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A queda do ministro da Defesa de Lugo, a tragédia de Curuguaty e o prenúncio do fim

Criado em 21/11/12 11h02 e atualizado em 21/11/12 12h07
Por Natália Viana Fonte:Agência Pública

Fernando Lugo
O ex-presidente do Paraguai, Fernando Lugo (Antonio Cruz/ABr)

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É muito difícil apontar o exato momento em que o frágil equilíbrio de apoios ao governo Lugo ruiu. Mas pergunte a um general reformado, de olhos pequenos e gestos enfáticos, e ele precisará a o mês de fevereiro de 2010 como o começo do fim.

Bareiro Spaini foi o escolhido por Lugo para assumir o ministério da Defesa por contar com elevada reputação não só entre os militares mas também entre civis – foi o primeiro juiz de um tribunal militar, no Paraguai, a condenar à prisão outro general por corrupção. Era ele que aparecia ao lado do presidente em cadeia nacional, junto aos comandantes militares, nas repetidas vezes que os boatos de impeachment ganhavam força.

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O general, como Lugo, vivia às turras com os parlamentares paraguaios, tendo perdido as contas de quantas vezes foi convocado pelo Congresso para prestar esclarecimentos. Quando reconta a história, deixa transparecer ainda uma irritação profunda. “Me interrogaram no Congresso muitas vezes”, diz Spaini. “Me chamaram por causa da vinda de um avião venezuelano ao aeroporto, sem haver passado pelos registros oficiais. Não importa se eu tinha ou não responsabilidade. Uma vez, me pediram explicações sobre uma jovem que foi morta no lado brasileiro e depois levada para o lado paraguaio da fronteira… E me perguntaram por que a bandinha militar de uma cidade onde há um quartel acabou, por que a cidade foi deixada sem sua bandinha!”

A tempestuosa relação com os parlamentares, relata Spaini, teve início em um jantar com os presidentes das comissões de defesa do Senado, o colorado Hugo Estigarribia, e da Câmara, Mario Morel Pintos. “Um deles me perguntou: ‘O que você pensa dos americanos?’ Eu gosto do povo americano, são gente boa, amável. ‘E o que você pensa de nos aliarmos aos americanos?’ Eu penso que não é possível, racionalmente falando, por causa da assimetria pronunciada entre os nossos países. O que interessaria a eles, uma super potência, que tipo de aliança estratégica estariam fazendo com o Paraguai? A não ser que fosse para ter uma base aqui. Por que me perguntam? ‘Porque pensamos que seria interessante convidá-los para que venham instalar suas bases aqui’’.

Spaini – conhecido por não medir as palavras – ficou profundamente ofendido com a sugestão: “Então, disse eu, de que soberania nacional estamos falando se o próprio Estado paraguaio não tem condições de defender o seu povo, o seu próprio território? Em que condições ficaria o glorioso exército paraguaio, como você diz? Não teria sentido a sua existência. É isso que vocês querem?”, vociferou o ministro. A relação azedou ali.

Mas aquilo era mais que um bate-boca acalorado. Era uma disputa que marcaria todo o governo Lugo. Spaini era abertamente favorável à formação da Unasul e de uma aliança militar regional, em detrimento de uma continuada aproximação militar com os EUA e a Colômbia tendo sido responsável por exemplo, pelo fim de um programa de treinamento que permitia a presença de militares americanos no Paraguai. “A melhor maneira de alentar qualquer possibilidade de conflito regional é incrementar a colaboração”, explica.

O mandato do incômodo ministro teve fim dois anos depois, com outro arroubo típico do general. Enquanto políticos oposicionistas – e liberais – continuavam tentando buscar apoio para o impeachment na embaixada americana, Bareiro foi o único ministro a protestar, com estardalhaço.

O estopim viria no dia 19 de fevereiro de 2010. Convidado para um almoço oficial, realizado na embaixada americana, o ministro enviou o seu vice, o general Cecílio Pérez Bordón. Lugo não estava presente. À mesa, a anfitriã Liliana Ayalde reuniu um grupo de generais americanos que visitavam o país, um general das forças armadas paraguaias, o vice-presidente Federico Franco e o senador colorado Hugo Estigarribia. Segundo o relato de Spaini, a embaixadora puxou o assunto. Spaini relata: “Franco, o senador e outro civil reclamaram das atitudes do ministro da Defesa. Depois passou-se ao tema do juízo político ao presidente. E os militares ali, só ouvindo. O vice-ministro então interveio, em guarani, dizendo que seria interessante mudar de assunto, discutir esses temas domésticos em outro lugar, pois era uma embaixada estrangeira…”

Ao sair do almoço, consternado, o general Pérez Bordón disse à embaixadora: “eu nunca passei tão mal em um almoço como neste. Informo que lastimavelmente não voltarei a pisar aqui”.

