras enfermidades que afetam milhões de pessoas todos os anos e estão na mira de pesquisadores e laboratórios farmacêuticos. Apesar disso, desafios de diferentes naturezas como a diversidade genética dos antígenos, o financiamento às pesquisas e a busca por vacinas mais adequadas a campanhas de massa ainda se impõem.

Exemplo conhecido dos brasileiros, a dengue é uma das doenças que mobilizou pesquisas ao longo dos últimos anos, incluindo a que possibilitou o desenvolvimento da vacina que hoje pode ser aplicada em clínicas privadas no Brasil. Uma série de restrições, entretanto, ainda impede que a imunização contra a doença tenha um alcance mais amplo.

A vacina contra a dengue já disponível no mercado privado só pode ser utilizada em pessoas de 9 a 45 anos que já tiveram algum dos quatro tipos de dengue, o que precisa ser comprovado com um exame sorológico. “Fica difícil fazer uma vacinação em massa se tem que fazer um teste prévio”, pondera o pesquisador da Universidade Federal do Ceará Luís Carlos Rey, que participou de estudos do laboratório Sanofi Pasteur que resultaram na vacina, considerada pioneira na prevenção de casos graves da doença. 

Outra possibilidade de imunização contra a dengue está em estudo no Instituto Butantan, em parceria com o National Institutes of Health (NIH) e com o American Type Culture Collection (ATCC), ambos dos Estados Unidos. A pesquisa, porém, ainda não está concluída e aguarda a conclusão de um ensaio clínico com 17 mil voluntários para pleitear registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Encontrar uma forma de prevenir a dengue com campanhas massivas de vacinação seria uma solução para dezenas de países. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 40% de toda a população mundial corre risco de contrair o vírus, que infecta 390 milhões de pessoas por ano.

A imunização contra o vírus Influenza é outra que desafia os pesquisadores. Duas vezes por ano, a OMS precisa recomendar qual cepa do vírus precisará ser prevenida antes do inverno em cada hemisfério, já que o vírus tem grande diversidade genética. 

Por esse motivo, a vacina contra a gripe precisa ser produzida em grande quantidade e velocidade, e reaplicada recorrentemente. A presidente da Sociedade Argentina de Vacinologia e Epidemiologia, Carla Vizzotti, lembra que, além disso, não é possível erradicar a gripe, porque o vírus consegue circular mesmo que não consiga infectar humanos.

“O que podemos fazer em nossos países é diminuir a mortalidade por essa doença e trabalhar para ter uma vacina universal que dure mais de um ano e que utilize alguma proteína do vírus que seja mais estável”, afirma ela, lembrando ainda que a vacina reduz as complicações da gripe mesmo quando não consegue impedir a infecção. 

Relativamente nova entre os brasileiros, a febre chikungunya é outra doença que pode se tornar prevenível por vacina nos próximos anos. Pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, já realizam testes em humanos em busca de uma vacina contra a doença, que causa fortes dores nas articulações e pode evoluir para um quadro crônico e altamente incapacitante. O infectologista mexicano Arturo Reyes-Sandoval participa da pesquisa e informou em maio, em um simpósio realizado pela Fundação Oswaldo Cruz, que os testes realizados atualmente buscam uma dosagem eficiente para a imunização, que já demonstrou não apresentar efeitos adversos.

O pesquisador explica que, diferentemente de outros vírus, o que causa a chikungunya tem menor capacidade de mutação, o que facilita a pesquisa. Na visão dele, o fato da doença ter permanecido em áreas pobres fez com que o maior entrave ao desenvolvimento de uma vacina fosse a falta de financiamento. "Historicamente, a grande dificuldade foi a falta de interesse. Agora, a chikungunya está em muitas partes do mundo e está chegando à Europa. Isso favorece o financiamento."