A vida dos indígenas nas cidades

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Pobreza e preconceito marcam condição de vida

 

Índio
Marcelo Camargo/ Agência Brasil

 

Há muito tempo, a floresta amazônica deixou de ser o lar de milhares de indígenas. A escassez de alimentos, o desmatamento e o avanço das cidades sobre as matas são alguns fatores que motivaram povos tradicionais a migrar para áreas urbanas. Em Manaus, no Amazonas, eles podem ser encontrados em todas as regiões da cidade. A Fundação Estadual do Índio estima que de 15 a 20 mil indígenas de diversas etnias vivam em áreas urbanas amazonenses, como os sateré-mawé, apurinã, kokama, miraña, dessana, tukano e piratapuia.

“Acredito que 90% dos bairros de Manaus tenham indígenas morando”, informou o presidente da Fundação Estadual do Índio, Raimundo Atroari.

Apesar de buscar melhores condições de vida na cidade, a maioria dos indígenas vive em situação de pobreza, tem dificuldade de conseguir emprego e a principal renda vem do artesanato. Conheça detalhes dessa realidade.

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Índios catadores contam a angústia de viver no lixão

Lixão em Roraima
Lixão em Roraima, por Maira Heinen/Radiojornalismo

“Vendo lixo e não tenho vergonha de falar, na minha caminhada foi fome, violência, pobreza e roubar. Nasci pra sofrer, pode crer, pra cair, levantar, errar e aprender. A caminhada é dura, tudo é fase. Zona oeste é meu lugar, nesse canto da cidade. Eu sou a voz ativa da perifa, a voz dos oprimidos, a voz dos loucos, das minas e dos bandidos, dos esquecidos pela sociedade, dos humildes que não têm vez aqui nessa cidade.”

A melodia e a letra notadamente urbanas do rap servem de canal para expressar as angústias do catador de material reciclável e indígena wapixana Charlesson da Silva, de 18 anos. Ele não tem vergonha de trabalhar como catador em Boa Vista, capital de Roraima, mas o que quer para o futuro está fora dos lixões.

“Melhorar de vida, melhorar a vida da família também. Voltei a estudar, né? E quero me formar em direito. Tem o rap, mas também quero ter um trabalho assim, bacana”, conta.

O rapper é o orgulho da mãe, Mara Wapixana. Ela também coleta material no lixão, mas não vai ao local com frequência. “Não desejo isso aqui pra ninguém, mas para não tá pedindo nem tá roubando por aí, a gente fica por aqui mesmo.”

A montanha de lixo à beira da BR-174, os urubus e o forte cheiro do chorume fazem parte do ambiente de trabalho desses indígenas. O lixão acaba sendo a última possibilidade na busca pela sobrevivência, como conta o presidente da Organização dos Indígenas da Cidade, em Boa Vista, Eliandro Pedro de Sousa. “Para quem não aguenta mais estar naquela situação de trabalho de exploração da mão de obra, muitos não veem outra saída para sair daquela situação, senão fazer a coleta seletiva no lixo. O fundo do poço da questão indígena urbana é a presença no lixão.” Saiba mais sobre a rotina desses indígenas na Agência Brasil.

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Na universidade

Em outro cenário, bem mais raro, é possível encontrar indígenas em universidades. Na Maloca Grande - apelido dado pelos índios à cidade de Boa Vista -, integrantes de diversas etnias frequentam cursos regulares e de formação em nível de graduação: a Licenciatura Intercultural, o Bacharelado em Gestão Territorial Indígena, e o curso de Gestão em Saúde Coletiva Indígena. A universidade é o principal motivo da presença de muitos indígenas na cidade. Alguns se mudam para estudar e depois voltam para as aldeias. Porém, no ambiente urbano, não deixam de sentir o peso do preconceito e dos muros.

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Línguas indígenas devem ter espaço em todos os níveis de ensino, diz professora

Diante do distanciamento cada vez maior do ambiente natural indígena, a necessidade do ensino das línguas desses povos em todos os níveis da formação educacional é um dos alertas feitos pela linguista Bruna Franchetto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para a autora do artigo Línguas Silenciadas, Novas Línguas, publicado no livro Povos Indígenas no Brasil 2011-2016, devem existir, no Brasil, em graus variados de vitalidade, em torno de 160 línguas indígenas, distribuídas em 40 famílias, duas macrofamílias (troncos) e uma dezena de línguas isoladas. “As línguas indígenas, todas ameaçadas, enfraquecidas, devem ter seu lugar, sua voz, em todos os níveis de ensino”, defende.

Os dados sobre o número de línguas indígenas existentes hoje no Brasil não são exatos. Linguistas ligados ao Museu Goeldi apontam a existência de 150. Uma pesquisa elaborada pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), divulgada em março do ano passado, aponta que restam hoje 181 línguas, das quais 115 faladas por menos de mil pessoas. Esse número também é o considerado pelo Laboratório de Línguas Indígenas da Universidade de Brasília (UnB), com base nas projeções do linguista Aryon Dall’lagna Rodrigues (1925-2014). Confira a matéria completa na Agência Brasil.