Pouco depois, Spaini escreveu uma carta expressando sua “inesperada surpresa, próxima ao incrível assombro” e afirmando que o evento poderia colocar em risco as relações entre os governos de Paraguai e dos EUA. Escrita em espanhol, a vaporosa carta foi enviada para a embaixada americana, com cópias para o Comando Sul das Forças Armadas Americanas e ao Pentágono. “Em particular, resultam inadmissíveis e intoleráveis as palavras de sentido panfletário e demagógico sobre ‘a péssima gestão administrativa do Presidente Fernando Lugo que o faz merecedor de um urgente e inegociável juízo político’”, dizia o texto (veja aqui aqui o documento original).

Em alguns dias, a carta vazou para a imprensa – não de parte do governo, segundo o general. “Grosseira carta de ministro a embaixadora de EUA”, dizia o jornal conservador ABC Color, que publicou parte de seu conteúdo. Dentro do governo, o vice e os ministros liberais espumavam de raiva pela ofensa à representante americana. Lugo contemporizava. “A embaixadora, depois de uns dias, afirmou que era uma questão pessoal, que tudo estava superado… Mas o senador (Estigarribia) insistiu que se ofendeu a embaixadora, que se ofendeu um país amigo, que eu passei dos limites…”, lembra Spaini. “Aqui foram mais papistas que o papa”.

A gestão de Spaini durou apenas cinco meses depois do episódio. Sob pressão do Congresso – que se negou a aprovar o orçamento militar – o general renunciou. “Renunciei contra a vontade do presidente”, afirma. “Eu disse a ele que a única solução para essa situação era a minha saída, para não comprometer seu governo. E disse, em entrevistas a uma rádio, que eu estava convencido de que isso mirava ao presidente da República, e que o próximo seria ele.”

Em conversa com a Pública na sua casa, o general Cecílio Pérez Bordón – que assumiu a pasta de defesa após a saída de Spaini – não quis comentar sobre o fatídico almoço: “É um assunto já encerrado”. A primeira convidada a visitá-lo no gabinete depois da posse foi a mesma Liliana Ayalde. “Continuamos trabalhando, fazendo parcerias com eles”.

Mas e a promessa de nunca mais pisar os pés na embaixada? “Jamais pisei”.

Curuguaty, uma tragédia inesperada

Protesto em Assunção
Simpatizantes do ex-presidente do Paraguai, Fernando Lugo, fazem protesto contra seu impeachment em frente à sede da TV Pública, no centro da capital (Marcello Casal Jr./Arquivo ABr)

15 de junho de 2012, meio dia. Fernando Lugo está em uma feira de exposição do Ministério da Educação, no centro de Assunção. Ele sabe que, naquela manhã, haverá uma desocupação de terras no distrito fronteiriço de Canindeyu, próximo ao município de Curuguaty. Tratava-se de um terreno de 2 mil hectares reivindicado pela empresa Campos Morumbi S.A., de propriedade de Blas N Riquelme, ex-presidente do Partido Colorado. Mas nada disso o preocupa; trata-se de uma desocupação corriqueira, mais uma entre dezenas que ocorreram durante o seu governo. “Quando subimos no helicóptero, Alcides Lovera ao meu lado, ele escuta na rádio que o irmão foi ferido. Quando chegamos à residência presidencial, ele já havia falecido”.

Erven Lovera, irmão do chefe de segurança presidencial que estava sempre ao lado de Lugo, foi o primeiro policial a tombar no episódio que ficou conhecido nacionalmente como “a matança de Curuguaty”, um trágico conflito entre polícia e sem-terra, durante a desocupação. Após um breve e confuso confronto, morreram outros cinco policiais e 11 camponeses. Tido como o grande responsável pela tragédia, Lugo foi destituído da presidência uma semana depois pelo Congresso Nacional.

“Eu disse a Lovera que fosse ficar com sua família e já comecei a me comunicar com todo mundo. Fiquei em comunicação contínua com o Ministro do Interior e a polícia. Naquele momento, nos dedicamos a socorrer os feridos e mortos. Foi a prioridade”, lembra Lugo. Havia dúvidas se o presidente deveria ir ao local imediatamente. Após algumas horas de incerteza, a ministra da saúde Esperanza Martinez pegou um avião para lá. Lugo não foi.

Em Assunção o chefe de gabinete da presidência, Miguel Lopez Perito, também ficou sabendo da matança através dos membros da sua escolta. “Foi casualidade, um militar me disse que houve um enfrentamento em Curuguaty e mataram o irmão do chefe de segurança de Lugo. E me disse: parece que há mais mortos”.

