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Escolas são entregues sem a mínima estrutura para funcionamento

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Professores denunciam situação de escolas paraenses em blog

Criado em 28/08/12 12h33 e atualizado em 28/08/12 14h45
Por Ana Aranha Fonte:Agência Pública

Escola no Pará - 5
Escolas são entregues sem a mínima estrutura para funcionamento (Foto: Agência Pública)

Apesar das dificuldades, tanto em Portel quanto em Anajás há um grupo de professores que segue denunciando os problemas que enxergam na educação. E que vem ganhando força, principalmente em Portel, a partir do blog do professor Ronaldo de Deus Machado, que busca as ferramentas de transparência do governo federal para fiscalizar.

Sempre que o Ministério da Fazenda divulga as verbas liberadas para as escolas da cidade, Ronaldo coloca os valores no blog. “Mas ainda é pouca informação, não temos os detalhes de onde esse dinheiro deveria ser investido”, afirma.

Portel também recebeu uma visita da Controladoria Geral da União, em 2004, quando a equipe de fiscais encontrou uma série de indícios de corrupção com a verba da educação. Entre elas, fraude de licitação, superfaturamento e notas fiscais referentes a materiais não localizados. Entre eles, um laptop de 3 mil reais e mais de 50 mesas e cadeiras que nunca foram entregues.

As evidências levaram à abertura de investigações no Ministério Público Federal e, no começo desse ano, o ex-prefeito Elquias Nunes da Silva Monteiro foi condenado por uma das muitas irregularidades detectadas: desvio da verba para salário dos professores. Em 2000, quando era prefeito, ele deixou de repassar 120 mil reais para o pagamento de professores. Foi condenado por improbidade administrativa, teve os direitos suspensos até 2017 e obrigado a pagar uma multa de 300 mil reais, mas não era mais prefeito quando foi condenado. Na eleição desse ano, Elquias Monteiro, que não quis falar com a Pública – tenta eleger o filho para vereador.

A condenação não parece mesmo ter surtido efeito em Portel. O atual prefeito demitiu 1.131 professores e funcionários temporários em junho e recontratou 1.024 deles no começo de agosto. Tudo para não pagar as férias dos temporários, que representam 44% dos professores.

“Foi necessário para minimizar os problemas no fechamento do mandato. Economizamos 100 mil reais”, disse o secretário da educação Paulo Hélio Tavares Gomes Júnior, que assumiu a pasta há dois meses, quando a ex-secretária saiu para concorrer à prefeitura.

Questionado sobre o mesmo ponto, Pedro Barbosa, atual prefeito pelo PMDB, deu uma resposta diferente: “Eles receberam as férias sim, todos receberam. Isso é reclamação de professor que não sabe fazer conta”.

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A escola paga a conta
Para manter uma estrutura mínima funcionando em Portel, os diretores e professores têm que se virar para encontrar recursos e alternativas para multiplicá-los.

É assim que a escola Abel Nunes Figueiredo construiu a estrutura que hoje lhe rende o título de melhor escola da cidade. Seus banheiros funcionam, há uma quadra coberta, um laboratório de informática e um auditório climatizado que é usado até pela secretaria para palestras e eventos.

A maior parte dessa estrutura foi construída pela escola em “parceria” com a prefeitura – o que na prática significa o corpo docente ir atrás de convênios diretos com o MEC, como o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), que libera cerca de 10 mil reais por ano, e depois que o dinheiro acaba, receber uma “ajuda” da prefeitura. Além disso, professores e funcionários promovem festas com os pais dos alunos.

Foi assim que, nos últimos três anos, a escola construiu a sala de informática, dois banheiros, reformou a sala dos professores, nivelou o piso e começou a fazer o auditório. Além de comprar lousas novas, jogos educativos, impressoras, mimeógrafo e computadores para a secretaria.

Quando o dinheiro acabou, a prefeitura terminou de fazer o auditório e pintou tudo.

Na zona rural a situação é ainda mais difícil: Portel tem 9 mil alunos na cidade e 11 mil no interior – comunidades ribeirinhas que ficam a até dois dias de barco da sede.

A uma hora de lancha da cidade, a professora Andreza dos Santos de Azevedo, 19 anos, ainda parece uma aluna. Ela terminou o ensino médio no ano passado; cursou os 8 anos do ensino fundamental na pequena sala de poucas janelas que leva o nome de Escola Municipal Canto Alegre. Na verdade, a maior parte do tempo Andreza passou estudando embaixo de uma árvore –  de tão quente que é a escola durante o dia, nem o professor aguenta ficar dentro dela.

Desde que era aluna do fundamental, ela espera que o prefeito cumpra a promessa de construir uma escola nova na comunidade. Há uma ano, a ex-secretária de educação foi à comunidade e prometeu uma unidade “modelo”, com seis salas de aula, sala de informática, cozinha e alojamento para os professores.