Mudanças climáticas comprometem modo de vida de povos indígenas

Os pássaros não sobrevoam mais a floresta, os peixes já não sobem porque o rio não enche, o fogo se alastra muito rápido pela mata, a mandioca morre por falta de chuva, as árvores que dão material para a construção de casas e para o artesanato não têm força para crescer. Hoje (19), data em que é lembrado o Dia do Índio, um dos desafios das populações indígenas é o enfrentamento desses problemas, consequências das mudanças climáticas.

Apesar de parecerem de simples solução para quem vive na cidade, para os povos das florestas, cada uma dessas mudanças é extremamente simbólica, como explicou o especialista do Instituto Socioambiental (ISA), Paulo Junqueira. Segundo ele, além de depender diretamente de um funcionamento equilibrado do meio ambiente, os índios têm nos sinais da natureza indicadores para diversos acontecimentos.

 

“Uma determinada formação de nuvens com trovoadas é sinal de chuva, e um deles me relatou que hoje tem a trovoada, tem a nuvem, mas não chove, ou o contrário, a chuva vem antes dos indicadores que eles conheciam. Há vários desses indicadores que estão deixando de funcionar. É como se, de repente, todos os nossos relógios ficassem malucos e a gente se perdesse no tempo”, explicou. Saiba mais .

Povos Indígenas: conheça os direitos previstos na Constituição

A Constituição de 1988 pode ser considerada uma marco na conquista e garantia de direitos pelos indígenas no Brasil. A afirmação é do professor de direito Gustavo Proença, pesquisador da área de direitos humanos. Para ele, a Carta Magna modificou um paradigma e estabeleceu novos marcos para as relações entre o Estado, a sociedade brasileira e os povos indígenas.

Enquanto o Estatuto do Índio (Lei 6.001), promulgado em 1973, previa prioritariamente que as populações deveriam ser "integradas" ao restante da sociedade, a Constituição passou a garantir o respeito e a proteção à cultura das populações originárias. “O constituinte de 1988 entende que a população indígena deve ser protegida e ter reconhecidos sua cultura, seu modo de vida, de produção, de reprodução da vida social e sua maneira de ver o mundo”, destaca Proença. Leia aqui o texto completo.

 

Veja alguns dos direitos dos povos indígenas divididos por setor:

Direito à Educação

Os povos indígenas têm direito a uma educação escolar diferenciada e intercultural (Decreto 6.861), bem como multilíngue e comunitária. Seguindo o que diz a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a coordenação nacional das políticas de Educação Escolar Indígena é de competência do Ministério da Educação (Decreto nº26, de 1991), cabendo aos estados e municípios a execução para a garantia desse direito dos povos indígenas. “Hoje há também o papel preservacionista, a população indígena tem direito a uma escola dentro de sua aldeia, onde são ensinados, além do português, a sua língua originária, a sua forma de reprodução cultural tradicional”, detalha o professor Proença.

Direito à Terra

A Constituição de 1988 estabeleceu que os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são de natureza originária. Os índios têm a posse das terras, que são bens da União. “A necessidade de demarcação da terra indígena é a espinha dorsal de toda a luta ancestral da população indígena no Brasil. Recentemente, tivemos alguns avanços nos direitos na demarcação da terra, o maior exemplo foi a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol”, avalia Proença.

O advogado chama a atenção para ameaças e “possibilidades de retrocesso” nesse quesito. “Qualquer exploração econômica da terra dentro da comunidade indígena deve ficar a cargo exclusivamente da população indígena. Deve ser respeitada a sua autonomia, e os lucros, os ganhos dali provenientes devem ser geridos autonomamente pela população indígena.”

Direitos sociais

Os indígenas são cidadãos plenos e têm direito aos benefícios sociais e previdenciários do Estado brasileiro. Como resultado da Constituição de 1988, e o reconhecimento dos novos direitos indígenas, houve um avanço no reconhecimento dos direitos previdenciários. Segundo o advogado Gustavo Proença, “os índios têm direito a todos os benefícios sociais que qualquer trabalhador tem, a partir da sua economia familiar”.

Direito à Saúde

O Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, criado em 1999 (Lei nº 9.836/99, conhecida como Lei Arouca), é formado pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) que se configuram em uma rede de serviços implantada nas terras indígenas para atender essa população, a partir de critérios geográficos, demográficos e culturais.

Seguindo os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), esse subsistema considerou a participação indígena como uma premissa para aumentar o controle e o planejamento dos serviços, bem como uma forma de reforçar a autodeterminação desses povos.

Confira os principais marcos históricos da legislação indígena:

Linha do tempo dos direitos indígenas

 

 

 

19 de Abril, 2017

Reportagem e edição: Agência Brasil* e Rádio Nacional da Amazônia

*Colaboração: Líria Jade, Luiz Cláudio Ferreira, Ana Elisa Santana e Adriana Franzin

 

Coordenação e Implementação: Noelle Oliveira

Gerência de Estratégia de Publicação: Liliane Farias

Vídeos:

Reportagem: Leandro Melito e Cristiane Oliveira

Roteiro: Fabíola Sinimbú

Edição: Gidel Júnior
 
Trecho do documentário Índios Somos Nós (Fonte:TV Brasil)
Vídeo Vozes Indígenas Num Clima Em Mudança - (Fonte: Instituto Sociedade, População e Natureza)