Seminário ressalta importância da comunicação pública para a democracia

Publicado em 16/06/2016 - 18:44 e atualizado em 17/06/2016 - 17:03

Por Priscila Crispi Editor Juliana Nunes

“Nossa reflexão [sobre a comunicação pública] pode e deve fazer uso, parafraseando as declarações do ministro Geddel, de todas as nossas forças, não só com os braços, mas também com os cérebros e os corações, com razão, com paixão e com afeto”, afirmou Fernando Paulino, diretor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), durante o seminário "O futuro da comunicação pública".

O evento foi realizado pela UnB e pela Universidade do Minho, de Portugal, com o apoio do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) ontem, 15/06, na sede da empresa, em Brasília. Além de apresentar os resultados das pesquisas relacionadas a um projeto de cooperação (saiba mais aqui), o seminário pretendia estimular o debate sobre perspectivas futuras para o serviço público de comunicação nos dois países.

Participaram da discussão pesquisadores e acadêmicos das duas instituições, alunos, artistas, representantes de entidades da sociedade, trabalhadores da EBC, a ouvidora da empresa, Joseti Marques, a presidenta do Conselho Curador, Rita Freire, e o diretor-presidente da casa, Ricardo Melo.

“Esse evento marca uma iniciativa que vamos precisar repetir e ampliar com outras parcerias porque, como todas e todos sabem, a EBC está passando por um momento de grande tensionamento e disputa, especialmente em relação ao seu conceito, o conceito do que é comunicação pública”, pontuou Rita Freire.

Os participantes destacaram a importância da comunicação pública para países democráticos. “Pela experiência de Portugal, se é verdade que a comunicação privada trouxe um sentimento de libertação da propaganda governamental, também mostrou que ela, por si só, veicula uma ideologia hegemônica. Ou seja: nem tanto ao mar, nem tanto a terra – é bom que haja diferentes sistemas de informação em uma democracia”, argumentou Carlos Fino, jornalista português convidado para o debate.

O pesquisador Luís Santos (Uminho) explicou que, no ano de 2011, a empresa pública de radiodifusão do país, a Rádio e Televisão de Portugal (RTP), passou por ataques parecidos ao que a EBC tem enfrentado atualmente, com ameaças à sua extinção. Na época, diversos setores da sociedade se manifestaram em defesa da RTP e o ministro que estava conduzindo as mudanças acabou por ser afastado.

A empresa avançou na inclusão da sociedade civil, com a criação de um Conselho Geral Independente – que tem o poder de eleger sua equipe de gestão – de um plano de prevenção de riscos de corrupção e de uma ouvidoria, entre outras medidas. “Individualmente, nenhuma dessas medidas faz diferença, mas juntas, trouxeram um afastamento do poder político do dia a dia da empresa. Ainda hoje, todos os dias aparece gente no jornal dizendo que é pra acabar com o serviço público de comunicação. Não é algo resolvido, nunca estará, a ideia de segurança nesse campo não existe – a batalha é permanente, estamos sempre lutando para consertar as coisas e fazer avançar o serviço”, disse o professor.

David Amorim, pesquisador da UnB, defendeu que os ataques à comunicação pública representam um cerco duplo: do governo e da mídia privada. “O governo sempre quer controlar a comunicação no espaço público, é próprio dos governos isso. Mas também temos uma hostilidade por parte do sistema de mídia privada, que funciona sob a forma de desinformação permanente e sob a forma de pressão política, que parte de empresas que não querem competição em seu monopólio”, afirmou.

Santos lembrou que o corte no orçamento é usado, muitas vezes, como estratégia de governos para esvaziamento do serviço público de comunicação, o que, recentemente, vem acontecendo com a aclamada empresa britânica, BBC.

Sobre o financiamento da comunicação pública, Luís Martins, professor da UnB, comentou declarações de ministros de Michel Temer que defendem a extinção da EBC em razão de corte de gastos. “Se compararmos o que o Estado brasileiro tem investido em emissoras comerciais, a EBC é mesmo tão cara? O governo é muito pródigo em ser anunciante. Se alguma economia tem que ser feita, deve ser no repasse para emissoras comerciais”, defendeu.

Ricardo Melo, presidente da EBC, afirmou que o contingenciamento dos recursos da empesa é um dos maiores desafios para efetivação do projeto de comunicação pública. “Não existe comunicação diversa, plural, crítica e isenta sem autonomia financeira, senão ficará sempre refém do governo de plantão”. falou. Em sua visão, a autonomia financeira da EBC significa a sociedade bancando a empresa.

O diretor disse, ainda, que a comunicação pública no Brasil não pode ser entendida só por ouvir todos os lados, mas dar voz a quem não tem voz em um sistema de comunicação que, segundo ele, é baseado no quase monopólio de opinião: “não esperem que na minha gestão a EBC terá uma falsa isenção, mas daremos espaço pra quem não aparece nas emissoras comerciais. Queremos ocupar esse espaço da comunicação pública com o apoio da sociedade. Não adianta a gente fazer a programação que acha melhor, precisamos que a sociedade faça defesa desse projeto porque quem vai decidir o futuro da EBC é ela e não a gente aqui dentro”.