Com esse incentivo, o tio de Andreza, líder da comunidade, fez um acordo com o prefeito e juntou as 40 famílias que moram lá para trabalhar. Eles entraram na floresta, tiraram madeira e pagaram uma serraria e um carpinteiro. Assim, a estrutura da futura escola ficou de pé, a maior e mais alta da comunidade.

Quando começou a estação das chuvas, o tio de Andreza foi à cidade pedir à prefeitura, que nada havia feito, que providenciasse as telhas para não estragar as vigas de madeira. Conseguiu metade do necessário e, de novo, a comunidade pagou a instalação.

Agora, a estação de chuvas já passou, está quase chegando de novo, e o esqueleto da escola continua vazio. Metade coberto, metade ao relento. “Às vezes a gente se junta e corta o matinho que cresce dentro”, diz Andreza. “A comunidade tá ficando irada”.

Para não ficar mais embaixo da árvore, os alunos estudam no espaço construído pelos moradores para festas e reuniões. A prefeitura paga R$ 200 pelo aluguel.

Esse mesmo arranjo foi feito em ao menos cinco outras localidades rurais. Em uma delas, a da comunidade Santa Luzia, a turma foi para um barracão de madeira e teto de palha construído pelo pai de Idolino Araújo Ramos, um senhor de 75 anos, quando ele ainda era criança.

A única adaptação que a prefeitura fez no barracão foi colocar duas divisórias de madeira que dividem em três salas os 200 alunos da manhã e os 200 da tarde. “Fica tão cheio que o barulho não deixa ninguém estudar”, diz Maria do Livramento Gibson Ramos, filha de Idolino que tem 26 anos e está na 7a série. Ela estuda à tarde, quando funcionam as turmas de 5a à 8a série. Nesse período não há livros, nem merenda. “A comida é só para os pequenos, de manhã, e mesmo assim dura metade do mês. A gente só faz copiar da lousa”, afirma.

Maria estuda na turma dos adolescentes porque a prefeitura suspendeu o professor que dava aula para os adultos. Sua irmã, Maria Trindade Gibson Ramos, 34 anos, não pode fazer o mesmo pois ainda estava na 2a série. “A gente estudava embaixo da árvore, só com o caderninho, mas tava aprendendo. Quando comecei a ler e escrever um pouquinho, o professor parou”, diz.


Área de escola sem paredes ou piso adequado para o uso dos alunos
Evidências de desvio de recursos – e as suas consequências – são encontradas fartamente dentro das escolas do Pará (Foto: Agência Pública)

Nem todas as comunidades têm um espaço para alugar à prefeitura. A escola Cumucuru funciona em um barracão que tem apenas teto e uma parede. Quando chove, as aulas são suspensas. Na escola Hugo Carlos Saboia, que está cheia de furos no teto e rachaduras na parede, as aulas foram transferidas para o espaço que a comunidade usa como igreja. Sob a mesa do professor, há livros didáticos, uma bíblia e uma vela.

Maquiando os resultados
Dentro desse cenário, é difícil falar em qualidade da educação. “Não há nenhuma orientação ou preocupação em relação ao que acontece dentro da sala de aula. Foi trabalhar, preencheu a caderneta, está perfeito”, diz Odineia Ferreira Correia, professora de história na zona rural. Ela conta que, na sua escola, ninguém nem ficou sabendo quais os resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação). O índice deveria servir de baliza para as escolas fazerem uma auto-avaliação do ensino que oferecem.

Segundo a professora, a única orientação que recebeu foi para diminuir a repetência dos alunos. Como o Ideb combina a avaliação dos alunos em português e matemática com a aprovação, muitas escolas conseguem melhorar a nota sem mexer na qualidade, apenas aprovando os alunos.

Foi exatamente isso que aconteceu em Portel. O Ideb da cidade saltou de 2,7 em 2009 para 3,8 em 2011 (em uma escala de 0 a 10). O crescimento se deve exclusivamente ao aumento da aprovação, já que a nota dos alunos em português e matemática caiu.

Se conseguirem vencer a corrida de obstáculos do ensino fundamental, os 20 mil estudantes do ensino fundamental de Portel ainda tem que contar com a sorte para conseguir uma vaga no ensino médio. São apenas 1.606 vagas para o ensino médio oferecido pelo Estado nas duas escolas da cidade. Boa parte deles ficou sem aula no primeiro semestre desse ano pois uma dessas escolas ficou seis meses em reforma.

Em Anajás, o dilema se repete: são 8.396 estudantes de ensino fundamental e apenas 659 vagas no ensino médio. O único colégio para os jovens, também do Estado, está sem professor de língua portuguesa, física e inglês e sem monitor de informática – o que inviabiliza o uso dos computadores.

Relembre as outras duas reportagens da série:
Um orgulho raro: o futuro da Amazônia
Corrupção prejudica a educação na Amazônia


A série “O Futuro da Amazônia” tem o apoio da Fundação Carlos Chagas

Creative Commons - CC BY 3.0

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