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Imagem: Gustavo Gomes

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Cinema: Walter Carvalho fala da entrega em seu processo criativo

Criado em 17/09/15 15h06 e atualizado em 17/09/15 19h06
Por Cibele Tenório Edição:Ana Elisa Santana

Se você já se sentou em uma cadeira de cinema para assistir aos filmes "Cazuza – O Tempo Não Pára", "Carandiru" e "Amarelo Manga"; ou se encantou com séries que fogem da estética padrão da tevê aberta como "Amores Roubados" e "O Canto da Sereia", então já foi apresentado ao trabalho de Walter Carvalho. Nascido na Paraíba, Carvalho é o principal diretor de fotografia do cinema brasileiro há algumas décadas. Desde 2001, ano em que codirigiu Janela da Alma, ele diz ter "perdido o medo", passando a assumir a direção de seus próprios filmes, como o documentário "Raul - O Início, o Fim e o Meio", que levou mais de 170 mil pessoas ao cinema, um das maiores bilheterias brasileiras do gênero.

É dele a câmera vertiginosa que segue os convidados da festa no remake da novela "O Rebu", exibida pela Rede Globo em 2014. Também tem a assinatura dele uma das mais belas sequências de Central do Brasil, filme fotografado por Walter: Dora (Fernanda Montenegro) procura em desespero o garoto Josué (Vinícius de Oliveira) em uma romaria. Para dar o tom místico da cena, Walter pediu à produção que providenciasse uma vela para cada fiel/figurante; e essa foi a única luz usada na cena.

Walter Carvalho cineasta
Aula de Walter Carvalho durante o 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro  Foto: Gustavo Gomes

Com um currículo extenso que inclui ainda filmes emblemáticos do cinema brasileiro como "Terra estrangeira", "Lavoura Arcaica", "Madame Satã", "Abril despedaçado", "O céu de Suely" e "Budapeste", Walter Carvalho continua produzindo. Na abertura da 48ª edição do Festival Brasília do Cinema Brasileiro, realizada no utlimo dia 15, o cineasta apresentou "Um Filme de Cinema", seu novo documentário que traz entrevistas com diretores como Ruy Guerra, José Padilha, Hector Babenco, Gus Van Sant e, segundo Walter, é uma tentativa de "entender o que é fazer cinema". O Portal EBC conversou com o diretor após uma oficina de direção de fotografia conduzida por ele dentro da programação do Festival de Brasília.

Portal EBC: Você já falou que no primeiro encontro com um diretor você fica tentando capturar, na conversa, as palavras ou as imagens que ele fala, porque isso não vai se repetir. Como é construída a parceira entre o diretor de fotografia e o diretor do filme? 

Walter: Quando a gente conversa com o diretor tem sempre aquelas coisas que ele vai falando, que não exatamente sobre imagem. Eu não trouxe aqui o roteiro do "Veneno da Madrugada", por exemplo, mas nele eu fui anotando palavras que tinham a ver, e que me remetiam à noite. Coisas que foram sendo ditas por ele ou no processo de criação de todos nós e aquelas palavras eu vou anotando, porque elas começam a me remeter para outras coisas que eu não tinha percebido e que não necessariamente são palavras que estejam dentro do roteiro.  Então, numa segunda etapa eu leio.

A primeira etapa eu leio o roteiro como uma história. Levo pra casa depois desse papo, e eu não me preocupo com indicações de câmara, se é de dia ou de noite, nada disso. Eu não me preocupo com isso. Eu leio a história. Me interessa saber a história em si. Se eu me apaixono por algum personagem. Enfim, e ai eu tenho uma história na cabeça que eu preciso filmar.

Numa segunda leitura eu já leio vendo tecnicamente aquilo. Tem uma sequencia que diz assim “Entardecer/ varanda da casa de Ana”, eu já sei que é uma varanda e que é o entardecer. Então eu já estou estabelecendo ai a cor, a tarde é diferente do meio-dia, em termos de temperatura e cor, a colorimetria. Então, se eu vou ver as locações com a produção e com os outros departamentos, eu vou tentar achar junto com eles a melhor varanda que no entardecer o sol esteja por ali. Se o sol não está por ali, mas a varanda é boa, vai estar numa varanda onde não tem o sol batendo, eu vou ter que fabricar esse sol com os refletores. Então você começa a descobrir a fotografia mecânica daquele roteiro. E isso você vai aos poucos descobrindo. E a fotografia que não aparece, que não está explicita ali, está na entrelinhas dos personagens, do roteiro em si, das indicações do roteiro. É um processo que quando eu chego no final, quando eu acabo de filmar o filme, eu estou pronto pra fazê-lo, mas aí eu já filmei.

Portal EBC: Outra coisa que você falou aqui foi sobre o medo de assumir a direção. Eu não sei quanto tempo levou e quanto tempo você trabalhou como diretor de fotografia. Não sei se foi o Janela da Alma o seu primeiro filme... 