Qualidade da programação

Durante o seminário, os palestrantes apresentaram também conclusões e análises de andamento de pesquisas sobre os conteúdos dos veículos da EBC e sua estrutura. Entre os tópicos estavam programação infantil, literacia midiática, jornalismo e programação cultural das rádios Nacional e MEC, coprodução audiovisual e o papel das ouvidorias em veículos de comunicação.

Sara Pereira, pesquisadora da linha de infância e produção de TV para crianças da Universidade do Minho, afirmou que a TV pública responde muito mais a critérios de qualidade, no que se refere a especificidades da infância, do que emissoras privadas. “Por sua diversidade de temas, de gênero, de idades, pela sua dimensão formativa e educativa e pela oferta de conteúdo fora do mercado comercial, a TV pública tem papel importante na formação da cidadania dessa geração de crianças”, disse. Clarisse Pessoa, também da Uminho, complementou que, a formação da criticidade e empoderamento dos cidadãos é um papel importante que o serviço público de mídia deve prestar, e isso para públicos de todas as idades.

Flávia Rocha, pesquisadora da UnB, ressaltou a relevância da comunicação pública na exibição da produção audiovisual brasileira e no incentivo à coprodução com outros países e entre regiões, o que estimula a pluralidade cultural, a troca de experiências e a diversidade de temas. “Muitos filmes são feitos com o dinheiro de fomento do governo, mas não encontram espaço de exibição. Com relação a TV pública, esse é um importante papel que ela precisa desempenhar”, pontuou.

O rádio

“Trago um conteúdo de música que certamente não está na rádio, um repertório do Brasil genuíno, o Brasil profundo, que são as músicas das comunidades quilombolas, dos terreiros de candomblé, dos trios de forró, das duplas caipiras... Coisa que muita gente se identifica, mas que acabou se perdendo em tempos de comunicação rápida e acelerada”, contou Cacai Nunes, músico e apresentador do programa Acervo Origens, que vai ao ar pela Nacional FM de Brasília e é retransmitido pela rádio Antena 2, da RTP.

Para Cacai, a comunicação pública tem a oportunidade de fazer um diálogo sem aspas com o povo, trazendo sua experiência para a programação. “Fico muito feliz por ter conquistado esse espaço aqui na EBC, mesmo sem uma formação acadêmica, formal. Precisamos preservar isso”, disse.

Na visão de Taís Ladeira, radialista e ex-gerente das rádios EBC, é preciso fortalecer ainda mais ações que abram as grades da empresa para a sociedade. “Por mais que a EBC tenha tornado mais sofisticado o processo de seleção de projetos, precisamos encher esse auditório de pessoas que querem fazer rádio de uma maneira desburocratizada e simples”, sugeriu.

Liziane Guazina, professora da UnB que participou da condução de uma pesquisa sobre a produção jornalística e musical das rádios da EBC em Brasília, acredita que também é preciso que as emissoras avancem seu jornalismo para formatos mais contextualizados e apurados, o que resultaria no aprofundamento da experiência da comunicação pública. “De todos os conteúdos analisados, 45% teve tratamento informativo, centrado em dados. O conjunto dessa produção jornalística nos levou a identificá-la como um jornalismo objetivo. Estimulamos que a EBC ofereça um tratamento da informação diferenciado do que é padrão do jornalismo geral”, ponderou.

A pesquisa apontou, porém, como ponto positivo da produção a diversidade de temas abordados. “Não houve em nossa análise nenhuma identificação de uso de interesse partidário. A existência da comunicação pública é um indicador da qualidade da democracia, pois permite diversidade e pluralidade de conteúdos”, afirmou Liziane.

Relação com a sociedade

Madalena Oliveira, professora da Uminho, ressaltou a implementação de ouvidorias como ferramenta para garantir o controle social das instâncias públicas. “Os ouvidores, provedores do ouvinte em Portugal, são uma ferramenta para desagravar o vínculo do serviço público com o governo, estimulam o desenvolvimento da qualidade e contribuem para o combate a uma cultura corporativista. O sistema não é perfeito ou suficiente (...) precisamos estimular um papel mais propositivo do ouvidor”, disse.

Vários participantes do Seminário propuseram uma maior divulgação da empresa e de seus veículos para que a sociedade brasileira conheça a qualidade do conteúdo produzido e a importância da comunicação pública para a democracia. Entre os setores destacados, o público sugeriu o estabelecimento de projetos e parcerias com universidades e escolas.

Fernando Paulino informou que os debates realizados seriam sistematizados em um documento do seminário e divulgados posteriormente.

Acesse aqui o vídeo com a gravação na íntegra do seminário.
Confira aqui a galeria de fotos do seminário.

Faça o download das apresentações dos palestrantes:

 

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