Apontado pela imprensa como um “capa preta” do governo, Lopez Perito foi correndo ao palácio de governo. “Aí tivemos uma reunião com os comandantes do Exército, da Armada e da Aeronáutica, e também com o chefe do gabinete militar, o comandante da polícia, o ministro do interior e alguns outros ministros”, lembra. “Eu disse: ‘Presidente, esse é o início do juízo político’”.

Perito não conseguiu convencer seus pares, nem o presidente, de que se tratava de um complô para destituí-lo, afinal. O clima no palácio ainda era de torpor quando, naquela mesma sexta-feira, os primeiros congressistas começaram a evocar as palavras “juízo político”. “Creio que as 17 mortes doeram muito ao presidente Lugo”, diz o ex-ministro do planejamento Hugo Royg. “Lugo por essência não é um ator político, é um ator eclesial, formado nesta lógica. Um ator que essencialmente escuta”.

Foi assim que, no xadrez luguista, ao amanhecer de sábado, enquanto o jornal ABC Color trazia a manchete “A República sofre uma de suas horas mais negras” com um editorial de capa que começava com “O presidente Lugo é o responsável por essa lamentável tragédia”, o presidente trabalhava para resolver a situação nomeando, como novo Ministro do Interior, um notório colorado: o ex-procurador geral da República Ruben Candia Amarilla. A escolha de Amarilla, desafeto dos movimentos sociais do campo, acirrou ainda mais os ânimos liberais, criou desconfianças dentro do governo e acabou por desagradar a todos.

Nos bastidores, alguns ministros trabalhavam para mostrar que haveria uma reação enérgica e que o crime não ficaria impune. O plano era formar uma comissão de “notáveis” que faria uma investigação paralela sobre o massacre, “dando mais transparência ao processo”, segundo Hugo Royg. Conseguiram a adesão de uma fazendeira da região de Canindeyu e de um renomado jornalista do diário ABC Color. Foi como jogar óleo à chama.

A iniciativa foi vista como uma afronta às forças policiais – ou foi assim que diversos oposicionistas se referiram a ela através da imprensa. Segundo Lopez Perito, o que estava em jogo era outra coisa: “Na segunda-feira, 18 de junho, tivemos uma reunião ao meio-dia onde estava o presidente do Partido Liberal, três senadores liberais, vários militares, a ministra de saúde, o procurador-geral da República… E estavam Emílio Camacho, assessor jurídico de Lugo, e eu. Foi na casa do senador (Alberto) Grillon. E aí o Blas Lano (presidente do Partido Liberal) disse que eles não podiam seguir sustentando este governo, porque não sabiam o que era que queria este governo”, lembra Perito. “Disse que se não lhes déssemos a chapa presidencial para 2013, se Lugo não lhes garantisse que eles iam pôr o candidato a presidente, não iam frear o juízo político na Câmara”.

“Bom, o que veio depois foi muito rápido”, diz. “Ligamos para os colorados, e alguns me diziam ‘isso é loucura, não se pode entregar o governo ao Partido Liberal”, lembra o ex-chefe de gabinete. Na ala colorada, diz ele, quem mais trabalhou pelo juízo político foi Horácio Cartes, empresário com terras na fronteira, candidato à presidência em 2013 – e provável vencedor das eleições, segundo a revista americana The Economist.

Lugo seguia incrédulo e hesitante. Como sempre. “Mas também, como já haviam falado 23 vezes em impeachment em 3,5 anos, no Parlamento, eu acreditava que seria como nas outras vezes”, explica-se. Na quarta-feira, descreve Esperanza Martinez, “nós percebíamos que a temperatura estava subindo dentro do Partido Liberal. Já estavam mais distantes, muitos diziam que iam fazer o juízo político. Muitos de nós, os colaboradores, nos aproximamos do presidente, pedimos por favor que negociasse com eles. Ele tentou falar pelo telefone. Não atendiam”.

“Desta vez foi diferente, porque houve uma reunião dos líderes dos partidos políticos na quarta-feira, dia 20. Eu sabia. E aí fecharam…”, diz Lugo. Na mesma noite, com boa parte do seu gabinete ainda na residência oficial, Lugo foi dormir às 22h, como de costume.

A calma do ex-bispo, motivo de críticas constantes durante o seu governo, surpreendeu colaboradores próximos. “Ele já estava cansado, dizia ‘se querem fazer o juízo, que façam’”, conta um deles. “Mas isso, é claro, é uma observação pessoal. Não se entrega assim um governo”.
Quando foi dormir, Lugo contava, segundo as últimas pesquisas, com uma taxa de aprovação crescente: cerca de 40% dos paraguaios considerava seu governo bom ou muito bom em meados de 2011. Em julho de 2012, a taxa chegaria a 60%.

Acordou com o impeachment pendendo sobre sua cabeça.“Foi neste momento que soube que ia acabar”, diz.

Creative Commons - CC BY 3.0

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