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Quebra de sigilo de aúdios envolvendo Lula é questionada por juristas: entenda

Criado em 21/03/16 18h08 e atualizado em 22/03/16 08h52
Por Ana Elisa Santana, Líria Jade e Noelle Oliveira Fonte:Portal EBC

A divulgação de interceptações telefônicas envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pessoas ligadas a ele, como a presidenta Dilma Rousseff, divide advogados, ministros e juristas em geral desde a última quarta-feira (16), quando o juiz federal  Sérgio Moro - responsável em primeira instância pelo processo que envolve a operação Lava Jato -, quebrou o sigilo das gravações feitas com autorização judicial, tornando-as públicas.  

Ouça os áudios de Lula divulgados pelo juiz Sérgio Moro

Entre os principais pontos questionados, estão fatos como o de a presidenta Dilma Rousseff possuir foro privilegiado, o que segundo algumas opiniões faria com que Moro tivesse de encaminhar os áudios gravados ao Supremo Tribunal Federal (STF). Outro ponto controverso diz respeito ao conteúdo de alguns áudios e às justificativas para torná-los públicos, como é o caso de diálogos de Lula com seus advogados. 

Diante da polêmica, diversas entidades se posicionaram a favor ou contra a liberação das gravações. É o caso da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que concorda com a atitude de Moro, e da Defensoria Pública da União (DPU), que pondera que a prática pode "pôr em risco garantias individuais". Confira quais são as principais polêmicas:

Os grampos e a quebra do sigilo

A Constituição brasileira determina que o sigilo de correspondência e de comunicações telefônicas de um cidadão é inviolável, mas abre exceção para casos em que haja ordem judicial para fins de investigações criminais. A lei que trata de interceptações telefonônicas é de 1996 e determina quais são as regras para os casos de gravação eletrônica, ou grampos eletrônicos, em caso de investigação. Segundo essa mesma lei, o grampo telefônico só pode ser realizado quando houver indícios "razoáveis" da autoria ou participação em crime e não houver outros meios para que a prova seja obtida".

O juiz federal Antônio César Bochenek, que é presidente da Ajufe, defende que a interceptação telefônica, no caso das investigações do ex-presidente Lula, é legal. "Foi decidida por um juiz competente das investigações, havia indícios de autoria e materialidade de infrações penais, não há nenhuma irregularidade no curso do processo. Moro estava investigando Lula, que até aquele momento não tinha foro privilegiado. O sigilo é a exceção, a regra é a publicidade. O juiz levanta o sigilo quando não mais interessar ao processo", pontua. "Ainda que seja polêmico o tema, não há nenhuma ilegalidade do ponto de vista jurídico dentro do processo praticado pelos promotores e pelo juiz Sérgio Moro", resume.

Já o defensor público Eduardo Queiroz avalia que "ao que parece, a divulgação dos áudios foi precipitada". Segundo o defensor, dentro da prática do processo penal, “a divulgação de conversas telefônicas é explicitamente relacionada a acusações formais deduzidas pelo Ministério Público em denúncias. Essa divulgação, sem maiores critérios, fragiliza e expõe ao julgamento público a intimidade do indiciado -- já que sequer há uma acusação específica relacionada a essas gravações --, e essa exposição não é a razão de ser do Direito". 

O defensor complementa ainda que "a publicidade do processo penal tem de estar ligada à fiscalização dos próprios agentes que executam as investigações, para saber se eles estão lidando dentro dos limites dos direitos, se estão realmente apurando o crime. Não à publicidade para expor desnecessariamente ou antecipadamente o acusado", avalia.

Para Queiroz, "o processo penal não pode correr expondo desnecessariamente o acusado, sem que seja relacionado explicitamente a uma acusação formal ou a uma condenação transitada em julgado". "O acusado, qualquer que seja ele, está albergado pela proteção de sua imagem no curso do processo penal, prevista na Constituição. É por isso que a DPU, como órgão criado para exercer essa defesa para as pessoas que não têm condição de fazê-lo, se vê obrigada a destacar a importância da proteção dessas garantias que estão em uma situação de fragilidade por conta dessas posturas". 

Foro privilegiado

A legislação brasileira também prevê que interceptações telefônicas de pessoas com foro privilegiado por prerrogativa de função (entre elas Presidente da República, ministros, deputados e senadores federais) devem ser autorizadas primeiramente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque o STF é o juízo competente para julgar ocupantes de cargos públicos com foro privilegiado. Porém, alguns juristas contestam que tal regra se aplique no caso de conversas de Lula com Dilma, já que a presidenta não era o alvo da escuta. Advogados também divergem sobre o fato de se caberia ou não ao Supremo autorizar a divulgação dos aúdios que gravam a presidenta.

O representante da Ajufe, Antônio César Bochenek, avalia que não há questionamentos a respeito do foro privilegiado nesse caso, já que o foco das interceptações era o ex-presidente Lula. "A investigação é sobre determinado alvo, Lula, que não tinha foro privilegiado. Todas as ligações que ocorrem para ele de outras pessoas, ou se ele liga para outras pessoas, estão dentro das investigações para averiguar se há ou não o cometimento de uma infração penal", pontua.