Walter: Não. Eu tinha feito antes até um filme meu sozinho; um curta e tal. Longa, o Cazuza veio antes do Janela, eu acho. Mas quando eu falo medo, não é o medo de assumir; é o medo de fazer. Não é assumir, porque antes de assumir sozinho a direção ou dividir um longa, eu de certa forma já me desafiava dentro do filme. Me desafiava a contribuir, não como fotografo, mas em um nível da direção, e na medida que eu fui andando por esse caminho e fui sendo receptivo com os colegas. Eu comecei a entender como isso é difícil. Então eu comecei a adquirir, em vez de experiência, o medo. O medo de dirigir e o medo foi sendo de uma forma tão forte comigo que eu acabei sendo desafiado por ele e não pela experiência. 

Portal EBC: A sua entrada no cinema foi pela porta do documentário. Eu não sei se você tem um balanço, porém mais da metade dos seus filmes são..

Walter: Ficção. Hoje em dia, sim. Eu não sei, teve uma época que era meio empate assim. 

Walter Carvalho
Foto: Gustavo Gomes

Portal EBC: Você parece ter uma preferência pelo documentário. Tem a ver com o ofício do fotografo, de ter um olhar pra realidade?

Walter: A preferência não é pelo documentário, minha preferência é pelo próximo que eu vou fazer. Eu não tenho preferência de gênero. A minha preferência é o próximo filme. Não consigo achar que vai ser melhor eu fazer um documentário ou ficção. No momento que eu estou fazendo aquele filme e para mim aquele é o melhor filme que eu estou tendo a chance de me realizar enquanto fotógrafo e diretor. 

Portal EBC:  E sobre as novas plataformas? Hoje em dia todo mundo tem um celular, pode produzir vídeos. O que você acha disso?  Isso muda a relação das pessoas com o audiovisual, com o cinema? 

Walter: Não, eu acho que não vai matar o cinema. O cinema nunca vai acabar.

O mistério da imagem numa sala escura, com uma história numa tela grande que faz com que você se apaixone, se identifique, isso nunca vai acabar. 

Eu acho que muda a estrutura do cinema, a maneira de distribuição, e a maneira de circulação dos filmes. Cada vez mais o cinema feito nas novas tecnologias aproxima o cinema das instalações, aproxima o cinema das artes plásticas, né? Mas é uma mudança muito radical na forma de distribuir, na forma de chegar ao público como produto. O cinema, os diretores, os produtores falam muito mais de produto do que do meu filme. O cara não fala assim “meu produto” ele fala “é meu projeto”. E depois tem toda uma mecânica burocrática em volta de tudo isso que dificulta o que é cinema, o que é fazer um filme. 

Portal EBC: Você fala da burocracia dos editais de audiovisual?

Walver: É. Da burocracia de quem produz o cinema no Brasil. São de leigos em relação ao próprio processo do cinema. O burocrata que tá por trás do balcão examinando o roteiro não sabe como é que faz um roteiro, porque o roteiro não é pra ser lido, o roteiro é pra ser filmado. Então quem lê o roteiro sem saber como é que filma e nada é a mesma coisa. Entende?

A burocracia criada em torno do cinema hoje é um empecilho pra quem quer produzir filme. Tem muita gente que desiste de enfrentar esse processo.

Não se ganha o prêmio de uma determinada instituição: “Ah ganhei um concurso e tenho 300 mil pra fazer meu filme”. O fato de você ganhar não significa que você vai receber no próximo ano. Outro dia um amigo tava me falando que vai receber um dinheiro agora de um projeto que ele ganhou em outubro do ano passado. Então tudo isso é um desânimo. Por isso que eu queria fazer um filme muito pessoal, com dois atores somente, mas se alguém não chegar pra mim e falar “me dá que eu vou correr atrás e vou ser responsável por isso”, eu não vou fazer. 

Portal EBC: Você falou, antes da exibição de “Um filme de cinema” no Festival de Brasília, que você teria feito esse filme pra descobrir mais sobre o que é fazer cinema e sobre você também. 

Walter: Continuo tentando. 

Portal EBC:  Eu queria que você falasse um pouco sobre as suas descobertas durante o filme.

Walter: Pois é, eu descobri que tenho que continuar tentando. Porque a cada descoberta ela ramifica.

Quando eu faço um filme que eu acabo, termino o filme, eu sempre levo comigo mais do que eu deixo no filme. Eu tento inverter essa equação, mas não consigo. Sempre levo mais do filme do que eu deixo de mim.

Então, se eu sinto dessa forma significa que o processo de fazer ele é enriquecido a cada filme. Então, eu tô consciente de que cada vez mais eu preciso fazer mais, para compreender mais. Não sei se eu, fazendo menos, vou compreender mais. Mas pode ser que eu esteja fazendo mais e possa compreender menos. Mas, numa equação ou na outra, eu preciso fazer. Porque é sempre uma novidade, é sempre uma experiência nova. Se nada eu levar do processo daquele trabalho, se nada valeu a pena, levo comigo a experiência humana daquele momento.  

Creative Commons - CC BY 3.0

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