O juiz federal explica que, se acordo com a lei, gravar outras pessoas com foro privilegiado [em interceptações telefônicas a determinados alvos] é um caso fortuito. "A jurisprudência dos tribunais já diz isso. É um caso fortuito, não foi inquerido, não foi determinado, nem mesmo interceptados os telefones da Presidência. Não há nenhuma irregularidade nesse ponto. Claro que, se houvesse a comprovação de algum crime, o juiz deveria remeter os autos para o Supremo, mas ali não havia nada de crime praticado por ministros, presidente ou prefeitos envolvidos nos áudios", pondera.

Já o defensor público da União, Eduardo Queiroz, considera que os diálogos entre o Lula e a presidenta Dilma, "à primeira vista, não indicam uma relação clara com as apurações que estavam sendo feitas até o momento pela Justiça Federal". Para o defensor, "além de serem aparentemente impertinentes à acusação que move a própria Justiça Federal e o Ministério Público, [as gravações] expõem "a maior figura política do país, que é a presidente, à uma devassa da sua intimidade o que causa uma instabilidade institucional que é vista com preocupação".

Queiroz acrescenta que "há um princípio de processo penal que diz que toda prova colhida fora das regras legais estabelecidas está sujeita à anulação, bem como todas que surgirem a partir dela". Ele esclarece que, "se for reconhecida a ilegalidade dessas gravações, isso pode anulá-las e tudo que surgir a partir disso não deve prevalecer".

Segurança nacional

Na sexta-feira (18), em discurso em Feira de Santana (BA), a presidenta Dilma considerou a divulgação das gravações em que aparece como um "fato grave e ilícito, um crime". "Eu não sou passível de grampo a não ser que o STF autorize, porque fere frontalmente a Lei de Segurança Nacional", disse a presidenta. "Em muitos lugares do mundo, quem grampear um presidente vai preso se não tiver autorização judicial da Suprema Corte", complementou.

A lei que trata do tema de segurança nacional é a de número  7.170, de 1983. Segundo avalia o jurista e professor Luiz Flávio Gomes, trata-se de uma "lei com expressões e termos extremamente vagos, tal como a nova lei antiterrorismo" e, portanto, "todo tipo de interpretação é possível".  O jurista lembra que a lei, que já tem 33 anos, é da época da ditadura militar e "se o governo quiser enquadrar o Moro na lei, ou qualquer um que critique duramente os presidentes, não é difícil", pondera. "Trata-se de um entulho da ditadura e isso e isso também deve ser questionado", considerou.

Para Gomes, o juiz Sérgio Moro não errou ao grampear Lula e com isso gravar aúdios de Dilma. " A interceptação está perfeitamente dentro da lei, o erro ocorre quando Moro divulga aúdios em que Dilma aparece. Ele não poderia ter feito isso, esses aúdios tinham de ser encaminhados ao STF, de forma sigilosa", pontua.

A lei de segurança nacional prevê que os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão, entre outros, "a pessoa dos chefes dos Poderes da União". Entre eles está o de "caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação". A pena prevista, nesses casos, é de reclusão, de 1 a 4 anos.

Ainda de acordo com Gomes, a competência para investigar crime contra a segurança nacional é da Polícia Federal e a competência para julgar é da Justiça Militar.

 

O conteúdo das gravações 

Para o defensor público, Eduardo Queiroz, um dos pontos mais questionáveis da divulgação dos áudios está nas gravações entre o presidente Lula e seus defensores. "A relação de advogado com cliente é estritamente sigilosa. Um avanço na exposição da relação do acusado com seus advogados, legalmente constituídos, dentro de um contexto de exercício de defesa ou de planejamento de defesa, é perigoso e estabelece um precedente que pode expor ainda mais os futuros acusados a acusações vexatórias", avalia, em nome da DPU. 

O direito vigente garante que não pode ser quebrado o sigilo telefônico de advogado, enquanto defensor. A previsão aparece no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) no artigo 7º. Segundo a norma, é um direito do advogado “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.

Para o jurista Luiz Flávio Gomes, no entanto, Moro agiu corretamente ao manter nos autos os diálogos interceptados de Roberto Teixeira, defensor de Lula desde os anos 1980, pois, "apesar de ser advogado", Teixeira foi grampeado "como suspeito". A justificativa apresentada por Moro segue nesse mesmo sentido, já que o juiz afirmou que não identificou "com clareza relação cliente/advogado a ser preservada entre o ex-presidente e referida pessoa" e que Teixeira "não consta no processo da busca e apreensão entre os defensores cadastrados no processo do ex-presidente", pontua Moro.

Moro também justificou que “há indícios do envolvimento direto” de Teixeira na aquisição do sítio em Atibaia (SP), que é alvo de investigações, “com aparente utilização de pessoas interpostas”. Sérgio Moro se justifica: “Se o próprio advogado se envolve em práticas ilícitas, o que é objeto da investigação, não há imunidade à investigação ou à interceptação”.

Posicionando-se sobre os áudios divulgados de forma geral, no que diz respeito aos conteúdos, o juiz federal Antônio César Bochenek destaca que se houver "alguma prova no processo que seja relacionada à intimidade, cabe às partes recorrerem ao Supremo Tribunal Federal ou as instâncias recursais para que sejam invalidadas e retiradas". "O artigo nono da lei das interceptações refere que se houver qualquer prova que as partes entendam que podem ser retiradas devem solicitar ao juiz, que vai avaliar se é o caso de serem excluídas ou não". 

Creative Commons - CC BY 3.0

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